segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

M - 411 ANIMA EST PLUS QUAM CORPUS

ANIMA EST PLUS QUAM CORPUS

A alma é a vida eterna.
A alma emana do corpo, a parte perecível do homem. Daí que os rituais funerários estejam envolvidos num objectivo transcendente de um outro mundo.
A vida é um fragmento transitório para o patamar da eternidade imaterial. Da vida terrena ficará a memória guardada pelos vivos. O culto dos mortos nas diversas culturas é sempre uma tentativa de perenidade, um repositório de lembrança.
Os nossos cemitérios são justamente um território de memória, uma tentativa última de lembrança dos corpos, com os quais convivemos.
A intervenção artística é um dos caminhos seguidos pelos vivos para atenuar o esquecimento, muitas vezes o seu próprio abandono pela memória dos vivos.
Os mausoléus superam as campas rasas , as arcas tumulares coroam a transcendência da passagem redimensionando a mensagem da morte.
Pedro, no seu tormento pela bárbara sentença que lhe levou Inês, solucionou a dor da vida no ritual assombroso do caminho para a eternidade.
Os túmulos, as arcas funerárias são um sinal tentado da perenidade da memória colocados sob o acolhimento do espaço mais próximo da protecção divina, a Igreja do Mosteiro e o seu Cenóbio Cisterciense.
Teria de ser contado o caminho da vida de Pedro, o caminho da vida de Inês. Teria de ser explicada a razão da construção da memória tumular; Fernão Lopes na sua crónica de D.Pedro assinala o desiderato do Rei “porque semelhante amor (…) é tão verdadeiramente achado como aquele cuja morte não tira da memória o grande espaço do tempo (…).”
No painel da cabeceira do túmulo do Rei sob a sua cabeça está a razão última dos monumentos funerários.
Em 1386 consuma-se a memória da vida conjugal na escultura notável da roda controlada pela sorte, pela fortuna, a caprichosa divindade mitológica que controla a felicidade e d desgraça dos pobres mortais.
A divina donzela segura o “eixo” da roda soltando-o a seu prazer. No túmulo de Pedro a fortuna não tem os olhos vendados, nem segura uma cornucópia como nas representações humanas.
O que a torna aqui mais consciente das suas decisões durante a vida de Pedro com Inês o destino que dá o destino que retira.
Concentra-se no indelével registo da vida amorosa dos defuntos “Príncipes” amantes. Rei destemperado, sentença cruel, bárbara execução da mãe dos filhos de Pedro. O avô intransigente, o rei “viúvo” vingando a afronta agora de lesa-majestade por Inês ser rainha.
A história que se pretende legar à memória dos vivos está nesta roda controlada pela “mulher destino” ,que emana de um ser estranho para controlar a vida de um rei bárbaro e da sua sedutora rainha morta.
Esta história real ultrapassa a de Abelardo e Heloisa e outras de raiz medieval por ser mais claramente trágica, por ser arrebatadora quando olhada no seu conjunto, quando compreendida no seu contexto.



Sugiro aos nossos leitores uma visita à igreja gótica de Alcobaça e a dois demorados olhares, um à roda da cabeceira de Pedro, outro ao jacente de Inês.
No primeiro olhar a vida tal qual Pedro a quis contar, no segundo olhar Inês no esplendor de mulher amada tal qual Pedro desejou que a víssemos.
O que na vida se faz pela impotência perante o seu fim é verdadeiramente extraordinário.
Aclame-se então a morte com a comemoração da vida, ficamos muito mais contentes e julgamos ludibriar a Fortuna.
É esta a lição dos túmulos de Pedro e Inês. Perante a morte erga-se o coração dos vivos.


