quarta-feira, 7 de abril de 2010

M 227- A LIBERDADE















O MEU HINO À LIBERDADE


Deixa-me escrever-te um poema,
Que tenha por tema
A liberdade.
Porque sabes,
Eu sou livre e sou alegre,
Sou teimoso, obstinado,
Corajoso, apaixonado,
Defeituoso e sem jeito,
Mas trago dentro do peito
Esta minha liberdade.
Que é cantar, como os cantores,
Sem jamais saber cantar,
Escrever como os escritores,
Sem nunca saber escrever,
Ensinar como os Doutores,
Sem nunca ter de aprender,
Fugir e ser soldado,
Apenas porque se quer,
Olhar e ser olhado,
Sempre que a gente quiser,
Ser homem e ser mulher,
Sem nunca estar acabado,
Partir pelo mundo fora,
Sem nunca daqui ter saído,
Ter saudades de partir,
Sem nunca aqui ter chegado,
Passar uma vida a rir,
Sem ter razões para ter rido,
Olhar para o mundo
E dizer:
Esta é a minha vontade,
O meu voto mais profundo,
O meu hino
À liberdade...

Monte Real, 7 de Abril de 2010
Joaquim Mexia Alves

61 anos depois de 7 de Abril 1949

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terça-feira, 6 de abril de 2010

M226- PEDRO TAVARES DIXIT

As Tragédias Naturais e a Alcobaça Cisterciense de Hoje
    Cap. 2 – As Cheias em Alcobaça

    Mosteiro de Alcobaça

    Merece relevo focar a problemática da Água e do Meio Ambiente e como moldaram e condicionaram a “Aventura Cisterciense” em Alcobaça. Aventura ou Epopeia esta que se desenrolou em cima de um tabuleiro denominado “Planície Aluvionar”.

    "Planícies Aluvionares são zonas planas adjacentes aos cursos dos rios e sujeitas a inundação. Constituem uma das formações mais conspícuas e espalhadas no globo terrestre. Resultam de processos complexos de erosão e de depósito. Modificam-se ao longo dos tempos e evoluem, não para um qualquer modelo final, mas para a forma que têm no presente ou que tiveram em qualquer momento do passado" (Brown, A.G.).

    Rios e Planícies Aluvionares sempre foram fontes de riqueza para todas as gerações. Com actividades piscícolas e moinhos de água (azenhas) na Idade Média, depois como centros de comércio e também como fontes de energia mecânica para as primeiras indústrias. Tal movimento, à escala Europeia, resultou numa expansão apreciável de aglomerados populacionais nas Planícies Aluvionares, num aumento das pressões para reduzir os inconvenientes das cheias e na mudança de leitos dos rios.

    Extracto de arenito (grés) bem visível à entrada
    de Alcobaça, na estrada das Caldas

    A mestria do domínio da Água e da sua utilização útil teve o seu momento de glória na Europa no auge das Instituições Monásticas, onde a sofisticação alcançada nos deixa um património de surpreendente tecnologia e saber (Tavares, J.P.).

    As Cheias são fenómenos estatísticos, que se repetem a lapsos incertos de tempo, mas com probabilidades de frequência e de volume estimáveis. A sua ocorrência tem lugar sempre que a capacidade de escoamento e de infiltração das águas da chuva é excedida pela precipitação, que pode tomar a forma de autêntica tromba de água, de impacto marcante e concentrado em curto espaço de tempo (digamos, quinze minutos, talvez mais, o que é característico nos Climas Mediterrâneos).

    É interessante notar a semelhança entre as cheias do Rio Arno em Florença, Itália e a Alcobaça Cisterciense. Lá, como aqui, as cheias sempre foram um problema premente e persistente. Mas em Florença, cidade mais aberta, foram objecto de registo ao longo dos últimos 800 anos. Há mapas de cheias de 1333, 1740, 1844 e 1966. Embora estas cheias tenham sido causa de elevados danos patrimoniais e de muita perdas de vida, tais factos não foram impeditivos de Florença se ter tornado numa das cidades mais ricas da Europa.

