domingo, 30 de dezembro de 2012

M - 442 «O JULGAMENTO»- UMA NARRATIVA CRÍTICA DA JUSTIÇA


Um Inventário…meio inventado!

Lá longe …como Comandante de missão Apolo 11 Neil Armstrong  pisava a Lua em 20 de Julho de 1969.
 Cá por baixo – muito mais abaixo – o bispo do Porto , D.António Ferreira Gomes, regressava do exílio. E morria Salazar.
Em pacata localidade do outro lado da serra chegava à comarca de segunda classe o jovem Delegado do Procurador da República.
Com apenas 27 anos de idade e 9 meses de experiência anterior em comarca de 3ª.classe carregava mais interrogações e dúvidas do que certezas e sólidas convicções.
No seu primeiro dia no Tribunal foi interpelado por um homem de idade indefinida, de aspecto doentio, que certamente informado de que ia chegar um novo magistrado não foi de modas nem se pôs na fila para perguntar pelo seu processo.
 «Quando me chama vossa excelência a declarações».
O Delegado pediu-lhe que esperasse e chamou o escrivão, para saber de que processo se tratava.
 O Sr.Rodrigues, com muitos anos de tarimba nas lides judiciais, disse-lhe que o individuo do corredor era o sr.Rafael ,que não tinha nenhum processo pendente em Tribunal.Sem nada que fazer, sem parentes próximos e com uma doença do foro oncológico,  era visita habitual do Tribunal onde queria que por força corresse um inventário por morte de sua mãe. Que já tinha morrido há dezenas de anos.
«O que ele quer é ter um processo», rematou o escrivão sr.Rodrigues.
«Pois se não tem passará a ter». Assim decidiu o novo Delegado.
Convocados o Juiz e os funcionários da secção, o Conservador do Registo Civil, para as certidões relativas ao estado das pessoas, o Conservador do Registo Predial, para certificar os imóveis, e o Notário, todos acordaram, com a prestimosa colaboração dos respectivos funcionários, na instauração e no acompanhamento do processo de inventário facultativo, a requerimento do sr.Rafael, logo ali “nomeado” cabeça de casal. Prestou declarações, juntou certidões, apresentou a relação de bens, deslocou-se de repartição em repartição. Interrogava com frequência o Delegado a fim de se informar do estado dos “autos”, como aprendera e gostava de dizer.
Tinha (finalmente) um processo!Parecia realizado e feliz.
A doença que o minava não parava de o minar e um dia chegou a notícia do seu fim.
Foi um alívio no Tribunal, que não mais teria que o aturar!?
O seu desaparecimento não constituiu um alívio.
 De alguma forma com a sua morte, todos deixaram de ter “o seu processo”.
 Um processo simulado, é certo, feito de documentos falsos.Mas com entrada dada, autuado e registado, como mandam as regras.Um processo como os outros.O que reforça a gravidade das “infracções” que comportava.O decurso do tempo determinou a sua destruição e, para os mais puristas, fez prescrever os “crimes” que exuberantemente documentava. Aí, o “processo” estivera ao serviço da justiça !...
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Esta história de vida aconteceu e o Delegado do Procurador da República desse tempo e dessa comarca de 2ª.classe de uma pacata localidade do outro lado da serra… chamava-se – e chama-se ainda hoje - Álvaro Laborinho Lúcio.

 Que desempenhou vários cargos na área da Justiça. Foi director do Centro de Estudos Judiciários e vogal do Conselho Superior de Magistratura. E Ministro da Justiça, bem como Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores.
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Álvaro Laborinho Lúcio, que é actualmente Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça na situação de jubilado, apresentou hoje na Biblioteca Municipal da Nazaré, sua terra natal, o seu livro “O JULGAMENTO”, destacando entre vários considerandos a história de vida do sr.Rafael.
Estivemos lá.O seu livro, que teve 1ª.edição em Outubro de 2012 e 2ª.Edição em Novembro do mesmo ano(!) tem 535 páginas. Lê-se num sopro.
JERO(29.Dezembro.2012).


PS-O novo livro de Álvaro Laborinho Lúcio, da Leya e D.Quixote, já foi apresentado em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Faro. Chegou a vez agora da sua Nazaré, onde teve casa cheia e muitos amigos...que o tratam por tu. Falou num novo livro sobre gentes da Nazaré que, talvez, venha a lançar durante 2013. 
Em nome dos velhos tempos do Colégio do Dr.Cabrita...um abraço de Alcobaça. Zé Eduardo.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

