sábado, 16 de julho de 2011

M - 366 NOITES LONGAS EM TEMPO DE FÉRIAS

UM NADA QUE DÓI

A paragem para o tempo de férias obriga a reflexão.
 Porque férias implicam também arrumação na cabeça e na alma para gerir a tranquilidade do descanso sem os pendentes do dia a dia.
«Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.»
Nos papéis ou nos pensamentos que arrumámos antes de partir ficam quase sempre, no que respeita a estes últimos, pequenos ou grandes “nadas” que não partilhámos em devido tempo e que teremos que carregar a sós.
Porque…«os outros nunca sentem .Quem sente somos nós, sim, todos nós .»
«Até eu que neste momento já não estou sentindo nada. Nada! Não sei ..
Um nada que dói.»
Que azar ter encontrado o poema de Álvaro de Campos !?
Que vou ler e reler até voltar ao seu início: e tentar ser outra Pessoa!Como o Fernando...que por vezes se fazia passar pelo Álvaro!
«Na casa defronte de mim vejo janelas sem luz…que nada me dizem.
Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
Há varandas de grades, vasos de flores que nunca vi quais eram.

Perto mas também longe dos pequenos “nadas” que não partilhei
e que na noite lenta antes do amanhecer ...
terei que carregar a sós…
à espera de um sono …sem sonhos…
que custa a chegar e …
... ... ... ... ... ... ... ... ...
Devo ter adormecido porque acordei estremunhado com o ruido do tubo de escape de uma mota que me passou por debaixo da janela do quarto.
Fazia "rateres" ou " ratings" ...ou lá o que é.
Mas já era dia ...
Felizmente que no Verão, mesmo em período de férias, as noites não são longas...
 Os sons do tubo de escape libertaram-me de alguns sentimentos de incerteza, que na noite já fechada pelo luz do dia, pareceram esfumar-se...
Quando me levantei parecia que já nada me doía...
Abri a televisão e ouvi falar na Moody's e nos ratings...
Oh diabo... fui prematuro nos meus optimismos matinais...
O carro do lixo passou.
Vou prá rua.
É tempo de férias.
As reflexões vão ficar para mais tarde...porque hoje é um novo dia.
Com manhã, tarde e noite...pra viver!


JERO









quarta-feira, 13 de julho de 2011

M - 365 ESTE MUNDO NÃO É DESTE MUNDO

APROVEITEM O VERÃO ANTES QUE CHOVA

Com a chegada das férias grandes os miúdos acabaram a escola e como é da praxe os avós entram de serviço.
Iniciámos a época balnear numa praia pacata do litoral oeste, com um longo areal que nesta fase do ano é banhada por ondas de 20 a 30 cms. de altura. Isto acontece numa baía com um formato de concha - a concha azul - com veraneantes que desde há muitos anos ficam nas mesmas barracas.
Enquanto os miúdos molham os pés e fazem construções na areia os “avós de serviço” põem a escrita em dia.
Um dos meus vizinhos de barraca, que correu as sete partidas do mundo como diplomata ,e tem o dom da palavra surpreendeu-me com uma conversa demasiado séria para o local: empresas de “rating” e seus derivados.
Este mundo não é deste mundo, já não se existe. Os chineses compram auto-estradas nos EUA, os espanhóis terras no Alentejo. Mas, pensando bem, os americanos compraram o Alasca aos russos e os brasileiros o Acre à Bolívia. A Rainha Vitória roubou a D.Carlos as terras do mapa cor de rosa, entre Angola e Moçambique.»
A minha neta chamou-me por causa de uma conchinha que tinha encontrado e afastei-me momentaneamente.
«Veio a Europa farta de guerras e uniu-se, criando uma moeda sem sustentação política. Na periferia dos Balcãs matou-se a torto e a direito sob olhar da ONU ,de cabeça azul.»
-Avô está aqui um caranguejo.
Desta vez era o Pedro que me chamava.
«A Europa nasceu na Grécia, “inventora” da democracia e de outros pensamentos sólidos, e vastos, e parece que vai acabar entre Atenas e Esparta.”Oxalá” não, como evocam os árabes na sua predestinação divina.»
-Avô a Mariana está-se sempre a tirar a pá.
O meu amigo diplomata reformado não se atrapalha com as interrupções e quando me aproximo de novo remata a sua oratória:
«Este mundo sempre foi deste mundo, nós é que nem sempre o olhámos como ele deveria ser visto, por isso bem podemos ignorar o “imposto” de Natal. Basta olhar para Janeiro.»
-Pedro empresta lá a pá à tua prima.
«Entretanto se os EUA não resolveram o problema da dívida deles, bem podem os fracos líderes da Europa e arredores encomendar reuniões de emergência que acabaremos à dentada
- Meninos vamos embora que a Avó telefonou.Temos que ir almoçar. Mariana põe o chapéu que está muito sol.
Até logo Rui.O que é disseste?
«Aproveitam o Verão antes que chova».
Texto de Rui Rasquilho