    Mosteiro de Alcobaça, alçados Norte e Poente

    No fundo, há algo de comparável, nos trajectos da sua história patrimonial e de vida quase que milenária em meio hidro-geoaluvionar, entre a nossa Alcobaça e os seus Rios e a Florença e o Rio Arno. Ambas cidades históricas, ambas de riqueza patrimonial, ambas na sua planície aluvionar, ambas dela (planície aluvionar) beneficiando dos recursos de excepção e ambas dela padecendo o ónus da sua localização, sofrendo cheias, destruições e mortes, mas tudo contribuindo para a sua glória projectada no espaço e no tempo, para a sua teimosia em resistir à adversidade e para a sua determinação em renascer em riqueza acrescida sempre que fustigadas pelas catástrofes.

    Uma em cenário de florescimento renascentista, em meio de criação pluri-cultural, a outra em cenário de desenvolvimento Monástico-Cisterciense.

    Em Alcobaça, porém, nota-se o triplo efeito das cheias; inundação, depósitos estranhos e assentamento dos terrenos.

    A Água que sobe anormalmente, inundando e molhando, depressa volta a descer e a regressar a leito contido. A bacia hidrográfica que se estrangula em Alcobaça não é como a dos grandes rios internacionais como o Tejo e o Douro ou como a do Mondego. Nestes, as bacias de captação são extensíssimas em área e zonas de precipitação, que acumulam e, quando a água sobe, assim pode permanecer durante dias. Em Alcobaça, porem, a subida de cheia catastrófica pode ser rapidíssima, já que os tempos de escoamento são curtos. A sua probabilidade de ocorrência é bem menor do que nas lezírias do Tejo, já que depende de uma precipitação anormal e concentrada. O efeito surpresa é, porém, bem maior, apesar de a descida também ser

    Empedrado em estado novo, sem uso e enterrado.
    Rua D. Pedro V, frente à Junta de Freguesia de Alcobaça

    Mas, acompanhando a inundação, vem a enxurrada, que tudo arranca, arrasta e transporta. Criando rolhões e diques eventuais, que ao quebrarem o ímpeto das águas, as fazem depositar a sua carga. Carga de quatro tipos: de arrastamento, em suspensão, coloidal e também química. Volumes inimagináveis de terras, lamas, calhaus, detritos e lixo são então deixados nas zonas a montante. Como os rios têm forte desvio direccional em Alcobaça e é logo a juzante que se situa o estrangulamento da garganta da Fervença, será em Alcobaça que tenderão a fazer tais depósitos. Como terá sido bem sentido na referida cheia de 1772. Como se sente pelos depósitos surpreendentes, de várias dezenas de milhar de metros cúbicos, alguns retirados do Rossio quase duzentos anos depois, antecedendo a visita da Rainha Isabel II do Reino Unido, na década de cinquenta. Rossio onde sondagens recentes, mandadas executar pela Câmara Municipal para o Programa da “Requalificação Urbana” (Geocontrole, Gabinete de Geotecnia e Topografia, Ldª, 2002), revelaram profundidades de terras depositadas e tocadas pelo homem, que chegam a atingir doze metros! (Tal profundidade, também surpreendente, passa-se contudo em zona onde terá passado o Rio Baça na época do início construtivo da Abadia, em pleno Rossio actual de Alcobaça).

    Fenómeno idêntico terá posto cobro à utilização monástica do Convento de Stª Clara, frente a Coimbra, em pleno leito de cheia excepcional do Rio Mondego. É impressionante observar a “meia dúzia” de metros de altura de depósitos aluvionares dentro das naves conventuais e o enterramento claustral, recentemente postos a seco através da construção de uma ensecadeira e de complexo sistema de bombagem.

    Por diversas vezes, no século XIX e no século XX, ida a sabedoria e a memória cisterciense, assistiu-se a amplos recondicionamentos e remoções de terras no Rossio e nas zonas circundantes do Mosteiro (em 1839, 1872, 1909, 1951 e 1956, conforme fontes diversas, em particular Villa Nova, Bernardo). É o “sobe-e-desce” de Alcobaça! O início do séc.XXI trouxe a última mexida, com a “Requalificação Urbana de Alcobaça.

    Rossio de Alcobaça despojado, anos 30 (Foto D. Alvão)

    De referir ainda o belo Açude na garganta da Fervença, obra iniciada no séc. XVI e aforada ao irmão de Damião de Góis para fabrico de papel e para rega dos Campos da Maiorga, séculos mais tarde adaptado para produção de energia eléctrica por transformação de energia hidráulica, fruto do engenho e ao serviço da malograda Fábrica Fiação e Tecidos de Alcobaça. Este histórico Açude, apesar de se constituir numa importante obra de regularização e de aproveitamento hidráulico, está hoje ao abandono. Por a comporta de “descarga de fundo” não mais ter funcionado (supomos que desde algures na década de noventa), o notável açude apresenta-se hoje quase que completamente cheio dos referidos resíduos e depósitos aluvionares, que ficam ali grandemente retidos. Situação que também começará a ser perigosa, já que, lenta mas inexoravelmente, vai enchendo o leito para montante e subindo as cotas do rio.

