sábado, 5 de setembro de 2009

M26 - PESQUISAS NO TEMPO - 1

Pesquisas no tempo (1)

O que se passava no Mundo, em Portugal e em Alcobaça no final do Sec.XIX e nos primeiros tempos do Sec. XX ?!

Enquanto a “BELLE ÉPOQUE” festeja com euforia a entrada no Século XX – Exposição Universal de Paris – e as luzes e o ferro são símbolos numa Europa Industrial ... Portugal conserva-se modesto, pequeno e pobre, escondido e ignorado no canto da Península Ibérica.

Numa população total de cinco milhões de habitantes , 3 homens em cada 4 e 6 mulheres em cada 7 não sabem ler nem escrever. Setenta por cento da população vive em freguesias rurais e dessas quase 90 % dependem apenas da actividade agrícola.

A electricidade conquistou o mundo industrial mas... Portugal ainda hesita. Na capital do Império – já então sem o Brasil mas ainda com as colónias do continente africano e a presença longínqua na Índia e no Extremo Oriente – a Baixa lisboeta já tem luz eléctrica mas as redes de gás ainda são maioritariamente utilizadas na iluminação pública e particular.

As condições de vida são duras e por isso muitos emigram. É o tempo do Brasil para os jovens do interior do País e dos Estados Unidos, principalmente para os açorianos.. A “demanda” do Brasil já vem da segunda metade do século XIX e as remessas dos emigrantes constituem uma componente essencial do orçamento do Estado e garantem a sobrevivência a milhares de famílias portuguesas.

Longe da Europa Portugal permanece também longe de si próprio. Por comboio Lisboa dista um dia de Madrid, um dia e meio de Paris, dois dias de Londres e... um dia de Bragança e meio dia do Porto. Mesmo assim é um avanço em relação à diligência, que demorava o dobro do tempo a ligar as duas maiores cidades portuguesas. As estradas ainda não estão preparadas para receber os primeiros veículos a motor e os primeiros automóveis demoram dois dias entre Lisboa e Porto.

O povo vive mal , a aristocracia é dona de propriedades desvalorizadas e aparece uma classe empresarial que tem fortuna. E quem tem fortuna tem influência (onde é que eu já ouvi isto !!!): - Banqueiros, industriais, importadores, grandes comerciantes , especuladores e... seus amigos (e amigas) ocupam agora os primeiros lugares nos cerimoniais outrora reservados à nobreza.Com os novos ricos chegam novos costumes .

Nos grandes centros – Lisboa e Porto - é o dinheiro que compra a diversão... “Os teatros mataram os salões. Quanto aos bailes são apenas espasmos de um sistema moribundo” (1).

Eça de Queiroz imortaliza essa época com os seus magistrais romances que lhe sobreviverão no tempo. Aliás morre em 1900 mas, para quem o lê, continua vivo nas extraordinárias personagens de realismo caricatural que criou.

“Portugal é uma monarquia sem monárquicos”.

E quem o diz é o jovem D.Carlos de Bragança , monarca jovem de 37 anos, que poucos anos antes tinham visitado Alcobaça (em 25 de Junho de 1891 El-Rei D.Carlos e a Rainha Dª. Amélia visitaram Alcobaça onde foram recebidos festivamente) (1).

Governam o Pais, alternadamente, dois grandes partidos: - Regenerador (chefiado por Hintze Ribeiro) e o Progressista (José Luciano de Castro). O termo rotativismo então na moda não é palavra vã.

É raro que um Governo se sustente ao longo das três sessões de uma Legislatura. 1Só entre Novembro de 1899 e Outubro de 1901 realizaram-se quatro eleições para deputados! Votam apenas cidadãos do sexo masculino, que saibam ler e escrever, que sejam chefes de família e que paguem impostos. No dia das eleições galopina-se!

As pessoas influentes de cada círculo (fidalgos, administradores de Concelho, regedores, grandes proprietários, padres, médicos, farmacêuticos) vão de porta em porta cortejar os eleitores.

É o que se chamava “galopinar”.

Cerca de cem anos depois este sistema foi aperfeiçoado na zona Norte de Portugal, mais propriamente nas regiões de Gondomar (Majorogalopinar) e Marco de Canavezes (Avelinogalopinar).

E na transição dos séculos XIX para o XX como se vivia em Alcobaça!

Que monumentos, que ruas e praças existiam, que administração, que figuras notáveis, que indústrias, que comércio, que vida social, que cultura, que distracções , que qualidade de vida, que hábitos?! (2).

