A Alimentação dos Monges Cistercienses de Alcobaça no século XVIII
O século XVIII pode ser encarado na vida do Mosteiro de Alcobaça tanto como um período de auge como de decadência, consoante o prisma da análise em que nos colocamos. Em matéria de economia agrícola coincide com a plantação dos vastos olivais da beira Serra dos Candeeiros e com a difusão do milho grosso nas terras de campo da Maiorga, Valado e Cela, assim como na edificação de infra-estruturas de produção e fundação de novas Granjas. Naturalmente, as rendas do Mosteiro ampliam-se, o que se repercute numa abastança e desafogo da vida económica. Em contrapartida, assistia-se a um relaxamento dos costumes, a uma sobreposição do material sobre o espiritual, a um desvio do caminho da humildade imposto na Regra que definia a vida das comunidades cistercienses. O monge farto e ocioso de barriga proeminente não será portanto apenas uma invenção malidecente do liberalismo mais radical.
Os cistercienses de Alcobaça mantiveram praticamente intactos os seus direitos dominiais, senhoriais e os monopólios sobre os meios de produção. Cobravam os quintos da azeitona (no pé do olival), alhos, cebolas, linho, fruta e uvas brancas (as tintas de cobertura dos vinhos estavam normalmente isentas ou eram pagas na eira); o quarto dos legumes e pão (designação para o trigo, o milho, o centeio, cereais que eram colectados na eira); os dízimos verdes, de sangue e pescarias; a jugada e fogaça de um alqueire de trigo sobre os lavradores; as portagens; os terrados das feiras; a galinha de casaria sobre qualquer fogo (habitação); as maquias de lagares de azeite (dízimo do melhor azeite lavrado); os foros de moinhos e azenhas e das terras de cultura (em pão meado, terçado e quartado e em animais como galinhas, frangos e galos capões, porcos – porco gordo de quatro arrobas –, carneiros, cera, azeite, vinho, numerário); o montado (bianual) dos porcos – um animal por vintena; a lagarádiga por fabrico do vinho; os direitos sobre as águas e ventos que animavam os moinhos de pão e outros engenhos.
As rendas da exploração directa associadas aos múltiplos foros garantiam a autarcia do Mosteiro e permitiam ainda negociar os excedentes, assegurando uma interessante rede comercial.
O que comem os monges reflecte, em grande medida, as posses da comunidade, o seu estatuto social e os princípios ideológicos que a norteiam. Vamos então observar os produtos que chegavam à mesa monástica.
Começamos pelo pão e para não haver confusões falamos de pão de trigo alvo, dado que o povo dos coutos consumia um pão negro em virtude da fraca taxa de peneiração, que irá ser substituído pela broa de milho. Aliás, o pequeno pão ou merendeira, designado por micha, que os monges distribuíam diariamente aos pobres na portaria do Mosteiro e junto às Granjas, era constituído, essencialmente, de farinha de milho, algum centeio e rolão de trigo (desperdício do pão consumido pelos monges).
A carne que chegava à cozinha do Mosteiro não provinha toda de animais criados nas terras dos coutos de Alcobaça. A falta de pastos condicionava a criação de gado bovino. Durante o século XVIII, a maior parte dos animais de trabalho e açougue eram importados do Minho. A inexistência de vacas leiteiras obrigava o Mosteiro a adquirir barris de manteiga para abastecer a sua requintada cozinha. Já os rebanhos de ovinos do Mosteiro provinham em grande parte da região transmontana. A cozinha recebia grande quantidade de galinhas e frangos. De Maio de 1747 a 1748 regista-se a entrada de 7.788 galinhas e 519 frangos. Para igual período de tempo temos um consumo de 51.589 ovos. Por seu turno, a coelheira do Mosteiro, uma das maiores da Europa, abrigava cerca de 6.000 animais. Para além dos animais de criação, a gastronomia monástica era prendada por variadas peças de caça, entre as quais se contam coelhos e patos bravos, perdizes, codornizes, galinholas e ades (designação genérica atribuída às aves palmípedes). No lote de aquisições da cozinha do Mosteiro encontram-se lombos de porco, pedaços de toucinho, presuntos, enchidos, como as morcelas de Arouca, paios, leitões para assar, entre outros acepipes.