M - 441 UMA AURORA COMO ESTA É (QUASE) ÚNICA


Aos 70 Dona Aurora reforma-se contrariada
“O meu último dia de trabalho na Câmara de Alcobaça foi só beijos, abraços, telefonemas, mensagens e no intervalo …fartei-me de chorar.
 Foram 22 anos de trabalho.
 As 22 rosas que o Presidente Paulo Inácio me ofereceu quase me mataram…”.
E volta a soluçar quando recorda esse momento.
Quem fala assim – com o coração nas mãos - chama-se Aurora Fernanda Pires Santana que, bem contrariada, teve no passado dia 19 de Dezembro o seu último dia de trabalho na Câmara de Alcobaça.
 Onde entrou como assistente técnica do BAD em 6 de Março de 1991. 
Trabalhou com 3 Presidentes: Miguel Guerra, Gonçalves Sapinho e Paulo Inácio.
E gostou sempre muito do que fez.
 Mas o B.I.pregou-lhe uma partida e fez agora 70 anos depois de ter nascido em Cubal-Angola em 20 de Dezembro de 1942.
A sua vida foi tudo menos monótona com passagens por Angola, Lisboa, Tete-Moçambique , Brasil e chegada à Vestiaria em 5 de Dezembro de 1980, onde a família do seu primeiro marido tem ligações. 
Antes disso é vincadamente marcada por muitos anos de passagem pelas Doroteias. Chegou a frequentar a Universidade de Letras de Lisboa, em Românicas mas ficou pelo 1º.Ano.
Casou com 28 anos e teve 2 filhos: em 1972 a Ana Cristina e no ano seguinte o Rui Alexandre.
 Separou-se em 1984.
 Em 12 de Junho de 1990 entrou na CMA onde veio a conhecer Luís Fernandes.
Com quem casou e veio a viver até à morte deste em 13 de Fevereiro de 2004.
Viúva desde então e agora reformada não vai parar.
 Já comprou um computador e em Janeiro vai entrar para a Universidade Sénior de Alcobaça. 
Para é que nem pensar.
A Dona Aurora é uma força da natureza.
JERO

PS- Dois dias depois da reforma com uma outra "cara". A de avó babada.

domingo, 16 de dezembro de 2012

M - 440 CEM ANOS É MUITO TEMPO.


Mais uma centenária em terras de Cister


Uma vida de trabalho, de muito trabalho marcam e são, de certo modo, uma “imagem de marca” da Dona Maria Joaquina dos Santos, que no passado dia 18 de Novembro completou 100 anos de vida.
Nasceu em Chaqueda, bem perto do Rio Alcoa, que durante muitos anos da sua vida foi o seu local de trabalho.
 Ainda em idade escolar teve que abandonar os livros e os cadernos para ajudar a sua mãe na lida da casa. 
E também para criar os seus dois irmãos mais novos que nasceram depois do regresso de seu pai, emigrante durante anos no Brasil.
 A Maria Joaquina tinha nascido na primeira “leva” – ela e mais 4 irmãos – e no retorno do seu pai às origens o agregado familiar aumentou.
 Até atingir uma idade casadoira Maria Joaquina foi lavadeira. 
Cada dia da sua vida nesse tempo era, em grande parte, passado nas margens do Alcoa, lavando a roupa das senhoras de Alcobaça, Foram toneladas de roupa que lhe passaram pelas mãos.
Casou com 24 anos e o seu António, filho único, viu a luz do dia em 1935.
Continuou a trabalhar no duro pois não sabia fazer outra coisa. 
Anos e anos até que se viu viúva, em 1973, quando então contava 61 anos de idade, indo a partir daí viver conjuntamente com o seu filho, sua nora e neto Alcobaça.
A vida continuou n’outro ritmo, com os anos a passarem pela Dona Maria Joaquina. 
Chegaram os 70.
 Os 80.
 E em 2001, já muito próximo dos 90,chegou o tempo do Lar da Misericórdia de Alcobaça.
 Onde graças a uma óptima assistência – nas palavras de seu filho António José dos Santos Nobre, que desde então a tem conseguido visitar diariamente – se mantém com uma qualidade de vida que muito agrada a todos os seus familiares mais próximos.
 Que não deixam um dia sozinha.
Em paz.
 Em segurança.
 E com a tranquilidade que conquistou ao longo de uma vida de grande dedicação à família.
 E de trabalho.

“Lavei toneladas de roupa de senhoras de Alcobaça.”

Parabéns Dona Maria Joaquina dos Santos.

JERO

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

M-439 MAIS UMA "ESTÓRIA" DA TROPA...


Uma triste figura
Veio-me à dias a lembrança de uma “triste figura” que me calhou fazer durante a minha vida militar.
Em 4 anos de tropa milhentas coisas me aconteceram.
É só escolher os temas – caricatos, ridículos, dramáticos, cómicos, trágicos, comoventes, burlescos – que tenho para todos os gostos.
Seleccionei – para partilhar com quem me lê –um do tipo caricato.
Fui “sargento-dia” na véspera do 1º. de Maio de 1964 no Regimento de Infantaria 16, em Évora.
E o que é que isso pode ter de especial?
Nada, a não ser o facto de nunca o ter feito anteriormente, porque nos dois anos anteriores tinha prestado serviço no Hospital Militar Principal, em Lisboa.
Apresentei-me no R.I 16 ao “Oficial-Dia” e já não sei bem em que tempo e circunstâncias, passei a estar equipado com um “pistolão” e com uma espada à cintura…
Senti-me tão ridículo e tão pouco à vontade com a espada que me lembro ainda da dificuldade em andar com “aquilo”…Cada passo que dava a espada ia-me ter entre as pernas!
Habituado ao HMP, de Lisboa, em que andava normalmente fardado de “bata branca”(pertencia ao Serviço de Saúde), nada sabia em relação às “turbulências”  que eram usuais num quartel de Infantaria…
E entrei de serviço logo num dia complicado para o tempo (véspera do “dia do trabalhador” em pleno Alentejo…pró-comunista). Em Évora já tinham havido anteriormente algumas tentativas de assalto a quartéis por civis. Pelo menos foi o que me contaram alguns “amigos de fresca data” no início da longa noite de serviço como “sargento-dia”…
E , de facto, depois da meia-noite “passaram” algumas pedras e garrafas por cima da “porta de armas”.Mas depois mais nada de especial aconteceu.
O “serviço” chegou ao fim e lá fui entregar a espada e o “pistolão” a quem de direito, seguindo-se um tempo de descanso e, nos dias seguintes voltei ao que sabia e estava habituado, ou seja, a desempenhar as funções de Furriel Enfermeiro. Sem espada…nem pistola à cintura !
Uma semana depois rumámos a Lisboa para embarcar no “Uíge” a caminho de Bissau (8 de Maio de 1964) e não voltei a ter que “mascarar” de Sargento –Dia armado até “aos dentes”…
Ainda hoje me interrogo como consegui desempenhar aquele “papel”…sem me escangalhar a rir !!!
Mas “tropa é tropa” e há que estra preparado para todo o serviço …
Bons velhos tempos !
JERO


