terça-feira, 1 de setembro de 2009

M23 - PEDRO E INÊS e o amor eterno!

AMOR ETERNO…

Não é difícil adivinhar que o título tem a ver com o amor eterno de Pedro e Inês.

A conversa aconteceu momentos antes de uma Conferência de Imprensa convocada para o lançamento do jantar-teatro do mesmo nome, que veio acontecer no Mosteiro de Alcobaça em 20 de Agosto do ano passado.

Em cima da mesa estava o (bonito) cartaz, que ia ser a bandeira do evento.

O tema lançado para a mesa, antes do início da conferência, pelo mais velho dos presentes foi provocatório:

O que é o amor eterno?

3 anos?

5 anos… não renováveis?

Todos alinharam no jogo de palavras…e o cepticismo dos dois mais jovens –um rapaz e uma rapariga -surpreendeu-nos um pouco.

Para gente na casa dos 20 não esperava tanto desencanto em relação ao tema!

Já deu para entender que o mais velho da mesa redonda éramos nós.
O quarto homem da mesa– mais vivido e a caminhar para os 40 – surpreendeu-nos com a sua opinião. Aparentemente ainda mais radical que as anteriores.

Amor eterno podem ser 5 minutos…

Seguiu-se uma gargalhada geral mas o Carlos Gomes esclareceu o seu ponto de vista:

5 minutos podem corresponder a um momento que nos marca para toda a vida. Amor eterno no sentido de um momento para a eternidade. Até ao fim da vida…

Seguiu-se a conferência de imprensa.

No dia seguinte voltámos a encontrar o Carlos Gomes .Mais uma vez veio à baila o «amor eterno» na versão abreviada de 5 minutos.No que nos diz respeito já não brincámos com a tese dos minutos….

Nos meus sessenta e tal anos de existência quantos «momentos inesquecíveis», dos tais momentos para a eternidade já tínhamos vivido?!

Não vamos, obviamente, relatar acontecimentos da nossa vida familiar.

Mas momentos para eternidade temos muitos e arriscamos a partilha de alguns, porque não são de todo vulgares.

Momentos marcantes ,que podem ter durado apenas minutos, mas que permanecem eternos na nossa memória. São quase todos dramáticos e aconteceram em cenários de guerra ou… lá perto!

Como centenas de milhares de jovens da minha geração fomos mobilizados para a Guerra do Ultramar. Como há pouco referia o insuspeito Secretário do Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa, também ele foi ao Ultramar. «Só os meninos ricos é que escaparam e se ausentaram para o estrangeiro…».

• O «baptismo de fogo» é um dos momentos mais marcantes da vida de um militar. Ninguém sabe como irá reagir. Alguns «heróis» das paradas dos quartéis agarram-se ao chão que nem lapas e outros, até ali mais discretos, conseguem dominar o medo e portam-se como Homens. Há um minuto decisivo. Ou fazemos o que é o nosso dever ou perdemos o respeito dos outros. E passamos a (com)viver mal com nós próprios…

• Fui Furriel Milº. Enfermeiro. Na operação Lenquetó,no norte da Guiné em 4 de Julho de 1964, fomos emboscados e tivemos vários feridos. O mais grave foi o 1º.Cabo Marques que foi atingido no baixo ventre. Aguentou as dores que nem um valente. Nos seus poucos queixumes julgo que só lhe ouvimos dizer… «Meu furriel,não vou voltar a ser um homem normal… »!
Quando o helicóptero chegou para o evacuar estávamos cercados e debaixo de fogo. O Alferes Tavares aproximou-se para levar ao colo o Marques. Antecipei-me. Era eu o Enfermeiro. Era eu que o tinha de levar até ao helicóptero.
O capitão Tomé Pinto e o Alferes Tavares deram-me protecção. Os 40 ou 50 metros que percorri com o Marques ao colo, até ao helicóptero, foram bem compridos. Só me recordo de ouvir as pás do helicóptero e… as batidas do meu coração. Não mais esquecerei aqueles minutos. Foram 5 minutos eternos!

• Mais de 20 anos depois …conheci numa reunião de ex-combatentes… as filhas… do Marques. A maneira como me abraçaram deu para entender que sabiam do papel que tinha tido em relação ao seu nascimento… Foram minutos de intensa emoção. A expressão do seu afecto foi uma «medalha»… para toda a vida.Uma recompensa… eterna!

• Fica para o fim a estória mais difícil… que aconteceu ainda na operação de Lenquetó, no dia do«baptismo de fogo…».

Depois do ataque de surpresa à aldeia (na Guiné chama-se «tabanca») fizemos cerca de 40 prisioneiros. Era um grupo misto de homens ,mulheres e crianças. Amedrontados e com alguns feridos foram colocados no meio do nosso dispositivo: dois grupos de combate – 60 homens – progredindo em quadrado.
Tinha havido tiros de resposta ao nosso ataque e tínhamos a noção de que alguns guerrilheiros tinham escapado e podiam andar por perto. Quando mais demorássemos na marcha de regresso ao quartel, a cerca de 12 Kms. de Lenquetó, maior seria a hipótese de virmos a ser emboscados. O que realmente veio a acontecer.

A nossa marcha era interrompida com frequência devido à dificuldade em fazer caminhar alguns prisioneiros feridos.

Fui chamado pelo Capitão Oliveira: «Vê quais são os feridos mais greves e aqueles que não tiverem hipóteses… ficam…». O Chefe da Tabanca tinha um tiro no peito. O buraco de saída da bala, nas costas, tinha o tamanho de um punho. Cada vez que respirava parecia-me ver-lhe o pulmão!
Estava moribundo. Sentei-o encostado a uma árvore. Dei-lhe uma injecção de morfina. E…ficou para trás. Nunca mais esquecerei o seu olhar. Julgo que não disse uma palavra. Não lhe vi ódio. Vi-lhe resignação e pareceu-me preparado para morrer. Com dignidade. Afinal era um Chefe.
Julgo que percebeu que lhe tentei aliviar as dores. Eu… um puto de 24 anos a escolher quem morria e quem vivia. Ainda hoje lembro a sua face de sofrimento mas… de grande dignidade.
O último olhar que trocámos ficou-me gravado na alma... Para toda a vida!

Voltando ao«Pedro e Inês e ao amor eterno»!

Eterno… porque foi trágico? Porque Inês foi coroada Rainha depois de morta? Porque a história perdurou nos séculos… até aos nosso dias!

Porque ficou uma mensagem na pedra tumular de Inês: até ao fim do mundo!

Porque… aconteceu e foi dramatizada em crónicas, em peças de teatro, em pinturas…

Porque…

E as outras «eternidades»!? As tais de «5 minutos» que… o tempo não atenua nem apaga!?

Obviamente que o «amor eterno» tem mais encanto…

Amor eterno… Até ao fim do mundo...

Memórias de guerra… Até ao fim da vida…

Fica «em aberto» a tese do Carlos Gomes.

Aceitam-se «contraditórios».

Trata…
JERO

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