quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

M 324 - UM CONTO DE NATAL

NATAL 2010



Deitada no sofá em posição fetal, aninhava-se, fechando-se sobre si própria, envolvendo-se cada vez mais na sua tristeza, no seu desespero, na incrível solidão que naquele momento vivia.

 Dia 24 de Dezembro, véspera de Natal!

Naquela manhã tinha-se levantado decidida a de uma vez por todas confirmar ou não, aquilo que o seu coração há muito lhe dizia, mas ela não queria acreditar.
Feito o teste, a resposta era inequívoca: Estava grávida!
Naquele momento, sozinha na casa de banho, tinham passado pela sua cabeça e pelo seu coração, os mais incríveis pensamentos, os mais inexplicáveis sentimentos!
Por um lado pensara que não podia ser, não era possível, e de maneira nenhuma podia aceitar aquele facto, pelo que tinha de lhe pôr fim muito rapidamente.
Por outro lado, sentira um amor que se desprendia do seu coração e a levara a acariciar a barriga como se alguma coisa já lá se sentisse.
Saiu da casa de banho e dirigiu-se para o quarto, com o “coração aos saltos” de nervosismo, mas também com uma sensação de medo.
Como iria o seu namorado reagir aquela notícia?
Ao vê-la, ele logo percebeu que alguma coisa se passava, pelo que de imediato lhe perguntou o que a preocupava.
Numa voz sentida e baixa, repassada de ternura e medo, ela respondeu-lhe dizendo que estava grávida.
Não precisava da resposta dele, pois o olhar incrédulo e ao mesmo tempo furioso, revelou sem margem para dúvidas o que ele pensava.
Nem se queria lembrar da discussão, das incríveis coisas que ele disse, do ar ofendido e revoltado com que se lhe dirigiu, e sobretudo da tomada de posição ao dizer-lhe que ela tinha de imediatamente pôr fim à gravidez.
Lembrava-se de não saber o que lhe responder, pois nela havia um misto de decisões e indecisões, que iam desde o aceitar o que ele propunha, até ao sentimento maternal que falava mais alto, e lhe dizia ao coração que ela não podia terminar aquela gravidez.
Ainda estavam nos seus ouvidos a “explosão” do bater da porta da rua e as últimas palavras duríssimas que dele ouviu: Nunca mais me pões a vista em cima!
Tinha ficado ali, sem reacção, prostrada, imóvel, sem perceber o que tinha acontecido.
Tinham passado uma óptima noite, as promessas de amor eterno, o casamento a marcar e, de repente … o mundo desabava-lhe em cima!
Percebeu que no estado em que estava não podia passar a noite de Natal em casa dos seus pais. Eles perceberiam de imediato que alguma coisa de grave se passava, e ela não queria dar explicações nenhumas, nem queria ouvir fosse o que fosse naquele dia!
Muito a custo telefonou-lhes tentando fazer uma voz normal, e arranjou uma desculpa mais ou menos verosímil para não estar com a família nesse dia.
Agora estava sozinha!
Há horas que estava naquela posição. A noite tinha chegado e ela nada tinha comido durante todo o dia. Apetecia-lhe morrer e ao mesmo tempo apetecia-lhe viver.
Falava com a sua barriga como se alguém a escutasse, fazendo juras que sozinhos os dois, mãe e filho, haviam de conseguir. Percebeu então que uma decisão estava tomada: Aquele filho ia nascer, contra tudo e contra todos!
Ficou um pouco mais animada com a consciência da decisão tomada, mas logo a perspectiva do futuro lhe caiu em cima com uma tal força, que se sentiu fechada numa gruta funda, sem luz, sem ânimo e sem esperança.
Olhou para o pequeno presépio que tinha na sala, e lembrou-se da Missa do Galo!
Não faltava a essa Missa desde que se lembrava de si própria, e por isso mesmo, decidiu com grande esforço que iria participar nela, mas a uma igreja diferente da habitual, claro, pois não queria encontrar a sua família.
Saiu para o frio da rua, o que lhe deu um pouco de alento, tendo-a despertado do torpor em que se tinha deixado envolver.
Procurou um lugar na igreja onde ficasse só, pois não queria sorrir a ninguém, não queria cumprimentar ninguém, não queria falar a ninguém.