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

M 438 -PARABÉNS DONA AMÉLIA ANSELMO


VIVER PARA ALÉM DOS CEM
Conheci a Dona Amélia Anselmo graças à Directora da Fundação Maria Oliveira, Sandra Oliveira.
E por muitos motivos e razões. Mais de cem …
A Dª. Amélia Anselmo completou 101 anos hoje, dia 28 de Novembro.
Fiquei fascinado. Foi vestida e arranjada para a fotografia e, enquanto decorriam os preparativos, disse vezes sem conta uma frase que a deve agarrar à vida: «Anjo da Guarda, minha companhia.»
Respondeu a algumas perguntas sobre o seu nome e a terra que a viu nascer desejosa de voltar para o conforto da sua cama.
É portadora do bilhete de identidade 595791.
 Melhor dizendo foi …pois o documento agora repousa numa pasta que , entre muitas, faz parte do arquivo da Instituição. Mostraram-me o seu bilhete de identidade com uma fotografia em que parece outra…
Nasceu a 28 de Novembro de 1911 em Charneca do Rio Seco, freguesia de Turquel.
O B.I. atesta que tem de altura 1,42m. mas foi uma grande mulher de trabalho.O que confirma um velho ditado “adaptado” (para os devidos efeitos …)que as mulheres também não se medem aos palmos.
 A taberna da Tia Amélia era mais conhecida “que o azeite e o vinagre” na região de Turquel. E atendeu ao longo da sua um número incontável de clientes, que passaram também a ser seus amigos.
Enviuvou aos 40 e poucos anos e trabalhou até aos 90 anos. Sem filhos dedicou-se de alma e coração aos seus sobrinhos. E mais tarde aos sobrinhos-netos, que lhe retribuem a afeição.
Uma queda azarada, que deu origem a uma fractura do colo do fémur, obrigaram-se a recolher à FMO, onde está desde Dezembro de 2002.
Não quis sobrecarregar os seus sobrinhos. E insistiu em entrar para a Fundação Maria Oliveira. O que não é decisão muito comum !

Dá a sensação que com a idade ficou ainda mais pequenina mas guarda ainda algum genica  doutros tempos. Que o digam as funcionários que a prepararam para aturar o seu visitante desconhecido para o registo dos 100+1.Rabujou um bom bocado…

- E problemas de saúde? Perguntei.
- Não tem nada de especial…É “apenas” maior de cem anos, referiu a Directora.
Apreciei o carinho como era tratada pelas empregadas. Não foi só para a fotografia…
Parabéns Dona Amélia Anselmo.
Não lhe desejo que conte muitos …porque já os tem!
Que o Anjo da Guarda continue a ser a sua companhia.
JERO




segunda-feira, 12 de novembro de 2012

M - 437 MAIS DUAS ESTÓRIAS DE FARMÁCIAS


Mais duas “estórias” de Farmácias…
1- A farmacêutica de serviço dormia profundamente quando a campainha tocou. Acordou estremunhada e olhou para o relógio. Eram quase 4 da manhã. Levantou-se e preparou-se para atender o cliente. Era um homem de meia idade que disse ao que vinha:- estava com uma insónia terrível e queria comprar um medicamento que o fizesse dormir. Receita? Não tinha.
- Se não tem receita vou ter que lhe vender uns comprimidos à base de “alprazolam”, como “venda suspensa” ,e depois traz-me a receita.
-Quanto custa: 5 euros.
-Cinco euros? Chiça ! A esse preço se os comprasse já não era capaz de dormir.
Voltou as costas e deixou a farmacêutica sem palavras. Sem palavras e sem sono. Até de manhã já não conseguiu “pregar olho”.

2- Dois jovens com idades compreendias entre os 17 e 18 anos entraram na Farmácia e dirigiram-se à empregada mais jovem .
 Com evidente à vontade e descaramento, disseram em voz alta e “com bom som”ao que vinham. Queriam preservativos.
Fez-se um silêncio entre clientes e empregados que os rapazes bué sorridentes … gozaram.
- E qual o tamanho, perguntou a empregada.
Aí os rapazes entreolharem-se e foi a vez deles ficarem calados. E a coçar a cabeça.
A empregada, com um sorriso rasgado, completou a pergunta: 
-Qual o tamanho… da embalagem?

O mais velho dos dois jovens recuperou o uso da palavra para responder que queriam o tamanho “normal”.
Foram atendidos e saíram “pianinho”.
«Queriam lã e saíram tosquiados».
Acontece ao mais pintado.