    A terceira consequência calamitosa das cheias, os “Assentamentos Diferenciais”, representa o abatimento de parte do edificado em relação a outra parte do mesmo edificado, geralmente causado por mau funcionamento das fundações ou por desigual comportamento dos terrenos de fundação.

    O “empapamento” prolongado das solos não devidamente compactados, pode ocasionar assentamentos substanciais das camadas de fundação e o consequente abatimento das construções que nelas fundam.

    Mosteiro de Alcobaça em perspectiva esquemática,
    com linhas de assentamento do edificado

    A compactação devida dos solos baseia-se em quatro factores principais: natureza dos materiais a compactar, sua granulometria, condições de humidade e meios e processos utilizados na execução. A eficiente conjugação destes factores é ciência recente do domínio da Mecânica dos Solos. É natural que, apesar de todo o empenho e sabedoria construtiva Cisterciense, a grandeza e a extensão das movimentações de terras se tenham revelado altamente penalizantes, quando anormalmente solicitadas. A partir do séc.XVI e do tempo dos Cardeais Príncipes e Comendatários de Alcobaça e de todo o fervor construtivo dos séculos seguintes, como refere D. Maur de Cocheril, a necessidade construtiva levou à deslocação e re-implantação do Rio Alcoa, de modo a permitir o lançamento de, pelo menos, mais dois Claustros: o Claustro do Cardeal e o mais jovem Claustro do Rachadouro (da Biblioteca).

    Deste modo, a grande cheia referida de 1772 apanhou esse processo e, ensopando completa e demoradamente de água todos esses terrenos mexidos numa amplitude ainda nunca alcançada, causou estragos de magnitude catastrófica em muitas das instalações monásticas, com especial incidência nos Claustros referidos, em extensões e expressões significativas, provocando quebras, torturas e desfasamentos de edifícios, além de ocasionar certamente depósitos aluvionares impressionantes, que houve que remover.

    Constata-se, após atenta observação dos paramentos, alçados, pavimentos, frisos, cimalhas e diversos outros pormenores Arquitectónicos, que houve lugar a Assentamentos brutais de grande parte das estruturas construídas, ou ainda em construção, nos Claustros referidos. Assentamentos esses ocasionados pela cedência dos terrenos de fundação, sobretudo em bandas orientadas pela direcção preferencial das Linhas Hidráulicas originais, elas próprias paralelas às bancadas rochosas erodidas presentes no subsolo. Esses assentamentos, bem detectados e orientados, provocaram tensões elevadas no conjunto edificado dos dois Claustros que, devido à sua grande inércia de conjunto, quebraram e assentaram segundo padrões que se podem interpretar, o que já foi alvo de trabalho editado (Tavares,J.P.).

    Certamente que esta catástrofe tripla, inundação, depósito de terras e ruína Arquitectónica em seguimento de assentamentos diferenciais, há-de ter tido consequências gravosas enormes e ocasionado obras e acções de recuperação de monta.

    Não é assim de estranhar que, nas zonas construtivas Medievais que hoje nos chegam, se notem mais os efeitos dos Terramotos e que nas zonas posteriores da Idade Moderna sejam mais marcantes os efeitos das Cheias a das calamidades correlacionadas.

    (Continua: total 3 Capítulos)
    Bibliografia apresentada com o 3º Capítulo
    J. Pedro Tavares

    segunda-feira, 5 de abril de 2010

    M225-DEPRESSÃO ..CALHA A TODOS!


    Depressão: identifique os sinais

    Porque podem passar despercebidos se não estiver atento. Um quarto dos portugueses sofre desta doença em silêncio.

    Sentirmos-nos tristes de vez em quando é perfeitamente normal, mas quando os sentimentos de vazio e desespero nos invadem e parecem não desaparecer, então o mais certo é tratar-se de umadepressão.

    Mais do que uma melancolia ocasional, a depressão dificulta a possibilidade de aproveitar o lado bom da vida. Há uma perda de interesse pelas actividades do quotidiano como sair com amigos ou ocupar os tempos livres. A pessoa sente-se sempre cansada e conseguir ultrapassar os contratempos do dia-a-dia pode ser algo extenuante.