 "Enquadramento estival" -JERO
Foto de São Martinho do Porto-JERO

terça-feira, 5 de julho de 2011

M - 364 COM PEDRAS SE FAZ A HISTÓRIA

PEDREIRAS

A uns trezentos metros da minha casa há uma pedreira escondida. Não sei se é pequena se é grande porque terra e silvas a cobrem, mas está lá.
O Mosteiro Medieval de Alcobaça construído sob orientação de um cenóbio cisterciense é em pedra.



A enorme Igreja e dependências monásticas foram integralmente erguidas com milhares de toneladas de pedra calcária durante dezenas de anos vindas do maciço calcário estremenho.



Entre os dois rios multiplicaram-se estaleiros onde se aparelhavam os grandes blocos trazidos em carros puxados por juntas de bois. Ninguém sabe ao certo de onde vinha a pedra apenas se pode dizer que viria do local mais próximo da obra e com a qualidade desejável de ter plasticidade e durabilidade secular.


Hoje, a evidência das jazidas calcárias é a Serra.


Mas há 8 séculos não havia a tecnologia de extracção que há hoje nem a mobilidade de transporte.


Viria o calcário do sopé da Serra da zona que hoje tem o topónimo de Pedreiras? Viria das gargantas de Chiqueda ? Haveria no lugar de Alcobaça referido na carta de doação de 8 de Abril de 1153 pedreiras cobertas pelos séculos posteriores? Teria o rio posteriormente baptizado de Alcoa servido de via de transporte da pedra para além da via terrestre?
Outro dia conversava com o Dr.Paulo Inácio e o Presidente estava entusiasmado com possíveis análises de “ADN” da pedra do edifício monástico e das pedreiras para saber mais.
A Drª. Maria Augusta tem na sua posse análises possíveis na época que poderão complementar por certo novos métodos de análises.
Mas que serve saber-se.
 Gosto diletante? Curiosidade científica?
Certamente servirá para um roteiro de turismo cultural que poderá estruturar-se nos próximos dez anos.

Incluir o trabalho de uma pedreira num roteiro cultural parece ser positivo se for convenientemente estruturado.
É por razões destas que é urgentíssimo um programa de conservação integrada para a parte devoluta do Mosteiro erguida desde o final do Sec. XVI e até ao Sec. XIX no período posterior às Invasões Francesas.




Rui Rasquilho



sábado, 2 de julho de 2011

M - 363 CONVENTO DE SANTA MARIA DA VITÓRIA

TÃO DEPRESSA E TANTOS !

Foi a contragosto que Dª.Maria das Dores alterou a rotina dos seus últimos meses de vida para acompanhar algumas amigas numa excursão ao Mosteiro da Batalha. Era a sua primeira viagem depois da morte do seu marido. Tinha procurado na solidão dos seus pensamentos e no silêncio das quatro paredes da sua casa um novo estilo de vida para uma situação de viuvez inesperada.
Com o Mosteiro à vista deixou-se contagiar pela boa disposição das amigas que ainda antes da visita já estavam a falar num saboroso almoço, que se ia seguir depois de verem as “Capelas Imperfeitas”.