JERO

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

M - 436 RUI RASQUILHO OPINA


(…)A Pátria vos contempla

Outro dia na televisão, um dos muitos comentadores de “fato cinzento e gravata azul” como se lhes refere o Ministro da Defesa, falava na Empresa GASPASSOS que dirige a Nação.
Os mais recentes episódios para além da “Refundação” - haverá que trazer do Além o jovem Afonso Henriques para explicar a Fundação - são a maratona e os automóveis de ocasião .
Para Gaspar, o povo em movimento segue em esforçada maratona como quando e 49 anos antes de Cristo, os Gregos venceram os Persas na planície de Maratona.
Se os Persas são a Troika vá lá que há esperança, mas o problema é que o estafeta que ia a correr para Atenas, a 42 kms. da  batalha para dar conta da vitória, morreu exausto às portas da cidade-estado.
É portanto dúbia a alegoria do sr. Ministro das Finanças que talvez apenas se lembrasse de Carlos Lopes ou de Rosa Mota antes de os esmifrar com impostos. 
Explique-se senhor Ministro.
Entretanto o Primeiro dos Ministros, com Relvas próximo, comparava a Pátria a um carro usado, com três anos criando uma argumentação à volta deste mercado em crise. Pareceu-me de mau gosto.
Bem que eu gostava que o entusiamo do Governo, apesar da indiferença do Ministro Portas, e a inércia da A,R fosse o entusiasmo do povo contribuinte.
Mas ao que nos resta é ser um carro usado, sem revisões e morrer às portas de Atenas sem haver sequer tempo de sermos refundados.
Rui Rasquilho.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

M - 435 DUAS VEZES OITO = 88


Mais uma HISTÓRIA ConVIDA

José Canha dos Santos, nasceu em Chaqueda,( freguesia de Prazeres de Aljubarrota) em 4 de Novembro de 1924 , sendo o filho mais novo de uma família de 7 irmãos.
 Fez a instrução primária com a Professora Maria Ilídia Figueiredo, em Chaqueda,  e começou a trabalhar aos 11 anos de idade “na barbearia de seu irmão Manuel, no Rossio, em Alcobaça.»
 Viveu e trabalhou sempre em Alcobaça.
 Casou com 30 anos de idade em Lisboa, na Igreja da Graça, com Maria Augusta.
 Desse casamento nasceu a sua única filha, a Maria João, que conta agora 53 anos. Tem 2 netos – o João, com 22 anos e o António, com 17 anos, que são estudantes. 
Sempre viveu para o trabalho mas arranjou algum tempo para ser columbófilo e praticar cicloturismo.
Mas também ofereceu a si próprio  viagens a Inglaterra, Espanha, Brasil, Argentina e Paraguai.
À beira de completar a invejável idade de 88 anos surpreende pela sua memória, qualidade de vida, interesses diversos e por continuar a trabalhar na sua profissão de cabeleiro, que iniciou por conta própria em Alcobaça ,no Hotel Galinha, às Portas de Fora, em 1952.»
Vive desde há uns anos a esta parte em Alfeizerão onde faz de tudo para ocupar o seu tempo  – carpinteiro, pedreiro, jardineiro – e desloca-se 3 dias por semana – 4ª.,5ª. e sextas feiras - ao seu salão de cabeleiro em Alcobaça para atender algumas clientes muito antigas e dedicadas, que o continuam a preferir. 
Já trabalhou 6 dias por semana mas infelizmente as suas clientes foram envelhecendo e morrendo, o que o levou a reduzir o seu horário de trabalho. 
O seu segredo para a longevidade ?
« Estar ocupado e fazer o que se gosta. Fiz muito desporto , incluindo natação no Rio Alcoa, em Chaqueda, onde cheguei a ter um barco. Como cicloturista fiz milhares e milhares de quilómetros.»
 Mostra-nos jornais portugueses e espanhóis onde são referidas essas façanhas desportivas, que ocuparam uma parte importante da sua vida. Tem no seu salão um expositor com troféus dessa modalidade, de columbofilia e de automóveis antigos.
 Tem um automóvel que é preciosidade – um “Datsum 1600” – com 41 anos de idade e que trabalha como “um relógio”. É um dos seus orgulhos, que fez questão em nos mostrar. «Daqui bocado, por volta das 5 e meia da tarde lá vou no meu “espada” para Alfeizerão».

E que diz do actual “estado da nação” ? Nunca paguei tantos impostos. Não me lembro de uma coisa assim! Vou trabalhar mais algum tempo no meu salão mas já não compensa. Mas não me vou sentar a ver o tempo passar. Sei fazer de tudo. Não me vou aborrecer. Sempre gostei de viver.»
Em 4 de Novembro próximo vai fazer, se Deus quiser,  88 anos. Uma bonita idade.
JERO






domingo, 7 de outubro de 2012

M - 434 INSTANTES QUE PASSAM...


ESQUINAS DA VIDA

Se existe uma idade para a gente ser feliz, uma época na vida em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-las a despeito de todas as dificuldades e obstáculos…é quando se anda por volta dos 20 , 20 e poucos anos.
Nessa idade de encanto com a vida desfruta-se tudo com toda intensidade sem medo, nem culpa de sentir prazer. 
É a fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida, à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores. 
É o tempo de entusiasmo e coragem em que todo o desafio é mais um convite à luta 
que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo de novo, quantas vezes for preciso. 
Essa idade tão fugaz na vida chama-se presente e pode ter a duração do instante que passa.
Aconteceu recentemente com o João Pedro Dinis que, depois de um almoço em família, se sentiu mal e teve uma paragem cardíaca.
Socorrido de imediato chegou sem vida ao hospital da sua terra. Tinha festejado 24 anos na semana anterior. Concluíra pouco tempo atrás o curso de engenheiro agrónomo e iria partir dentro em breve para um estágio de 2 meses na Universidade de Berlim.
 Tinha jogado futebol no clube da sua terra e parecia vender saúde. Mantinha uma actividade física regular na sua Universidade e era vice-presidente da Associação de estudantes do Instituto Superior de Agronomia.
Durante um instante que passa… deixou a vida.
 E uma imensa saudade aos seus familiares e amigos. Que quiseram estar por perto no seu funeral, que constituiu uma enorme manifestação de pesar.
 Na igreja da sua freguesia nunca se tinha visto tanta gente.
 Uma colega, depois da homilia, fez-lhe um emocionado testemunho de despedida, que a todos fez chorar.

