A vingança serve-se fria…
Na região de Sever do Vouga o Inverno não se vai embora às primeiras…
Ainda havia neve na “Cabreira” e o “Teixeira” roncava…
Carolina (nome fictício) aquecia-me junto à lareira da cozinha da casa dos pais e escrevia mais uma carta ao seu namorado, que cumpria serviço militar no Quartel de Viseu.
Estávamos em 1955.
Namoram há 3 anos e meio…Logo que ele saísse da tropa casariam...Pensava a Carolina!
O pai trabalhava de sol a sol nas suas terras de Rocas do Vouga e não se metia no assunto. Tinha mais em que pensar..
Um dia apareceu-lhe o António. Era filho de uma família com muitas terras na região. Já passara dos 30 e era um homem feito mas não “bem-feito”.Por outras palavras era ,aos olhos das raparigas da aldeia, feio como os trovões.
Pediu respeitosamente ao pai da Carolina para falar de um assunto. Assunto sério: queria casar com a filha. O pai da Carolina ficou de lhe dar uma resposta.
…
Conheci a Carolina há poucos dias. Mais propriamente no último mês deste ano. Dezembro de 2009.Ia acompanhado de um seu primo , que me tinha acabado de mostrar as belezas da região de Arões. Couto Esteves. Cerqueira e a sua anta de corredor, Catives, Mouta, Covões e pequenas igrejas, bem cuidadas e limpas. Nos intervalos de algumas chuvadas e aguaceiros descíamos e subíamos vales, com os roncos do Rio Teixeira por perto. A Serra da Cabreira adivinhava-se ao fundo mas mal se via devido à neblina.
Num curva de uma estrada estreita entre pinheiros e eucaliptos avistámos uma casa de primeiro andar, junto de alpendoradas com os vinhedos próprios da região. O meu amigo da vida militar, que fazia de cicerone, lembrou-se que naquela isolada região vivia uma prima e fomos visitá-la.
Curiosamente a Carolina, sozinha em casa e sem estar prevenida da visita, recebeu-nos sem problemas e sem qualquer receio aparente, embora não tenha reconhecido à primeira o seu parente Mendonça (nome fictício), que já não via há tanto tempo.
Percebi facilmente que a velha senhora gostava de conversar e dei-lhe “guita”.
Quantos anos me dá?
Com alguma delicadeza disse-lhe que devia estar na casa dos sessenta.
«Não senhor. Tenho mais uns tantos.»
Já tinha feito 74. Vivera dez anos em França, tinha 4 filhos e já enviuvara há alguns anos atrás.
E contou-me a história do seu casamento que afloro no princípio da narrativa. Em poucas palavras contou-me tudo. Ou quase.
O seu casamento fora feito pelo Pai .
Namorava há 3 anos e meio (o pormenor do meio ano foi bem acentuado) com um rapaz de Irijó que andava na tropa em Viseu. Apareceu um pretendente que falou com o seu Pai.
Era 14 anos mais velho mas tinha terras, muitas terras.
O militar era bom rapaz mas era, aos padrões do tempo e da região, um pobretanas.
Quando o Pai lhe deu conhecimento do interesse do António não foi por meias palavras: «Acabas e acabas mesmo.»
«Mas senhor meu Pai eu gosto dele…»
Chorou amargamente mas teve que ser.
Quem mandava era o senhor seu Pai…
Escreveu uma carta para o Quartel e acabou com o namoro.
«Por favor não me escrevas mais nem me procures que o meu Pai quer que eu case com outro…».
Casou com o pretendente do Pai depois de 8 meses de namoro.
O António tinha muitas terras mas tinha um casa muito pequena e sem confortos nenhuns, que só conheceu na noite do dia do casamento. Passou muitas noites –e dias – a chorar.
Não é preciso perguntar se teve uma vida feliz porque a Belmira diz muito -em alguns silêncios - da sua conversa . Sou um desconhecido mas estou com um seu primo.
Portanto posso fazer perguntas e a Carolina responde sem embaraço.
«E sabe o que é aconteceu ao seu namorado da juventude?»
-Casou com outra e vive na região de Lisboa.
Os olhos ainda lhe brilham quando fala dele…
O homem, o António, dono de muitas terras…há muito que está enterrado.
Recusámos um cálice vinho do Porto e fomos a nossa vida.
A Carolina lá ficou sozinha à distância de mais de meio quilómetro da casa mais próxima .
…
Algumas horas mais tarde em casa do Mendonça puxei a conversa, referindo a impressão que me tinha causado o isolamento em que vivia a Carolina.
Estava presente uma criada da casa, que entrou na conversa sem qualquer rebuço.
Mais nova mas também viúva mas que vive no lugar de Irijó, naturalmente mais povoado
A criada do Mendonça 10 anos mais nova diz que a Carolina de vez quando tem visitas. Vão e vêm-se. De táxi. Estão por lá umas horas …
«Oh senhor não tenha pena dela.»
Custou-me um bocado a ouvir o final da história mas …é a vida.
O namorado dos verdes anos da Carolina está afinal tão longe!
E casado com outra..
E se a “mão de obra” local resolve a solidão …
Quem é que disse que não há vida depois dos 70!
«Acabas e acabas mesmo.»
Isso era dantes…Senhor Pai.
A vingança serve-se fria…com os roncos do “Teixeira” lá ao fundo.
Digo eu…que não sou de intrigas.