A visita guiada prendeu-a mais do que pensava e deixou-se contagiar pela explicações ditas com paixão por quem tão bem conhecia o Mosteiro.A luz dos vitrais maravilhosos preenchia-lhe a alma à medida que caminhava pelo Convento de Santa Maria da Vitória como o guia também chamava ao que sempre tinha ouvido referir como o Mosteiro da Batalha. Chegada aos Claustro de Afonso V e aos lavabos monumentais as amigas convenceram-na a muito custo a cumprir uma tradição a que poucos visitantes se furtavam. Tinha que se pôr de costas para o lavabo de três andares e lançar uma moeda. Antes disso tinha que formular um desejo e em função do local onde caísse a moeda assim se cumpriria o que tivesse antes desejado. Se quisesse um novo amor e a moeda caísse no lavabo mais alto o seu desejo seria satisfeito em um dia. Se fosse no lavabo do meio demoraria quinze dias. E se fosse no tanque o desejo demoraria um mês a concretizar-se.
Maria das Dores para não desiludir as amigas alinhou na brincadeira e atirou a moeda. Ouviu gritos e palmas. A moeda tinha caído na parte mais alta do lavabo.
Riu-se a bom rir e admirou-se de como estava a ser divertido aquele momento, que se seguia a tantos meses cinzentos e tristes de solidão.
Mas o melhor estava para acontecer.
Quando se virou para o lado direito do Claustro viu que caminhavam para o local onde se encontrava alguns militares que tinham acabado o seu turno na Sala do Soldado Desconhecido.
Olhou para os militares e disse para as amigas:«Tantos e tão depressa é que eu não esperava”.
A partir desse momento Maria das Dores convenceu-se que afinal merecia iniciar outro ciclo de vida.
A caminho das “Capelas Imperfeitas” ouviu o guia dizer com ênfase: A visita acaba aqui nas “Capelas Inacabadas”. A sua cúpula é a mais alta do mundo.
Mas …não tem cobertura pensou a Maria das Dores. O guia pareceu adivinhar-lhe o pensamento e esclareceu o grupo de visitantes. Aqui o limite é o céu. Não pode haver cúpula mais alta, não é verdade!?
Todos estiveram de acordo.
A caminho do “Restaurante das Maricotas”, em São Jorge, a Maria das Dores sentia um apetite e uma vontade de viver de que quase se envergonhou.
Quando chegaram “as entradas” provou e gostou da morcela de arroz. Foi um almoço muito bem disposto. Não o repetiu …mas não se esquecia da sua sorte no lançamento da moeda:
«Tantos e tão depressa é que eu não esperava».
Tinha que vir mais vezes ao Mosteiro da Batalha ou, como dizia o guia, ao Convento de Santa Maria da Vitória.
Pelo menos uma vez por mês...
JERO