O seu caixão, quando saiu da igreja, foi transportado por 6 jovens amigos. Seguido pelos seus familiares mais próximos, passou por cima das capas negras do seus colegas de Agronomia.
 Os pais seguiam-no.
 E logo a seguir o avô, que parecendo atingido por raio, caminhava com dificuldade e olhava para o céu perguntando, sem palavras, o porquê do seu neto partir e ele…ficar.
A multidão ,que saía da Igreja parou momentaneamente, e só prosseguiu depois de as capas negras terem sido retiradas do pavimento pelos colegas do João Pedro Dinis.
Seguiu-se um longo cortejo a caminho do cemitério. Onde ficou o João. A poucas centenas de metros casa dos seus familiares.
Regressámos a casa. 
Passámos pela florista para pagar um ramo de flores que tinha ficado nas mãos de um tio do João, devido à dificuldade em chegar até à campa.
 A florista que ,além de nossa vizinha é pessoa amiga, confidenciou-nos que durante horas e horas tinha feito arranjos de flores para o funeral do jovem. Tinha parado à pouco. Quando se preparava para ir beber um café apareceu mais um cliente.
Queria um bouquet de flores bonito e bem colorido para uma senhora de idade. Quantos anos faz perguntou, por curiosidade a florista.
-Faz hoje 100 anos.
Fiquei sem palavras.
 E voltei a (re)ver a imagem terrível do avô do João Dinis a caminhar tropegamente atrás do caixão do seu neto.
 A questionar,
 mudo,
 o céu.
 Nas esquinas da vida presente que pode ter a duração do instante que passa.
Mas a vida continua.
Momentos antes alguém tinha levado um bouquet de flores bonito e bem colorido para uma senhora de idade.
Que fazia nesse dia 100 anos.

São as esquinas da vida.
Insondáveis.Inacessíveis.
Inexplicáveis.


JERO



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

M - 433 INTERVENÇÕES NO MOSTEIRO DE alcobaça


INTERVENÇÕES
O Claustro da Hospedaria, que foi prisão em rudes tempos patrimoniais, esteve longos anos ao abandono.
No ano 2000, intervenções arqueológicas levaram, entre outras descobertas, ao aparecimento do portal gótico que até ao sec. XVI servia de ligação entre o Claustro de D.Dinis e o terreiro, servido nessa altura por uma escadaria que atenuava o desnível entre um e outro.
Curiosamente as autoridades patrimoniais continuam lamentavelmente a ignorar que o Claustro do Palácio não é de “D.Afonso VI” e o da Hospedaria não se denomina de “Cadeia”.
 Um dia o bom senso científico prevalecerá sobre os lapsos.
O Claustro da Hospedaria foi recuperado (1º.piso) em 2005 no que respeita a janelas, paredes exteriores, tectos de madeira e paredes interiores.
No piso térreo, os paramentos, devido a saída da cadeia continuavam picados e não havia revestimento de piso. Alguém terá pintado as cantarias de amarelo.
Por volta de 2005 a AMA-Associação de Amigos do Mosteiro de Alcobaça apresentou um projecto de recuperação deste espaço pois considerava que o Claustro da Alta Renascença do Palácio Abacial, construído no tempo do Abade Comendatário D.Henrique, e a Portaria muito alterada e o Claustro da Hospedaria, construído no sec. XVII, deviam integrar o circuito de  visita ao Monumento.
A Sala de Conclusões foi então limpa (aí funcionou a Repartição de Finanças até 1986)  e pensou-se poder aí instalar a nova loja, ligada directamente à Praça 25 de Abril.
 Bem que o actual director desejava cumprir este projecto. Mas…
Acontece que em dado momento, creio que haverá cerca de um ano, o IGESPAR resolveu seguir as recomendações dos Amigos do Mosteiro e rebocar paredes e tetos à base de cal e lajear o solo.
Tudo bem, mas houve um desastre, o vão, da tal ligação medieval do Claustro do Silêncio ao Terreiro.
 Com a decisão de construir “um desenho sóbrio e contemporâneo”, cobriram o que estava à vista do vão gótico e os silhares de pedra do arranque da porta medieval.
Não entendeu o decisor que poderia ter conciliado o vão mais antigo e o vão menos antigo e vai daí tirou tudo com o argumento usado na arqueologia horizontal – tapa-se. E assim conserva-se.
Alexandra Gesta disse um dia: transformar não implica destruir nem reproduzir. Foi o que se fez em 1980 na Casa dos Bicos, em Lisboa. Afirma a citado arquitecta(*) que é necessário produzir novos valores a partir dos existentes.
O novo “valor” da ligação citada, foi o apagamento da memória, considerando-se esta “requalificação” uma intervenção moderna do vão.
Tenho pena que hoje em dia ninguém oiça ninguém quando intervém no terreno que mal conhece e amputa a leitura histórica, mesmo tendo tido à disposição imagens e relatórios que deveriam ter impedido o gesto de diluição, continuando afinal o erro que se fez no terreiro destruindo a escada no eixo do portal medieval com o desenho do novo terreiro.
Rui Rasquilho
Membro fundador do ICOMOS-Portugal.

