quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

M 325 -CARPINTEIROS, SAPATEIROS, PEDREIROS,FUNILEIROS, TABERNEIRA E UM MENDIGO

A génese das Associações Filarmónicas do concelho de Alcobaça



Entre as décadas de 60 a 90 do século XIX verifica-se a constituição formal e legal de várias sociedades filarmónicas nas vilas dos antigos coutos de Alcobaça.
A primeira a ser criada é a Sociedade Filarmónica Alcobacense a 17 de Fevereiro de 1861; seguem-se a Sociedade Filarmónica Pataiense a 15 de Julho de 1877; a Sociedade Filarmónica de Valado dos Frades a 28 de Abril de 1878; a Sociedade Filarmónica da Pederneira a 22 de Outubro de 1879; a Sociedade Filarmónica Fraternidade de Alcobaça a 4 de Março de 1880; a Sociedade Filarmónica da Maiorga a 10 de Novembro de 1890, tendo-se o tabelião deslocado a casa do proprietário da Quinta do Pinheiro João Pereira da Conceição para redação e assinatura da escritura; a Sociedade Filarmónica de Alfeizerão a 24 de Novembro de 1890.
Os contratos de constituição são distintos.
 Enquanto na Sociedade Filarmónica Alcobacense e na Filarmónica Fraternidade de Alcobaça os sócios avançam com capital (de dez mil e dezoito mil réis, respectivamente) ou apresentam fiança, as outras sociedades contam com um sócio capitalista (nomeadamente um lavrador abastado, ou até um padre no caso da Filarmónica de Pataias) que empresta as verbas necessárias aos outros associados para a aquisição dos “instrumentos músicos”, mediante o pagamento de juros.
A estrutura social das sociedades urbanas revela uma forte componente de profissões artesanais e industriais.
 Entre os 32 sócios da Filarmónica Fraternidade de Alcobaça encontramos 4 carpinteiros, 4 sapateiros, 6 pedreiros e serventes, 3 papeleiros, 3 aprendizes (de funileiro, sapateiro e carpinteiro), 1 alfaiate, 1 fabricante de tecidos e outro de fósforos.
 Curiosamente esta sociedade admite uma mulher com a profissão de taberneira e um mendigo.
Estas sociedades são formadas por um prazo de três a quatro anos comprometendo-se os associados a não participar em mais nenhuma sociedade filarmónica.
 A sua direcção é, normalmente, constituída por um director e um mestre eleitos anualmente entre os sócios (não podendo nenhum associado recusar-se a desempenhar as funções para as quais tivesse sido eleito). Compete ao director celebrar os ajustes das festividades e dar contas aos sócios do valor acordado e demais condições, decidir as músicas que se hão-de tocar ou ensaiar, abrir a casa dos ensaios (as escrituras determinam o horário dos ensaios ao longo dos meses do ano, assinalando o seu cancelamento em dias santificados), satisfazer as despesas inerentes à sociedade...
Já o mestre tem como funções ensaiar as músicas, ensinar os aprendizes (desde que o número não exceda os três elementos) e até encarregar-se da composição ou correcção de partituras.
As sociedades filarmónicas necessitavam às vezes de contratar músicos pagando-lhes um ordenado mensal.
 È o que vemos numa escritura de prestação de serviços (1881) estabelecida entre José M;aria Gomes na qualidade de director da Filarmónica Fraternidade e Manuel Vitorino da Rosa (1º clarinete), António Maria da Silva (2º corneteiro) e Agostinho dos Santos Brilhante (fliscorne). Estes músicos obrigavam-se a um ensaio semanal com duração nunca inferior a três horas e em caso de falta eram multados em 2000 réis.
O objectivo primeiro destas sociedades era gerar receitas, daí proibir-se nos estatutos que se realizem festas gratuitamente. É evidente que a finalidade destas sociedades não se esgotava nas eventuais receitas a auferir pelos associados, revelando uma forte componente de socialização e cultura.
Quem não cumpria as regras faltando ou atrasando-se aos ensaios ordinários (duas vezes por semana) e extraordinários (antes das festividades) sofria sanções pecuniárias (caso os transgressores fossem os corpos dirigentes as penas dobravam de valor), perdendo ainda o direito sobre os réditos que lhe caberiam em partilha (as faltas eram apenas justificadas em caso de doença comprovada). Estas penalizações abrangiam também aqueles que não estudavam convenientemente as músicas que se iriam ouvir nas tocatas, que revelavam desleixo nas funções ou se levantavam sem autorização no período dos ensaios.
Nos regulamentos da Filarmónica Alcobacense e da Filarmónica Fraternidade considera-se o problema da embriaguez, incorrendo os autores em multas. No caso de reincidência considerava-se a expulsão da sociedade perdendo, então, os sócios visados a totalidade do capital.

António Valério Maduro

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