domingo, 30 de dezembro de 2012

M - 442 «O JULGAMENTO»- UMA NARRATIVA CRÍTICA DA JUSTIÇA


Um Inventário…meio inventado!

Lá longe …como Comandante de missão Apolo 11 Neil Armstrong  pisava a Lua em 20 de Julho de 1969.
 Cá por baixo – muito mais abaixo – o bispo do Porto , D.António Ferreira Gomes, regressava do exílio. E morria Salazar.
Em pacata localidade do outro lado da serra chegava à comarca de segunda classe o jovem Delegado do Procurador da República.
Com apenas 27 anos de idade e 9 meses de experiência anterior em comarca de 3ª.classe carregava mais interrogações e dúvidas do que certezas e sólidas convicções.
No seu primeiro dia no Tribunal foi interpelado por um homem de idade indefinida, de aspecto doentio, que certamente informado de que ia chegar um novo magistrado não foi de modas nem se pôs na fila para perguntar pelo seu processo.
 «Quando me chama vossa excelência a declarações».
O Delegado pediu-lhe que esperasse e chamou o escrivão, para saber de que processo se tratava.
 O Sr.Rodrigues, com muitos anos de tarimba nas lides judiciais, disse-lhe que o individuo do corredor era o sr.Rafael ,que não tinha nenhum processo pendente em Tribunal.Sem nada que fazer, sem parentes próximos e com uma doença do foro oncológico,  era visita habitual do Tribunal onde queria que por força corresse um inventário por morte de sua mãe. Que já tinha morrido há dezenas de anos.
«O que ele quer é ter um processo», rematou o escrivão sr.Rodrigues.
«Pois se não tem passará a ter». Assim decidiu o novo Delegado.
Convocados o Juiz e os funcionários da secção, o Conservador do Registo Civil, para as certidões relativas ao estado das pessoas, o Conservador do Registo Predial, para certificar os imóveis, e o Notário, todos acordaram, com a prestimosa colaboração dos respectivos funcionários, na instauração e no acompanhamento do processo de inventário facultativo, a requerimento do sr.Rafael, logo ali “nomeado” cabeça de casal. Prestou declarações, juntou certidões, apresentou a relação de bens, deslocou-se de repartição em repartição. Interrogava com frequência o Delegado a fim de se informar do estado dos “autos”, como aprendera e gostava de dizer.
Tinha (finalmente) um processo!Parecia realizado e feliz.
A doença que o minava não parava de o minar e um dia chegou a notícia do seu fim.
Foi um alívio no Tribunal, que não mais teria que o aturar!?
O seu desaparecimento não constituiu um alívio.
 De alguma forma com a sua morte, todos deixaram de ter “o seu processo”.
 Um processo simulado, é certo, feito de documentos falsos.Mas com entrada dada, autuado e registado, como mandam as regras.Um processo como os outros.O que reforça a gravidade das “infracções” que comportava.O decurso do tempo determinou a sua destruição e, para os mais puristas, fez prescrever os “crimes” que exuberantemente documentava. Aí, o “processo” estivera ao serviço da justiça !...
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Esta história de vida aconteceu e o Delegado do Procurador da República desse tempo e dessa comarca de 2ª.classe de uma pacata localidade do outro lado da serra… chamava-se – e chama-se ainda hoje - Álvaro Laborinho Lúcio.

 Que desempenhou vários cargos na área da Justiça. Foi director do Centro de Estudos Judiciários e vogal do Conselho Superior de Magistratura. E Ministro da Justiça, bem como Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores.
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Álvaro Laborinho Lúcio, que é actualmente Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça na situação de jubilado, apresentou hoje na Biblioteca Municipal da Nazaré, sua terra natal, o seu livro “O JULGAMENTO”, destacando entre vários considerandos a história de vida do sr.Rafael.
Estivemos lá.O seu livro, que teve 1ª.edição em Outubro de 2012 e 2ª.Edição em Novembro do mesmo ano(!) tem 535 páginas. Lê-se num sopro.
JERO(29.Dezembro.2012).