(*)- Por lapso está referido que Alexandra Gesta é “arquitecta”, quando na verdade é uma especialista da área de salvaguarda do património com trabalhos feitos na cidade de Guimarães, onde foi responsável pela reabilitação do Centro Histórico.





terça-feira, 25 de setembro de 2012

M - 432 O AVÔ DA MATILDE


O avô da Matilde, um vizinho especial
Uma das vantagens de ser avô é poder conhecer através dos nossos netos pessoas que, em circunstâncias normais, nos passariam “ao lado”.
Nas férias do mês de Agosto deste ano, em São Martinho do Porto, a minha neta Mariana começou a brincar com a Matilde e daí até conhecer o seu avô foi um instante.
Nas primeiras palavras que troquei com o Avô da Matilde adivinhei que estava na presença de um ex-combatente, o que se confirmou no momento seguinte quando trocámos nomes, idades e interesses…
Ambos tínhamos 72 anos e, no nosso passado, a Guiné dizia-nos muita coisa.
O Carlos Ferreira quando me disse que tinha 2 comissões na Guiné e tinha sido sargento-chefe paraquedista deixou-me …altamente interessado em cimentar a nossa relação. Ficou logo combinada uma conversa para mais tarde. E, no momento, em que passo ao papel estas linhas já tivemos duas ou três conversas, o que já permite fazer o seu B.I., com os seus dados militares.
Carlos Herculano da Silva Ferreira nasceu em Braga em 16 de Dezembro de 1940. Em 4 Maio de 1961, com quase 20 anos e meio, assentou praça na Escola do BA 3- Tancos. Frequentou o 14º. Curso de paraquedistas e foi “brevetado” em Julho desse ano. 
Nos meses seguintes está envolvido em diversas ”diligências”, sendo colocado em Monsanto “para fazer guarda às antenas”, que tinham um papel importante nas comunicações com as nossas províncias ultramarinas. A guerra já tinha então começado em Angola (Fevereiro de 1961).
Regressa a Tancos em 1962 e em 1963 é mobilizado para a Guiné.
 Viaja de Tancos para Bissau num “Skymaster”, integrado de um contingente de cerca de 50 paraquedistas.
 Chega à Guiné em Junho de 1963 e em meados de Janeiro de 1964 integra as primeiras tropas da “Operação Tridente”, que invadem a Ilha do COMO.