Rui Rasquilho.





sábado, 18 de fevereiro de 2012

M - 410 E S T A T Í S T I C A

ESTATÍSTICA

Contribuição para a estatística, Wislawa Szymborska
Em cada cem pessoas:
sabendo de tudo mais do que os outros:
- cinquenta e duas,
inseguras de cada passo:
- quase todas as outras,
prontas a ajudar
desde que isso não lhes tome muito tempo:
- quarenta e nove, o que já não é mau,
sempre boas porque incapazes de ser de outro modo:
- quatro; enfim, talvez cinco,
prontas a admirar sem inveja:
- dezoito,
induzidas em erro
por uma juventude afinal tão efémera:
- mais ou menos sessenta,
com quem não se brinca:
- quarenta e quatro,
vivendo sempre angustiadas
em relação a alguém ou a qualquer coisa
- setenta e sete,
dotadas para serem felizes:
- no máximo vinte e tal,
inofensivas quando sozinhas
mas selvagens quando em multidão:
- isso, o melhor é não tentar saber nem mesmo aproximadamente,
prudentes depois do mal estar feito:
- não mais do que antes,
não pedindo nada da vida excepto coisas:
- trinta, mas preferia estar enganada,
encurvadas, sofridas,
sem uma lanterna que lhes ilumine as trevas
- mais tarde ou mais cedo, oitenta e três,
justas
- pelo menos trinta e cinco, o que já não é nada mau,
mas se a isso juntarmos o esforço de compreender
- três,
dignas de compaixão:
- noventa e nove,
mortais:
- cem por cento,
número que, de momento, não é possível alterar.
Wislawa Szymborska


Ouvi este poema ontem, dito pelo escritor e psiquiatra João Lobo Antunes, no programa da RTP “ESTADO DA NAÇÃO”. Foi seu colega de painel D.Manuel Clemente, Bispo do Porto.
Valeu a pena.
É daqueles momentos que nos levam a pensar que é um privilégio estar vivo e atento ao que se passa à nossa volta.

Como o saber não ocupa lugar transcrevo seguidamente a notícia do jornal “PÚBLICO”, respeitante à morte da poetisa polaca.


JERO


Aos 88 anos, em Cracóvia
Morreu a poetisa e Nobel da Literatura Wislawa Szymborska
01.02.2012 - 21:30 Por AFP
A escritora polaca deixa uma vintena de colectâneas de poemas (REUTERS)
A poetisa polaca Wislawa Szymborska, Nobel da Literatura de 1996, morreu esta quarta-feira, aos 88 anos. Deixou uma obra que é uma reflexão filosófica e lúcida sobre o mundo, impregnada de humor e de um grande lirismo.


Autora de uma vintena de colectâneas de poemas, marcados por uma reflexão filosófica sobre as questões morais da nossa época, escritos numa forma poética muito cuidada, Szymborska manteve-se afastada da vida política.
Mas em Maio de 2007 juntou-se aos intelectuais polacos que acusaram a direita conservadora dos irmãos gémeos Lech e Jaroslaw Kaczynski (então Presidente da República e primeiro-ministro) de “não compreenderem” a democracia e “tentarem enfraquecer e renegar instituições de um Estado democrático como os tribunais independentes e as os media livres”.
Em 1975, ainda sob o regime comunista, juntou-se também aos intelectuais que protestaram contra a decisão do Partido Comunista Polaco de inscrever na Constituição a cláusula de “aliança eterna” com a União Soviética.
A Academia Sueca valorizou-a como “representante de um olhar poético de uma pureza e de uma força raras”.
Os seus poemas, com uma grande variedade estilística, são claros, geralmente curtos, frequentemente dando-se ares de aforismos. Inspirada por Descartes, mas também por Pascal ou Montaigne, agnóstica, pratica a dúvida metódica.

“Morreu tranquilamente, durante o sono”, na sua casa em Cracóvia, anunciou o seu assistente Michael Rusinek.