PS-O novo livro de Álvaro Laborinho Lúcio, da Leya e D.Quixote, já foi apresentado em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Faro. Chegou a vez agora da sua Nazaré, onde teve casa cheia e muitos amigos...que o tratam por tu. Falou num novo livro sobre gentes da Nazaré que, talvez, venha a lançar durante 2013. 
Em nome dos velhos tempos do Colégio do Dr.Cabrita...um abraço de Alcobaça. Zé Eduardo.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

M - 441 UMA AURORA COMO ESTA É (QUASE) ÚNICA


Aos 70 Dona Aurora reforma-se contrariada
“O meu último dia de trabalho na Câmara de Alcobaça foi só beijos, abraços, telefonemas, mensagens e no intervalo …fartei-me de chorar.
 Foram 22 anos de trabalho.
 As 22 rosas que o Presidente Paulo Inácio me ofereceu quase me mataram…”.
E volta a soluçar quando recorda esse momento.
Quem fala assim – com o coração nas mãos - chama-se Aurora Fernanda Pires Santana que, bem contrariada, teve no passado dia 19 de Dezembro o seu último dia de trabalho na Câmara de Alcobaça.
 Onde entrou como assistente técnica do BAD em 6 de Março de 1991. 
Trabalhou com 3 Presidentes: Miguel Guerra, Gonçalves Sapinho e Paulo Inácio.
E gostou sempre muito do que fez.
 Mas o B.I.pregou-lhe uma partida e fez agora 70 anos depois de ter nascido em Cubal-Angola em 20 de Dezembro de 1942.
A sua vida foi tudo menos monótona com passagens por Angola, Lisboa, Tete-Moçambique , Brasil e chegada à Vestiaria em 5 de Dezembro de 1980, onde a família do seu primeiro marido tem ligações. 
Antes disso é vincadamente marcada por muitos anos de passagem pelas Doroteias. Chegou a frequentar a Universidade de Letras de Lisboa, em Românicas mas ficou pelo 1º.Ano.
Casou com 28 anos e teve 2 filhos: em 1972 a Ana Cristina e no ano seguinte o Rui Alexandre.
 Separou-se em 1984.
 Em 12 de Junho de 1990 entrou na CMA onde veio a conhecer Luís Fernandes.
Com quem casou e veio a viver até à morte deste em 13 de Fevereiro de 2004.
Viúva desde então e agora reformada não vai parar.
 Já comprou um computador e em Janeiro vai entrar para a Universidade Sénior de Alcobaça. 
Para é que nem pensar.
A Dona Aurora é uma força da natureza.
JERO

PS- Dois dias depois da reforma com uma outra "cara". A de avó babada.

domingo, 16 de dezembro de 2012

M - 440 CEM ANOS É MUITO TEMPO.