Que monumentos: - O Mosteiro de Santa Maria ,sombrio e austero, mostra ainda feridas das pilhagens do levantamento popular de 1833, pouco depois do abandono dos frades em Outubro desse ano trágico em que acabou, sem honra nem glória, o poderio de Cister...

Estão também abertas ao público as Igrejas Nova(demolida em 1915), da Misericórdia , da Senhora da Conceição e as Capelas de Santo António, Senhora da Paz e Santa Ana.

O Castelo de Alcobaça é uma ruína . Desde 1838 que funciona como “pedreira”. Nos registos da época estão referidos em sessões da Câmara de Alcobaça 600 carradas entregues a José de Sousa Leão, 200 carradas em 1839 para Francisco José Pereira, da Cela. Em 1851 foi concedida pedra gratuitamente para reparos no Hospital. Em 1852 foi concedida pedra para obras na Igreja da Misericórdia. Em 1855foi proposto que não se concedesse a permissão de tirar mais pedra do Castelo!!!

Que habitantes, que casario, que ruas e praças existiam:

A vila tem cerca de 450 fogos e pouco mais de 1.700 habitantes, que se movimentam em ruas em tão mau estado de conservação que... mais parecem caminhos rurais...

As casas, mal caiadas, apresentam um aspecto decadente.

A praça principal –ontem e hoje sempre o “Rossio” – chamava-se então “Praça Conselheiro João Franco “ e não tem calcetamento. O solo é desigual, cortado de gibas entremeadas de covas.

A circulação urbana fazia-se então através das Ruas Frei Fortunato, Castelo, Estrada, Santo António e Levada com os habitantes, de uma maneira geral de trato grosseiro e sem instrução, a conduzirem os seus animais para o mercado no centro da vila.

Duas novas ruas em redor do Mosteiro – Frei Estêvão Martins e Avenida João de Deus – melhoram a circulação e tornam o local mais aprazível, funcionando então um Passeio Público junto ao Rossio.O Bairro da Roda cresce com novas Ruas a quem são dado o nome de Navegadores. A Praça de Touros fica na Rua Afonso de Albuquerque .É também o tempo da abertura da Rua Grande, hoje Rua Costa Veiga.

Que população e que administração: - Em 1890 a vila tinha cerca de 1700 habitantes enquanto o concelho de Alcobaça tinha 33.039 habitantes. No mesmo censo são “contados” para o distrito de Leiria 250.154 habitantes (4).

São Presidentes de Câmara nos primeiros anos do novo Século Vitorino Avelar Fróis (2-01-1900 a 31-08-1900) e José de Almeida e Silva (01-09-1900 a 1-01-1902).

O edifício da Câmara funcionava num prédio de gaveto no Rossio com a Travessa da Cadeia.
Que militares: - Nos antigos Claustros do Rachadouro estão instalados os Regimentos de Cavalaria 9, Artilharia 1 e, mais tarde, Cavalaria 4.

“Cavalaria 9” foi o primeiro regimento a instalar-se na vila –em 1884 – tendo permanecido em Alcobaça cerca de 15 anos.

Que indústrias: - No início do século XX com as fábricas a laborar em pleno e a agricultura florescente regista-se um surto de desenvolvimento.

A Fábrica de Fiação e Tecidos, de Joaquim Ferreira Guimarães, onde chegam a laborar 1.000 operários por dia(em turnos- com 500 teares e 14.000 fusos), a Fábrica de Papel na Casa do Engenho(de Manuel dos Santos Silvério e Joaquim Silvério Raposo), a Fábrica de Louças de José Reis(1875), a Fábrica de Compotas e Conservas de frutas de Manuel Natividade e Araújo Guimarães (Natividade & Cª.) –1887 - e ainda...moagens, serralharias, oficinas de carruagens, cordoarias, etc.

Que comércio: - No espaço em redor do Mosteiro abrem vários estabelecimentos comerciais:- sapataria de Manuel Ribeiro Maranhoso, farmácia de Manuel Vieira Natividade, casa comercial de Narciso Monteiro, estabelecimento de João Ferreira da Silva, loja de ferragens e drogaria de José Maria Furtado Santos, mercearia de António Lúcio Taveira Pinto, farmácia de Marques da Silveira, sapataria de João Elias d´Óliveira, etc.

Também na Praça D.Afonso Henriques se estabelecem vários comerciantes.

O Hotel Alcobacense funciona na Rua Frei Fortunato .