Mortal 100%,
 mas com uma tranquila partida "na sua hora".
JERO











sábado, 11 de fevereiro de 2012

M - 409 DIA DE IR VER O MEU NETO

DIA DE IR VER O MEU NETO

Mão amiga pôs-me na mão o último “JL” (nº. 1079, de 8 a 21 de Fevereiro de 2012) e apontou-me a última página.
- Tu que tens a mania que escreves “umas coisas” lê aqui este “bocadinho” do “Díário”, de António Torrado.
Li em silêncio, como convem, custou-me um “bocadinho” a admitir que estava muito bem escrito e respondi :- Ok, é um texto que eu gostaria de ter escrito mas ..tenho alguma coisa prá “troca (não confundir com “troika”…).
No seu “Diário”, referente ao dia 14 de Janeiro, António Torrado conta como conseguiu do seu neto de pouco mais de um ano de idade um sorriso “exclusivo”.
«…No dia em que nasceu fomos apresentados um ao outro.
…Levei-lhe uma das caixinhas de música da minha colecção. E toquei, dando à manivela, proferindo as seguintes palavras pedidas de empréstimo ao velho Afonso da Maia, quando lhe dão para o colo o neto:”Eu sou o avô. É preciso gostar do avô.”
«Desde esse dia primeiro do nosso encontro que, sempre que vou a casa do meu filho Filipe, levo o minúsculo realejo e faço-me anunciar ao toque da musiquinha.»
…Quando o Sérgio ouve a música, procura-me ansiosamente com os olhos e, quando me vê e se certifica de que aquele sujeito é o tal, o do costume, o das palavras aveludadas pela ternura, o meu neto oferece-me um sorriso tão reparador, tão balsâmico que me suaviza todas as arestas do mundo.»
E o que é que eu tenho prá troca em relação à maravilhosa história deste avô especial, que por acaso é um “rapaz” da minha idade (71 anos)!?
Tenho dois netos: um rapaz com 10 anos e uma menina com 5. O mais velho é filho da minha filha mais nova e a mais nova é filha do meu filho mais velho. Vivem em locais diferentes e são visitados pelo avô em alturas diferentes. Tenho com um e com outro “cumplicidades” também diferentes, com uma componente comum de “ligeira” deseducação própria de um avô, que tem como imagem de marca ser “um bom malandro”.
Com o rapaz, que tem mais 5 anos do que a prima, as brincadeiras são diferentes. Jogamos a bola no corredor e quando alguma coisa cai – ou se parte - funciona de imediato um “código” há muito estabelecido entre nós: “Foi o avô”. Que leva de imediato um ralhete da mãe do Pedro. Segue-se a jogatana com mais cuidado…e com alguns mudos sorrisos trocados à “revelia” da mãe.


O avô Torrado não o diz mas julgo que ,tal como eu, estaria disposto a dar a vida por um destes pequenos “sujeitos” que nos suavizam todas as arestas do mundo.



Por acaso, prá semana é dia de ir ver os meus netos.


JERO

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

M - 408 QUEM FOI O POETA ?

SEM TÍTULO


Alcobaça linda flor,
Em ti leal e fagueiro,
Conheci o meu amor
Nas escadas do Mosteiro

De noite nessas calçadas,
Vagueiam de quando em vez,
Duas sombras abraçadas
São D.Pedro e D.Inês

Ali tornarei meus passos
Se as saudades me maltratam
Que as madre-silvas dão laços
Que nunca mais se desatam.

Autor desconhecido
Quem foi o autor destes versos?

Maria Fernanda Martins Reis Duarte é uma alcobacense fora da sua terra há muitos anos.Vive em Santarém mas vive com paixão a nossa Alcobaça.
Pede-nos ajuda para identificar o autor destes versos.
 Maria Fernanda é uma "menina" que fará dentro de poucos meses 80 anos.
Estes versos, de autor desconhecido, eram cantados por sua Mãe, que já faleceu há muitos anos.
Agradecemos antecipamente qualquer ajuda na identificação do autor.
JERO




sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

M - 407 JÁ DEMOS...

JÁ DEMOS…NOVOS MUNDOS AO MUNDO!



Um jovem diplomata português, em diálogo com um colega mais velho:


- Francamente, senhor embaixador, devo confessar que não percebo o que correu mal na nossa história.