Mais uma centenária em terras de Cister


Uma vida de trabalho, de muito trabalho marcam e são, de certo modo, uma “imagem de marca” da Dona Maria Joaquina dos Santos, que no passado dia 18 de Novembro completou 100 anos de vida.
Nasceu em Chaqueda, bem perto do Rio Alcoa, que durante muitos anos da sua vida foi o seu local de trabalho.
 Ainda em idade escolar teve que abandonar os livros e os cadernos para ajudar a sua mãe na lida da casa. 
E também para criar os seus dois irmãos mais novos que nasceram depois do regresso de seu pai, emigrante durante anos no Brasil.
 A Maria Joaquina tinha nascido na primeira “leva” – ela e mais 4 irmãos – e no retorno do seu pai às origens o agregado familiar aumentou.
 Até atingir uma idade casadoira Maria Joaquina foi lavadeira. 
Cada dia da sua vida nesse tempo era, em grande parte, passado nas margens do Alcoa, lavando a roupa das senhoras de Alcobaça, Foram toneladas de roupa que lhe passaram pelas mãos.
Casou com 24 anos e o seu António, filho único, viu a luz do dia em 1935.
Continuou a trabalhar no duro pois não sabia fazer outra coisa. 
Anos e anos até que se viu viúva, em 1973, quando então contava 61 anos de idade, indo a partir daí viver conjuntamente com o seu filho, sua nora e neto Alcobaça.
A vida continuou n’outro ritmo, com os anos a passarem pela Dona Maria Joaquina. 
Chegaram os 70.
 Os 80.
 E em 2001, já muito próximo dos 90,chegou o tempo do Lar da Misericórdia de Alcobaça.
 Onde graças a uma óptima assistência – nas palavras de seu filho António José dos Santos Nobre, que desde então a tem conseguido visitar diariamente – se mantém com uma qualidade de vida que muito agrada a todos os seus familiares mais próximos.
 Que não deixam um dia sozinha.
Em paz.
 Em segurança.
 E com a tranquilidade que conquistou ao longo de uma vida de grande dedicação à família.
 E de trabalho.

“Lavei toneladas de roupa de senhoras de Alcobaça.”

Parabéns Dona Maria Joaquina dos Santos.

JERO

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

M-439 MAIS UMA "ESTÓRIA" DA TROPA...


Uma triste figura
Veio-me à dias a lembrança de uma “triste figura” que me calhou fazer durante a minha vida militar.
Em 4 anos de tropa milhentas coisas me aconteceram.
É só escolher os temas – caricatos, ridículos, dramáticos, cómicos, trágicos, comoventes, burlescos – que tenho para todos os gostos.
Seleccionei – para partilhar com quem me lê –um do tipo caricato.
Fui “sargento-dia” na véspera do 1º. de Maio de 1964 no Regimento de Infantaria 16, em Évora.
E o que é que isso pode ter de especial?
Nada, a não ser o facto de nunca o ter feito anteriormente, porque nos dois anos anteriores tinha prestado serviço no Hospital Militar Principal, em Lisboa.
Apresentei-me no R.I 16 ao “Oficial-Dia” e já não sei bem em que tempo e circunstâncias, passei a estar equipado com um “pistolão” e com uma espada à cintura…
Senti-me tão ridículo e tão pouco à vontade com a espada que me lembro ainda da dificuldade em andar com “aquilo”…Cada passo que dava a espada ia-me ter entre as pernas!
Habituado ao HMP, de Lisboa, em que andava normalmente fardado de “bata branca”(pertencia ao Serviço de Saúde), nada sabia em relação às “turbulências”  que eram usuais num quartel de Infantaria…
E entrei de serviço logo num dia complicado para o tempo (véspera do “dia do trabalhador” em pleno Alentejo…pró-comunista). Em Évora já tinham havido anteriormente algumas tentativas de assalto a quartéis por civis. Pelo menos foi o que me contaram alguns “amigos de fresca data” no início da longa noite de serviço como “sargento-dia”…
E , de facto, depois da meia-noite “passaram” algumas pedras e garrafas por cima da “porta de armas”.Mas depois mais nada de especial aconteceu.
O “serviço” chegou ao fim e lá fui entregar a espada e o “pistolão” a quem de direito, seguindo-se um tempo de descanso e, nos dias seguintes voltei ao que sabia e estava habituado, ou seja, a desempenhar as funções de Furriel Enfermeiro. Sem espada…nem pistola à cintura !
Uma semana depois rumámos a Lisboa para embarcar no “Uíge” a caminho de Bissau (8 de Maio de 1964) e não voltei a ter que “mascarar” de Sargento –Dia armado até “aos dentes”…
Ainda hoje me interrogo como consegui desempenhar aquele “papel”…sem me escangalhar a rir !!!
Mas “tropa é tropa” e há que estra preparado para todo o serviço …
Bons velhos tempos !
JERO