A Missa passou sem ela dar conta e apercebeu-se então que já tinha chegado o momento da Comunhão.
Lembrou-se com alguma mágoa que, de acordo com o que tinha aprendido na família e na catequese, não poderia comungar a hóstia consagrada, dada a vida que vivia.
Mas também se lembrou ter aprendido que Jesus nunca abandonava aqueles que a Ele se dirigiam de coração aberto.
Ajoelhou-se e entrando dentro de si, falou com Aquele Menino que há tantos anos “via nascer” no presépio de casa dos seus pais.
“Jesus, eu não sei o que acreditar, mas sinto que de alguma maneira estás aqui comigo e me fazes companhia. E agora, Jesus, o que hei-de eu fazer?
Eu só quero sentir amor, sentir que não estou só, e que tomei a decisão correcta.
Sabes, Jesus, ele ofendeu-me muito, mas não lhe desejo mal. Olha lembro-me das Tuas palavras na Cruz e apetece-me dizer o mesmo: Perdoa-lhe que ele não sabe o que faz.”
Sentiu uma mão no ombro, que suavemente lhe chamava a atenção, e uma voz terna que lhe dizia:
- Desculpe mas tem que sair. A Missa já acabou e temos de fechar a igreja.
Não se tinha apercebido do tempo passar!
Balbuciou uma qualquer desculpa e saiu rapidamente para a rua.
Um sorriso aflorou os seus lábios. Não sabia o que se passava, mas uma paz, uma tranquilidade, uma alegria, invadiam o seu coração. Pela primeira vez nesse dia não teve medo da decisão tomada e teve a certeza inexplicável de que tudo iria correr bem, mesmo com as provações normais que uma situação como aquela acarretava, e que ela tinha decidido viver.
Quase ao chegar a casa, reparou num vulto que estava sentado nos degraus da entrada do prédio, todo dobrado sobre si próprio, por causa do frio, claro.
Não teve medo, mas apenas pena daquele pobre desgraçado que não devia ter onde ficar, e pediu a Jesus que o ajudasse também.
Ao subir os degraus da entrada, o vulto levantou-se, e prostrou-se de joelhos diante de si, dizendo apenas:
- Perdoa-me! Perdoa-me que eu nem sei as asneiras que disse, o mal que te fiz! Perdoa-me!
Olhou para a cara dele. As lágrimas corriam-lhe pela face, mas ele não se importava. Apenas não conseguia olhá-la nos olhos, de tão envergonhado que estava.
Puxou-o para cima, pegou-lhe na cara com as duas mãos, e deu-lhe um terno beijo nos lábios.
Numa voz entrecortada pelo choro, ele apenas dizia:
- Eu amo-te, eu amo-te, e a melhor expressão do meu amor, do nosso amor, é este filho nosso que trazes em ti e que eu quero viver contigo! Como pude ser tão cego, tão desumano, tão desprezível! Casamos amanhã, casamos mal seja possível! Eu quero estar contigo e viver todos esses momentos da tua gravidez, e do nascimento do nosso filho!
E não se calava, até que ela suavemente lhe colocou a mão nos lábios e o empurrou para dentro de casa.
Olhou para ele, fixamente nos olhos, e disse com a voz cheia de amor e ternura:
- O amor tudo vence! O passado já passou e não volta mais! Vivamos agora o presente e o futuro!
Ele aquietou-se e ficaram abraçados por um longo período de tempo, apenas gozando e sentindo a companhia um do outro.
Ela afastou-se então um pouco e disse-lhe:
- Hoje ainda tens que fazer mais uma coisa comigo, por mim e por ti.
Ele anuiu, baixando a cabeça.
Aproximaram-se então de mão dada do pequeno presépio, e ela ajoelhou-se com ele, dizendo:
- Agradece comigo a Jesus, o Amor que nasce no coração dos homens e que hoje renasceu nos nossos corações!
Lá fora ouviam-se vozes de jovens que cantavam:
“Noite feliz, noite feliz!
O Senhor, Deus de Amor,
Pobrezinho, nasceu em Belém
Eis na lapa Jesus, nosso Bem
Dorme em paz, ó Jesus!
Dorme em paz, ó Jesus! ”

ou então … eram os ouvidos dos seus corações unidos que assim ouviam.



Escrito por Joaquim Mexia Alves em 22.Dez.2010
e aqui reproduzido, com a devida vénia e com muita
amizade por JERO.


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