Como é possível que nós, um povo que descende das gerações de portugueses que "deram novos mundos ao mundo", que criaram o Brasil, que viajaram pela África e pela Índia, que foram até ao Japão e a lugares bem mais longínquos, que deixaram uma língua e traços de cultura que ainda hoje sobrevivem e são lembrados com admiração, como é possível que hoje sejamos o mais pobre país da Europa ocidental?
O embaixador sorriu:
- Meu caro, você está muito enganado. Nós não descendemos dessa gente aventureira, que teve a audácia e a coragem de partir pelo mundo, nas caravelas, que fez uma obra notável, de rasgo e ambição.
- Não descendemos? - reagiu perplexo, o jovem diplomata.
- Então de quem descendemos nós?



- Nós descendemos dos que ficaram cá.
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Subcrevo e assino por baixo.
Com pena.
JERO

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

M - 406 MORREU O GERARDO

MORREU O CAROLA Nº. 1 DE ALCOBAÇA
O BOMBEIRO 18 A
O CIDADÃO EXEMPLAR ANTÓNIO CARVALHO GERARDO

15.Junho.1937/30.Janeiro.2012

Depois de longa e penosa doença, que o reteve cerca de 3 anos num leito da Misericórdia de Alcobaça, faleceu em 30 de Janeiro de 2012 .Contava 74 anos.
Não é facil falar deste homem sem esconder emoção. Visitámos a sua "última casa" em vida há cerca de mês e meio.
O Gerardo, que foi toda a vida um homem pacífico e bom, vivia revoltado nos meses que que antecederam a sua partida.
Com a ajuda da Directora Maria da Luz conseguimos estar à conversa com o António durante uns minutos. Oferecemos-lhe um livro que, entre várias histórias, recordava os jogos do "Cabeço". Quando lhe recordámos que ele jogava a avançado-centro em cima da linha de baliza do "adversário", de imediato se lembrou do Palma Rodrigues, o guarda-redes.Juntamente com o Provedor João Carreira falámos de outros tempos e o Gerardo deu resposta certa e imediata a vários temas:"Paguei 12 contos para o Carlos Lopes correr em Alcobaça", foi uma das suas "tiradas".
 Saímos do seu quarto sentindo que toda aquela gente que o rodeava o estimava e o tratava o melhor possível.
 Foi uma "despedida".
 Até sairmos da "Misericórdia"não nos foi possível deixar de lamentar, com quem nos acompanhou na visita ,como a vida estava a ser cruel para um homem tão bom .
 A história de vida do António Carvalho Gerardo atingiu algumas patamares invulgares.
Nasceu em Chiqueda de origens humildes e 3 décadas depois de ter ingressado na Resinagem Nacional, como moço de recados, sentava-se à mesa de reuniões da empresa como adjunto da administração!
Em 12 de Fevereiro de 1982 foi organizado em sua honra um almoço de homenagem. Em Santo Antão, na Batalha, 125 amigos elegeram-no como o carola nº. 1 de Alcobaça.


O ALCOA publicou então 3 artigos onde se referia a presença imprescindível de António Gerardo  em comissões organizadoras das Feiras de São Bernardo, no Carnaval, nas festas dos Santos Populares, na Volta à Portugal em Bicicleta, nos Grandes Prémios de Atletismo, nos jogos de Andebol, no Futebol de Salão, no Tiro aos Pratos, etc, etc..
Durante anos e anos pertenceu a direcções dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça. Era carinhosamente tratado pelo Bombeiro "18A".Também aí foi distinguido e homenageado com "Bombeiro Honorário".
Permaneceu solteiro e pode-se dizer que dedicou a sua vida a causas sociais da sua Alcobaça.

O Carola nº. 1 deixou em aberto um lugar muito difícil de preencher.
Alcobaça fica-lhe a dever muito.
Adeus Amigo.
E mais uma vez muito obrigado por tudo quanto fizeste pela nossa Alcobaça.
JERO