O peixe fresco consumido pelos monges provinha dos portos da Pederneira e de Peniche. Temos referências a cambadas de chernes, pargos, congros, corvinas, robalos, besugos, pescadas, sardinhas. Para além do peixe fresco, o Mosteiro adquiria pescada seca de Vila do Conde e de destinos mais longínquos, como a Holanda e a Irlanda, cação de Buarcos, grandes quantidades de bacalhau… Sáveis, enguias e lampreias, muitas lagostas e amêijoas, polvos e lulas, entravam regularmente na dieta alimentar dos monges brancos.
No capítulo dos queijos, ao requeijão e queijo fresco produzido nas queijarias locais, juntavam-se os queijos importados do Alentejo, de Parma, Flandres.
O vinho que acompanhava as refeições era produzido nas adegas do Mosteiro. Trata-se de um vinho produzido pelo método de bica aberta, temperado com maçãs camoesas, cascas de laranja e arrobe, cujo grau e sabor frutado cativou tantos e ilustres visitantes. Estima-se num quartilho (0,5 l) a quantidade de vinho ingerida a cada refeição pelos monges, mas este quantitativo podia ser mais elevado, dado que os copos em que se servia o vinho levavam bem, na opinião do Marquês de Fronteira e Alorna, meia canada (1 l).
As árvores de fruto tão acarinhadas pelos monges nos seus jardins e pomares repartem-se em frutos de caroço, pevide e espinho. Temos as maçãs camoesas e baionesas eleitas nos foros, as doces laranjas da China, ginjas, cerejas, damascos, figos, pêssegos e ameixas e nos frutos agros, as limas e limões. Para além da fruta fresca, o consumo também privilegiava as frutas secas, nomeadamente as passas de camoesas e peras de almíscar aparadas, de ameixas caragoçanas, etc. A doçaria está bem representada pelas extraordinárias compras de açúcar, arroz e leite indispensáveis ao arroz doce e manjar branco, pelos barris de manteiga, pelos inúmeros ovos, por arrobas de amêndoa (de Torres Novas), por chocolate… As artes da doçaria e conserva requisitavam grandes quantidades de peras, laranjas, pêssegos, cidras, abóboras e figos. A pêra e a abóbora cobertas eram consumidas em épocas festivas. Importavam-se bolos de Almoster, queijadas... A indústria apícola facultava o mel de tão grande utilidade no receituário de doces e também noutros pratos requintados e bebidas fermentadas.
O século XVIII pode ser encarado na vida do Mosteiro de Alcobaça tanto como um período de auge como de decadência, consoante o prisma da análise em que nos colocamos. Em matéria de economia agrícola coincide com a plantação dos vastos olivais da beira Serra dos Candeeiros e com a difusão do milho grosso nas terras de campo da Maiorga, Valado e Cela, assim como na edificação de infra-estruturas de produção e fundação de novas Granjas. Naturalmente, as rendas do Mosteiro ampliam-se, o que se repercute numa abastança e desafogo da vida económica. Em contrapartida, assistia-se a um relaxamento dos costumes, a uma sobreposição do material sobre o espiritual, a um desvio do caminho da humildade imposto na Regra que definia a vida das comunidades cistercienses. O monge farto e ocioso de barriga proeminente não será portanto apenas uma invenção malidecente do liberalismo mais radical.
Os cistercienses de Alcobaça mantiveram praticamente intactos os seus direitos dominiais, senhoriais e os monopólios sobre os meios de produção. Cobravam os quintos da azeitona (no pé do olival), alhos, cebolas, linho, fruta e uvas brancas (as tintas de cobertura dos vinhos estavam normalmente isentas ou eram pagas na eira); o quarto dos legumes e pão (designação para o trigo, o milho, o centeio, cereais que eram colectados na eira); os dízimos verdes, de sangue e pescarias; a jugada e fogaça de um alqueire de trigo sobre os lavradores; as portagens; os terrados das feiras; a galinha de casaria sobre qualquer fogo (habitação); as maquias de lagares de azeite (dízimo do melhor azeite lavrado); os foros de moinhos e azenhas e das terras de cultura (em pão meado, terçado e quartado e em animais como galinhas, frangos e galos capões, porcos – porco gordo de quatro arrobas –, carneiros, cera, azeite, vinho, numerário); o montado (bianual) dos porcos – um animal por vintena; a lagarádiga por fabrico do vinho; os direitos sobre as águas e ventos que animavam os moinhos de pão e outros engenhos.
As rendas da exploração directa associadas aos múltiplos foros garantiam a autarcia do Mosteiro e permitiam ainda negociar os excedentes, assegurando uma interessante rede comercial.