sexta-feira, 1 de julho de 2011

M - 362 OS MELHORES VINHOS DO MOSTEIRO

O Vinho do Mosteiro de Alcobaça

Deve-se à Ordem Cisterciense o desenvolvimento da cultura mediterrânica da vinha e o aperfeiçoamento dos métodos de fabrico do vinho. O vinho dá o sustento ao corpo, mas os excessos podem enlouquecer os homens, tirar-lhes a razão e a regra, para evitar este perigo, ao longo da Idade Média, os vinhos eram quebrados com água. Mas este princípio moral que adulterava a essência do vinho foi-se tornando caduco e o vinho passou a ser apreciado com a natureza do seu espírito.
Falamos agora de Alcobaça, das maneiras de produzir e conservar os vinhos em terras cistercienses.
Os 23 lagares de vinho que o Mosteiro de Alcobaça explorava no século XVIII eram todos de pedra e a espremedura fazia-se sob o sistema de prensa de vara. As 18 adegas eram edificadas sem rumo certo, o que não beneficiava a conservação dos vinhos. Conhecemos a capacidade de armazenamento da adega da Quinta da Gafa, a maior propriedade de vinha do Mosteiro. Entre os 12 tonéis da sua adega e lagar compreendia 36 pipas.
O fabrico e a conservação dos vinhos do Mosteiro eram feitos integralmente em vasilhame de madeira. Nos inventários das suas adegas e lagares não encontrámos nenhuma referência a talhas e potes de receber vinhos. As vasilhas do Mosteiro eram de madeira de choupo, embora também se utilizassem recipientes de castanho. O uso do choupo nas vasilhas vinárias terá comprometido a conservação dos vinhos, mas esta madeira (à semelhança do pinho que se populariza por meados do século XIX) só deve ter sido utilizada para arrecadar vinhos débeis destinados, em grande medida, aos serviçais.
O apresto das vasilhas vinárias era crucial para o sucesso dos vinhos arrecadados. Como nos elucida Frei Manuel de Figueiredo, estes recipientes eram limpos e devidamente emechados.
O fabrico do vinho, na Comarca de Alcobaça, seguia, predominantemente, o método de bica aberta. A exclusividade desta técnica de vinificação não se pode dissociar do regime de monopólio imposto pelo Mosteiro. De facto, a restrição do serviço do lagar pelo espaço de 24 horas inviabilizava a feitura de vinhos de curtimenta, tendo o camponês de se sujeitar a lotar o branco com tintas para lhe conferir um pouco de cor.
As uvas tintas e brancas fermentavam à parte. Concluída a fermentação dos tonéis do branco e dada a primeira trasfega eram adicionadas as tintas de curtimenta para colorir os vinhos monásticos.
O historiador Jean-Louis Flandrin elucida-nos que os vinhos brancos e claretes estavam para o pão alvo como os retintos para o pão de segunda. A cor agia como indicador de posição social, sendo os vinhos retintos e adstringentes impróprios para as Ordens sociais elevadas. A própria cerimónia da Eucaristia pedia um vinho mais claro que o sangue do Senhor para não tornar ainda mais dramático o acto religioso.
Na comarca de Ourém, a vinificação seguia, de igual forma, o sistema de bica aberta. Por cada 20 almudes de branco, deitavam-se 5 almudes de tinta. Esta relação permite calcular a relação de castas brancas e tintas, o que não seria arbitrário extrapolar para a realidade alcobacense.
Quando os vinhos se toldavam, não obstante a acção da trasfega, o que era caso raro nos vinhos de bica aberta, aplicava-se uma colagem. Nas pipas e cascos vertiam sangue de boi e claras de ovos. De seguida, batiam os vinhos rolando os tonéis e aguardava-se o processo de decantação que os agentes de clarificação propiciavam. O sangue de boi (também se utilizava o de carneiro) tinha de ser fresco e as claras, numa média estimada de 24 por pipa, eram batidas previamente. Aglutinada a borra no fundo realizava-se uma nova trasfega.
Para temperar, fortalecer e aromatizar o vinho juntavam-lhes folhelho torrado, cascas de laranja e camoesas (que podiam ser assadas com açucar), casta de pequenas maçãs de aroma e gosto intenso, que conferiam a este licor um sabor frutado.
Os cistercienses também adicionavam arrobe aos seus vinhos. O arrobe, produto já utilizado pelos gregos, cartagineses e romanos, era obtido a partir do mosto de uva fresco que era fervido em lume brando até evaporar cerca de metade a dois terços do líquido. Para além de adubar os vinhos, tinha a função de os conservar, daí constituir uma prática obrigatória arrobar os vinhos que tinham de ser embarcados. Por tonel (equivalente a duas pipas ou superior) acrescentava-se meio almude de arrobe no período em que decorria a fermentação tumultuosa. O arrobe subsistiu nas artes vinárias até a aguardente ocupar o seu espaço. Segundo Frei Manuel de Figueiredo, em toda a Comarca não se chegava sequer a produzir uma pipa de aguardente. De facto, os vinhos só deixam de ser arrobados quando a indústria da destilação fornece aguardentes em quantidade para acudir aos vinhos, o que só se verifica durante a primeira metade do século XIX.
Os vinhos recebiam ainda uma determinada quantidade de sal para impedir a colonização por bactérias.
Os melhores vinhos do Mosteiro eram produzidos nas encostas de Aljubarrota, na Gafa... O palhete cisterciense era um vinho graduado, frutado e aromático que cativava os convivas do Mosteiro.
A história da vinha e do vinho da região de Alcobaça merece ser contada e vivida. O Museu do Vinho, o único Museu que Alcobaça possui, está hoje encerrado. Aguardamos com expectativa que este belo núcleo museológico possa ser reactivado e musealizado para cumprir a missão não só de restituir a memória e dar cimento à identidade regional, como potenciar o turismo cultural, filão que continua a ser minimizado numa época de tantas necessidades.

António Valério Maduro