Que vida social, que distracções: - Saraus literários, sessões políticas, bailes de máscaras pelo Carnaval e Mi-Carène.

Touradas na Praça da Rua Afonso de Albuquerque, de Vitorino Avelar Frois. A construção da Praça teve lugar em 1899.

Que cultura: - No antigo Refeitório do Mosteiro funciona o Teatro Alcobacense (inaugurado em 1840) onde são levadas à cena comédias, dramas, operetas, ópera, revistas pelas melhores companhias do País. Desde 1887 que havia um Coreto Municipal.

O Clube Alcobacense , detentor de uma excelente biblioteca, funciona desde 1889.Aliás o Gabinete de Leitura, que tinha sido fundado em 1875, chegou a ter 5.000 volumes para uso dos seus sócios.

No que respeita a Imprensa Local o primeiro jornal a ser publicado é o “Correio de Alcobaça”, que é fundado em 1889. No ano seguinte – em 1890 – saiu o primeiro número da “Semana Alcobacense” que se veio a publicar durante 33 anos.. Há ainda registo de uma revista chamada “Perfis”, que também foi editada no mesmo ano, e de que só teriam sido publicados 5 números.

Em 26 de Maio de 1891 surge o jornal “De Alcobaça”, que tem uma actividade regular durante cerca de 5 anos.

O “Noticias de Alcobaça”, de que é Director Guido Coelho da Silva, imprime os seus primeiros números em 1899(tem vida longa e meritória, com tiragens até 1932).

E quem é que lê os jornais desse tempo? Com toda a certeza poucos leitores pois o analfabetismo no País rondava os 78,6% numa população de 4.231.336 habitantes! (5).

Parece-nos oportuno referir que a Escola Adães Bermudes , na Roda, só vem a ser instalada em 1907.

Que figuras notáveis: - É o tempo de (entre outros) Manuel Vieira Natividade(que nasceu em 1860 no Casal do Rei), do Dr. Brilhante, do Dr. Décio Sanches Ferreira, de António de Sousa Neves. Joaquim Ferreira de Araújo, que em 1878 é o fundador da Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça, é também figura de destaque na sociedade alcobacense.

Que qualidade de vida: - O estado moral e intelectual da maioria moradores era baixo.

Em geral não eram letrados e o pouco tempo livre, depois das suas duras ocupações diárias, era passado em tabernas.

Quem tinha posses ,ou necessidade de viajar, apanhava os carros da Mala Posta, na Rua D.Pedro V .Uma viagem à Batalha, com partida de diligência, frente ao Hotel Alcobacense, demorava duas horas e custava 3.000 reis (3$000).

O Asilo da Infância Desvalida de Álvaro Possolo prestava serviços humanitários e dava assistência às crianças. Desde 1888 funcionava a Associação dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, de que foi 1º. Comandante Manuel Vieira Natividade.

O Hospital da Misericórdia de Alcobaça, inaugurado em 15 de Agosto de 1890, passa por grandes dificuldades económicas em 1900.

Em redor do coreto do “Rossio”já havia 22 candeeiros com luz eléctrica.

Em 30 de Abril de 1899 as gentes de Alcobaça viram passar pela primeira vez um automóvel!

Que hábitos: - Só nas famílias abastadas havia alguma convivência entre senhoras e meninas, através de reuniões em casa de uns e de outros.

Nas classes mais elevadas os homens, depois do trabalho, iam para as boticas e não é difícil adivinhar quem frequentaria os saraus literários, o teatro e os bailes de máscaras.

Nas classes baixas os homens trabalhavam de sol a sol, faziam umas “libações” no “pós –laboral” e seguiam para casa normalmente “entornados” onde os esperavam as mulheres e os filhos, eventualmente candidatos a uns sopapos para “animar” o serão!
As mulheres tinham filhos , criavam-nos como podiam e, sempre que tinham algum tempo disponível, “faziam meia “ e juntavam-se para conversar. Para “teatro” bastavam-lhes as “comédias” e os “dramas “ diários, embora um grupo teatral alcobacense – Grupo Dramático Villa Nova – tivesse conseguido grande aceitação junto de uma população menos favorecida mas, nem por isso, menos ávida de conhecimento.

Pesquisa para o livro de genealogia da Família COELHO, de Alcobaça (1ª.Geração - 1862-1882).
Legenda:

1 - “Breve História de Alcobaça. Edição de 1995, de Bernardo Villa Nova e Silvino Villa Nova.

2 - Reis e Rainhas de Portugal, de Manuel de Sousa.

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