O que comem os monges reflecte, em grande medida, as posses da comunidade, o seu estatuto social e os princípios ideológicos que a norteiam. Vamos então observar os produtos que chegavam à mesa monástica.
Começamos pelo pão e para não haver confusões falamos de pão de trigo alvo, dado que o povo dos coutos consumia um pão negro em virtude da fraca taxa de peneiração, que irá ser substituído pela broa de milho. Aliás, o pequeno pão ou merendeira, designado por micha, que os monges distribuíam diariamente aos pobres na portaria do Mosteiro e junto às Granjas, era constituído, essencialmente, de farinha de milho, algum centeio e rolão de trigo (desperdício do pão consumido pelos monges).
A carne que chegava à cozinha do Mosteiro não provinha toda de animais criados nas terras dos coutos de Alcobaça. A falta de pastos condicionava a criação de gado bovino. Durante o século XVIII, a maior parte dos animais de trabalho e açougue eram importados do Minho. A inexistência de vacas leiteiras obrigava o Mosteiro a adquirir barris de manteiga para abastecer a sua requintada cozinha. Já os rebanhos de ovinos do Mosteiro provinham em grande parte da região transmontana. A cozinha recebia grande quantidade de galinhas e frangos. De Maio de 1747 a 1748 regista-se a entrada de 7.788 galinhas e 519 frangos. Para igual período de tempo temos um consumo de 51.589 ovos. Por seu turno, a coelheira do Mosteiro, uma das maiores da Europa, abrigava cerca de 6.000 animais. Para além dos animais de criação, a gastronomia monástica era prendada por variadas peças de caça, entre as quais se contam coelhos e patos bravos, perdizes, codornizes, galinholas e ades (designação genérica atribuída às aves palmípedes). No lote de aquisições da cozinha do Mosteiro encontram-se lombos de porco, pedaços de toucinho, presuntos, enchidos, como as morcelas de Arouca, paios, leitões para assar, entre outros acepipes.
O peixe fresco consumido pelos monges provinha dos portos da Pederneira e de Peniche. Temos referências a cambadas de chernes, pargos, congros, corvinas, robalos, besugos, pescadas, sardinhas. Para além do peixe fresco, o Mosteiro adquiria pescada seca de Vila do Conde e de destinos mais longínquos, como a Holanda e a Irlanda, cação de Buarcos, grandes quantidades de bacalhau… Sáveis, enguias e lampreias, muitas lagostas e amêijoas, polvos e lulas, entravam regularmente na dieta alimentar dos monges brancos.
No capítulo dos queijos, ao requeijão e queijo fresco produzido nas queijarias locais, juntavam-se os queijos importados do Alentejo, de Parma, Flandres.
O vinho que acompanhava as refeições era produzido nas adegas do Mosteiro. Trata-se de um vinho produzido pelo método de bica aberta, temperado com maçãs camoesas, cascas de laranja e arrobe, cujo grau e sabor frutado cativou tantos e ilustres visitantes. Estima-se num quartilho (0,5 l) a quantidade de vinho ingerida a cada refeição pelos monges, mas este quantitativo podia ser mais elevado, dado que os copos em que se servia o vinho levavam bem, na opinião do Marquês de Fronteira e Alorna, meia canada (1 l).
As árvores de fruto tão acarinhadas pelos monges nos seus jardins e pomares repartem-se em frutos de caroço, pevide e espinho. Temos as maçãs camoesas e baionesas eleitas nos foros, as doces laranjas da China, ginjas, cerejas, damascos, figos, pêssegos e ameixas e nos frutos agros, as limas e limões. Para além da fruta fresca, o consumo também privilegiava as frutas secas, nomeadamente as passas de camoesas e peras de almíscar aparadas, de ameixas caragoçanas, etc. A doçaria está bem representada pelas extraordinárias compras de açúcar, arroz e leite indispensáveis ao arroz doce e manjar branco, pelos barris de manteiga, pelos inúmeros ovos, por arrobas de amêndoa (de Torres Novas), por chocolate… As artes da doçaria e conserva requisitavam grandes quantidades de peras, laranjas, pêssegos, cidras, abóboras e figos. A pêra e a abóbora cobertas eram consumidas em épocas festivas. Importavam-se bolos de Almoster, queijadas... A indústria apícola facultava o mel de tão grande utilidade no receituário de doces e também noutros pratos requintados e bebidas fermentadas.
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