JERO
Na região de Sever do Vouga o Inverno não se vai embora às primeiras…
Ainda havia neve na “Cabreira” e o “Teixeira” roncava…
Carolina (nome fictício) aquecia-me junto à lareira da cozinha da casa dos pais e escrevia mais uma carta ao seu namorado, que cumpria serviço militar no Quartel de Viseu.
Estávamos em 1955.
Namoram há 3 anos e meio…Logo que ele saísse da tropa casariam...Pensava a Carolina!
O pai trabalhava de sol a sol nas suas terras de Rocas do Vouga e não se metia no assunto. Tinha mais em que pensar..
Um dia apareceu-lhe o António. Era filho de uma família com muitas terras na região. Já passara dos 30 e era um homem feito mas não “bem-feito”.Por outras palavras era ,aos olhos das raparigas da aldeia, feio como os trovões.
Pediu respeitosamente ao pai da Carolina para falar de um assunto. Assunto sério: queria casar com a filha. O pai da Carolina ficou de lhe dar uma resposta.
…
Conheci a Carolina há poucos dias. Mais propriamente no último mês deste ano. Dezembro de 2009.Ia acompanhado de um seu primo , que me tinha acabado de mostrar as belezas da região de Arões. Couto Esteves. Cerqueira e a sua anta de corredor, Catives, Mouta, Covões e pequenas igrejas, bem cuidadas e limpas. Nos intervalos de algumas chuvadas e aguaceiros descíamos e subíamos vales, com os roncos do Rio Teixeira por perto. A Serra da Cabreira adivinhava-se ao fundo mas mal se via devido à neblina.
Num curva de uma estrada estreita entre pinheiros e eucaliptos avistámos uma casa de primeiro andar, junto de alpendoradas com os vinhedos próprios da região. O meu amigo da vida militar, que fazia de cicerone, lembrou-se que naquela isolada região vivia uma prima e fomos visitá-la.
Curiosamente a Carolina, sozinha em casa e sem estar prevenida da visita, recebeu-nos sem problemas e sem qualquer receio aparente, embora não tenha reconhecido à primeira o seu parente Mendonça (nome fictício), que já não via há tanto tempo.
Percebi facilmente que a velha senhora gostava de conversar e dei-lhe “guita”.
Quantos anos me dá?
Com alguma delicadeza disse-lhe que devia estar na casa dos sessenta.
«Não senhor. Tenho mais uns tantos.»
Já tinha feito 74. Vivera dez anos em França, tinha 4 filhos e já enviuvara há alguns anos atrás.
E contou-me a história do seu casamento que afloro no princípio da narrativa. Em poucas palavras contou-me tudo. Ou quase.
O seu casamento fora feito pelo Pai .
Namorava há 3 anos e meio (o pormenor do meio ano foi bem acentuado) com um rapaz de Irijó que andava na tropa em Viseu. Apareceu um pretendente que falou com o seu Pai.
Era 14 anos mais velho mas tinha terras, muitas terras.
O militar era bom rapaz mas era, aos padrões do tempo e da região, um pobretanas.
Quando o Pai lhe deu conhecimento do interesse do António não foi por meias palavras: «Acabas e acabas mesmo.»
«Mas senhor meu Pai eu gosto dele…»
Chorou amargamente mas teve que ser.
Quem mandava era o senhor seu Pai…
Escreveu uma carta para o Quartel e acabou com o namoro.
«Por favor não me escrevas mais nem me procures que o meu Pai quer que eu case com outro…».
Casou com o pretendente do Pai depois de 8 meses de namoro.
O António tinha muitas terras mas tinha um casa muito pequena e sem confortos nenhuns, que só conheceu na noite do dia do casamento. Passou muitas noites –e dias – a chorar.
Não é preciso perguntar se teve uma vida feliz porque a Belmira diz muito -em alguns silêncios - da sua conversa . Sou um desconhecido mas estou com um seu primo.
Portanto posso fazer perguntas e a Carolina responde sem embaraço.
«E sabe o que é aconteceu ao seu namorado da juventude?»
-Casou com outra e vive na região de Lisboa.
Os olhos ainda lhe brilham quando fala dele…
O homem, o António, dono de muitas terras…há muito que está enterrado.
Recusámos um cálice vinho do Porto e fomos a nossa vida.
A Carolina lá ficou sozinha à distância de mais de meio quilómetro da casa mais próxima .
…
Algumas horas mais tarde em casa do Mendonça puxei a conversa, referindo a impressão que me tinha causado o isolamento em que vivia a Carolina.
Estava presente uma criada da casa, que entrou na conversa sem qualquer rebuço.
Mais nova mas também viúva mas que vive no lugar de Irijó, naturalmente mais povoado
A criada do Mendonça 10 anos mais nova diz que a Carolina de vez quando tem visitas. Vão e vêm-se. De táxi. Estão por lá umas horas …
«Oh senhor não tenha pena dela.»
Custou-me um bocado a ouvir o final da história mas …é a vida.
O namorado dos verdes anos da Carolina está afinal tão longe!
E casado com outra..
E se a “mão de obra” local resolve a solidão …
Quem é que disse que não há vida depois dos 70!
«Acabas e acabas mesmo.»
Isso era dantes…Senhor Pai.
A vingança serve-se fria…com os roncos do “Teixeira” lá ao fundo.
Digo eu…que não sou de intrigas.
JERO
Obrigado por esta história lindíssima.
ResponderEliminarVanda