Permanece no Como até ao final operação, que termina em 22 de Março.
 E continua na Guiné até Agosto de 1964.
Era então soldado-paraquedista e chefe de equipa.
Regressa à Metrópole e casa em Janeiro de 1965.Frequenta em Tancos o curso de Sargentos.
Em Setembro de 1967, já então como Furriel, segue para Angola, onde cumpre mais uma comissão, até Novembro de 1969 (1ª.Companhia 121).
Mais um regresso a Tancos onde vai permanecer até inícios do ano de 1972.Durante esse período colabora na instrução de 14 “cursos de combate”. Passam-lhe “pelas mãos” centenas de paraquedistas.
Em Fevereiro de 1972 segue de novo para a Guiné em rendição individual. Foi substituir o Furriel Pires, de Setúbal, morto em combate. Cumpre uma comissão muita dura, que vai prolongar-se até 28 de Março de 1974.
Integra muitas operações, passando por Guidage, integrado no 2º.Pelotão da Companhia 112, onde tiveram 4 mortos.
Regressa à Metrópole a tempo de “apanhar” a Revolução de Abril.
 Estava colocado em Tancos quando, em 25 de Abril, é chamado para integrar um grupo de paraquedistas que ,entre várias operações, têm “responsabilidades” junto da sede da PIDE e na prisão de Caxias.
 Encontra então nessa prisão um alto funcionário da Pide que tinha conhecido em Bissau durante a sua última comissão na Guiné.
Segue depois para a segurança do Aeroporto de Lisboa, onde está em serviço durante algumas semanas.
 Mais um regresso a Tancos e, passado algum tempo, é chamado para próximo do General António Spínola.
 Presta serviço na Presidência da República de 1974 a 1977. Em 1979 faz o Curso de Sargento-Chefe e é colocado em Monsanto. 
Passa à reforma em Fevereiro de 1988.
E,à distância no tempo, o que mais o marcou nas suas 2 comissões na Guiné!?
Em relação à primeira comissão ainda hoje recorda as más condições da sua estadia inicial em Bissau.
 Foram 29 dias a dormir no chão debaixo de um alpendre com telhado de zinco. Foi um período em que quase deu em doido e que lhe valeram 10 dias de prisão… «Um cabo de serviço embirrou comigo, saltou-me a “tampa” e ofendi-lhe a mãe». A “porrada” foi despenalizada mas não deixou de a apanhar. «Depois a vida dá muitas voltas e um dia, durante uma operação no mato, tive que o carregar às costas.»
Depois, em Janeiro de 1964, fez parte do pelotão de paraquedistas que integrou os mais de 1.000 homens que fizeram parte do contingente da Operação Tridente,  para a recuperação da soberania da Ilha do Como , ocupada pelo PAIGC desde 1963.
Foram dias muito duros. À distância no tempo recorda um momento para o qual ainda hoje – tantos anos passados -  ainda não encontra uma “boa explicação”.
Já estava no Como há 2 ou 3 dias quando integrou uma “coluna” para entrar no “mato”.Com a floresta à vista  - deslocavam-se “em bicha de pirilau em cima do “separador” da bolanha - e as uns 30 metros da mata ouviu um barulho suspeito. «Era o 4º. da fila e vi um “vigia” deles saltar de uma árvore. Logo a seguir aparece um tipo, fardado de caqui, que nos faz um sinal de “alto”.»
Logo após o salto do“vigia” ficámos no chão e pedimos pela rádio apoio de fogo de morteiro. O inimigo desapareceu e as nossas tropas recuaram.
Que quis dizer aquele gesto de “alto” !?
 Não quiseram fazer fogo, não queriam guerra ? Tinham a “surpresa” do lado deles e não a aproveitaram.
Ainda hoje, 48 anos passados, a cena não se apagou da “sua cabeça” e o enigma mantém-se.
Em relação à “Operação Tridente” não se pronuncia pois a sua crónica está contada e ao tempo - não teve tempo nem espaço, nem informação – que valha a pena acrescentar mais alguma coisa ao que está escrito e …já passou à história.
Quanto à segunda comissão ,que como já foi referido cumpriu em rendição individual, prolongou-se de Fevereiro de 1972 até 28 de Março de 1974.
Das muitas operações em que esteve envolvido recorda especialmente a invasão do Cantanhez.
«A minha Companhia  estava em Teixeira Pinto e veio para Bissau para preparar a operação. Na data prevista fomos hélio-transportados até à orla da Mata do Cantanhez.
 Fui o primeiro militar do primeiro “heli” a saltar.
Era então 2º. Sargento e o meu chefe directo era  o Alferes Silva, que é hoje Coronel. 
A nossa missão consistia em limpar a área para se montar um aquartelamento.
 Estivemos vários dias na zona e fomos atacados durante uma noite. Ao fim de 3 dias o “Caco Baldé” aparece lá e vai falar com o Comandante de Companhia, o Capitão Augusto Martins, que chegou a General.»
Mandaram-se chamar ao Comando porque o General Spínola queria conhecer a mata. «Foi comigo e fomos sempre a falar. No final da visita deu-me os seus parabéns e disse-me que tinha gostado de me conhecer.»
«Foi para mim um dia e uma ocasião muito especial. Que não mais esqueci.»
 Ficámos um mês no Cantanhez.
Tempos depois, numa operação na zona de Babadinca, fomos sobrevoados por um helicóptero.
 Para meu espanto o “héli” baixou e veio aterrar perto dos meus homens. 
O “Caco” vinha a bordo e ,quando me aproximei, perguntou-me se estava tudo bem e se era preciso alguma coisa. Reagi de imediato e pedi-lhe: «Meu General vá-se embora, que me dá cabo da operação.»
- «Se precisares de alguma coisa chama». Acenou-me com o bengali e o “héli”afastou-se.
«Nunca mais esqueci o momento».
«Deixo para o fim a recordação de uma ocasião muito dolorosa e marcante.Um dos meus homens – o 1º.Cabo Melo – ganhou o Prémio Governador da Guiné e teve direito a um período de férias no Continente. Podia ter vindo para Bissau para apanhar o avião para Lisboa mas fez questão de entrar numa operação comigo, porque sabia que fazia falta. Nessa operação foi morto em combate. Em Junho de 1973.
Foi o maior desgosto da minha vida de militar. Andei 8 dias bêbado.»

À distância no tempo…o Avô da Matilde emociona-se e cala-se.
Mais tarde diz-me que lhe fez bem falar.
Daqui para a frente sempre que for a São Martinho do Porto vou tocar à campainha do apartamento do Sargento-Chefe Carlos Ferreira.
 Um vizinho especial.
JERO







segunda-feira, 17 de setembro de 2012

M - 431 ALMA ATÉ ALMEIDA...


De vez em quando…uma viagem ao passado

A primeira paragem foi em Tondela. 
O Belmiro Tavares e a sua mulher, Luísa, tinham partido de Lisboa e deram-me boleia a partir de Alcobaça.
 Para ali chegar já tínhamos andado uns bons quilómetros. Em números redondos cerca de 300.
Entrámos no cemitério e encontrámos a campa do 1º.Cabo Enfermeiro  António da Silva Martins sem dificuldade. 
O Tavares já cá tinha estado anteriormente.
 Eu vi pela primeira vez a sepultura do “Rato”, alcunha por que ficara conhecido por toda sua Companhia – a nossa CCaç.675. 
Em 1970 não tinha resistido a um acidente de motorizada numas fatídicas férias que passou na sua terra natal. Contava 28 anos.
 Anteriormente tinha vivido – ou sobrevivido - em Lisboa, após o regresso da Guiné .
 Na sua humilde sepultura estavam também a mãe e uma irmã (Maria Manuela Silva Martins Neves Antunes – 1946/1998), conforme informação do coveiro, que nos acompanhou na visita. O pai também já tinha falecido e o nosso solícito informador nada mais nos conseguiu dizer sobre familiares do Martins, que estivessem vivos.
Depois do nosso regresso da Guiné em Maio de 1966 os primeiros reencontros entre camaradas da guerra haviam acontecido por causa de casamentos, que aconteceram quase por todo o País. Depois do nosso regresso para a vida o “Rato” fora o primeiro a encontrar a morte.
 Todas estas recordações me passaram pela cabeça enquanto colocávamos a lápide na campa nº. 31 do nosso camarada: PRESENTE /António Martins/ 1º.Cabo Enfermeiro/ Os Companheiros.
Abandonámos o cemitério.
 Antes de sair da cidade visitámos ainda a Igreja Matriz de Tondela.
Continuava a “ver” o “Rato” com o seu sorriso inconfundível, que fazia parte da sua imagem de marca.
 Irreverente, malandro, irresistível no quartel e na tabanca com as “bajudas”, mas valente e desenrascado no “mato”.
 Voltara da guerra sem um arranhão e, dois anos depois, morreu num desastre de viação. Num tempo em que não havia telemóveis a notícia da sua morte chegou-me algo atrasada. 
Felizmente que alguns meses antes tinha-o conseguido levar a casa dos meus pais, em Alcobaça, onde tinha sido tratado como um filho. Esse tempo feliz ficou-me gravado na alma.
Seguimos depois para Freinedo, junto a Vilar Formoso, onde nos deslocámos para honrar a memória de outro camarada: - António de Jesus de Encarnação, que fora 1º.Cabo rádio telegrafista.
Cabe aqui fazer um pequeno parêntesis para recordar que durante a permanência da Guiné (1964-66) tivemos 3 mortos em combate:
 - Furriel Miliciano Mesquita 
-  Soldado Gonçalves e
-  Soldado Nascimento.

 Depois, pela ordem natural da vida, que envolve a morte, “deixaram” a família da CCaç. 675 mais 4 dezenas de camaradas.

 Graças à iniciativa do ex-Alferes Miliciano Belmiro Tavares temos, desde há uns anos a esta parte, vindo a colocar lápides nas suas sepulturas com a mensagem de PRESENTE, que faz jus ao lema da Companhia, que no seu emblema referia “Nunca Cederá”.
Na visita à sepultura do Encarnação, que faleceu em 2008 com 66 anos de idade, tivemos a companhia de uma sua filha, que também reside em Freinedo. Ficámos a saber que o nosso antigo camarada foi emigrante em França, durante grande parte da sua vida.
No dia seguinte cumprimos um “programa” diferente, dedicado aos “vivos”. Fomos ao encontro de 2 camaradas que residem perto de Almeida, uma terra com história e com alma…até Almeida(1).
Como o Belmiro Tavares gosta de dizer fizemos nessa tarde um “mini-convívio” da “675”.
Reencontrámos o António Alberto Nunes Espinha, por alcunha o ”Cara Rota”, e o Silvestre Fernando Verges Flor, que passou à história como o “Aguardente”. Vá lá saber-se porquê !
São agora “rapazes” com 70 anos e a vida marcou-os de maneira diferente. Curiosamente o “Aguardente” afastou-se da dita e passa a imagem de um homem tranquilo, com “as coisas” todas bem arrumadas. Em relação à sua idade actual passou mais tempo em França que em Portugal. Está bem na vida. O “Cara Rota” vê-se que é um homem desenrascado, que conhece bem o solo que pisa e que vive o seu dia …”à sua maneira”. De manhã bebe uns “copos” com uns amigos. À tarde faz “alguma coisa” e, logo que está livre, joga à sueca com uns parceiros habituais. E o tempo vai-se passando.

Espinha, Tavares, Luísa, Flor e JERO
Prometeram comparecer no próximo convívio da CCaç.675, desde sempre marcado para o 1º domingo do mês de Maio de cada ano.
 E já passaram 46 anos desde que o navio “UÍGE” nos transportou de Bissau para Lisboa, onde aportámos em Alcântara em 3 de Maio de 1966.
Para uma próxima “agenda”, a cumprir ainda este ano, temos para entregar as placas do Alferes Miliciano Artur Mendonça(Felgueiras) e do 1º. Cabo Cozinheiro Rogério Romão (Sabrosa/Vila Real).
 O Belmiro Tavares e sua mulher ficaram mais uns dias no “Retiro dos Caetanos”, em Souto Chão (Rocas do Vouga), que foi o nosso” quartel-general”. Grato pela hospitalidade regressei a casa pelos “meus meios” e com a ajuda da Rodoviária Nacional.
 Desta jornada de saudade a recordação mais viva, mais marcante foi a visita à campa do “Rato e ter visto a sua fotografia sumida, esfumada, apagada pelo tempo.
 Encaixada na sua lápide do cemitério de Pinhel.
Que saudades eu tenho do “puto” irreverente da Guiné dos longínquos anos de 1964-66 em Binta,
 na Vila Tomé Pinto !
Desse tempo que não volta e do tempo que corre e…não se detém .

Quanto mais tempo andaremos nesta saga ???
Num dia recordámos os mortos. No dia seguinte confraternizámos com os vivos !!!
Todos nós sabemos que só uma coisa é certa…
 Mas …a nossa amizade NUNCA CEDERÁ.
JERO


(1)- Evoca este grito –“ alma até Almeida” - a importância que teve Almeida, fortaleza que só passou a integrar definitivamente território português no século XIII, com a celebração do Tratado de Alcanizes, na defesa de toda a Beira, face às muitas incursões castelhanas, e a valentia com que os seus guardiões disso fizeram um ponto de honra.