    Por outro lado, quem está deprimido sente, sobretudo, falta de vontade e esperança. Mas com a ajuda de profissionais e, claro, da família e do amigos é sempre possível ultrapassar o problema. E o primeiro passo é saber reconhecer os sinais.

    Se está preocupado com o humor dos seus pais ou de algum outro familiares esteja atento às seguintes mudanças de comportamento:

    Passo 1 – Confirme se conseguem ou não apreciar as coisas que sempre apreciaram;

    Passo 2 – Procure outros sinais de depressão menos evidentes, tais como comer demais ou de menos, dormir demais ou de menos ou até mudanças de humor repentinas, nada habituais na pessoa;

    Passo 3 – Tente acompanhar o familiar a uma consulta de check-up para discutir os sintomas;

    Passo 4 – É importante que tenha consciência de que a depressão em seniores tende a ser negligenciada e não tratada. Não hesite em mencionar os sintomas ao médico;

    Passo 5 – Esteja atento à qualidade de vida dos seus pais. A depressão pode ser tratada com sucesso através de medicação e terapia, garantindo-lhes a possibilidade de recuperarem a qualidade de vida perdida.

    Não ignore os sintomas da doença que, se não for tratada, pode despoletar comportamentos suicidas. E esteja preparado para uma eventual resistência da parte deles em receberem tratamento. Um quarto dos portugueses sofre desta doença e, geralmente, em silêncio.

    Fonte:
    Joana Guimarães

    agingparents.com

    sábado, 3 de abril de 2010

    M224- PATRIARCA DE LISBOA OCIDENTAL EM ALCOBAÇA


    Alcobaça, 1721

    Entre os dias 23 e 27 de Julho esteve de visita a Alcobaça o então Patriarca de Lisboa Ocidental (Sé de Lisboa), D. Tomás de Almeida, que viria a ser o 1º Cardeal Patriarca da capital portuguesa.

    Durante a sua estadia, que se encontra muito bem relatada na Gazeta de Lisboa Ocidental de 7 de Agosto do mesmo ano, esteve por duas vezes em casa de Pedro da Silva da Fonseca, Fidalgo da Casa Real, Senhor da Casa de Alcobaça, Comendador da Ordem de Cristo e Alcaide-Mor de Alfeizerão, que era casado com D. Ângela Maria de Portugal, filha de D. Luis de Almeida, e neta de D. João de Almeida, Alcaide-Mor de Alcobaça, parentes do citado clérigo.

    Segundo a crónica desta visita patriarcal, estas foram, de resto, as únicas visitas que D. Tomás de Almeida fez a uma casa particular em Alcobaça, aí tendo jantado e assistido na primeira ocasião a um concerto e, na segunda, a um teatro.

    O solar da família situava-se na então Rua das Portas de Fora, hoje Frei António Brandão e incluía uma capela, devotada a S. Pedro, onde, segundo as Memórias Paroquias de Alcobaça, escritas após a sua destruição pelo terramoto de 1755, havia "sido capella nobre, ricamente paramentada.. e nela se fazião funções lustrozas e devotas antes da sua ruína".

    28 anos depois desta visita, a 21 de Novembro de 1749, Manuel Pedro da Silva da Fonseca, neto de Pedro da Silva da Fonseca, viria a casar com D. Antónia Rita de Almeida e Bourbon, sobrinha de D. Tomás de Almeida, que entretanto se tinha tornado no 1º Cardeal Patriarca de Lisboa.

    Alcobaça, 28 de Julho de 1721

    Com a devida vénia ao meu amigo Paulo Brehm de quem foi 8º.Avô Pedro da Silva da Fonseca.

    JERO

    quinta-feira, 1 de abril de 2010

    M223-CONFISSÕES

    Nota prévia

    -A publicação de um livro de memórias de guerra em passado recente fez-me descobrir um universo de blogues de ex-combatentes.Um companheiro de armas, melhor dizendo de "seringas", pediu-me um testemunho (curto e fiel) sobre a minha experiência como "Enfermeiro de Guerra"para um livro que está a escrever. Confesso que desconhecia a expressão.

    No que me diz respeito tinha sido "Enfermeiro".Ponto Final.Afinal também houve "Enfermeiros de Guerra".Aqueles que em operações militares tiveram que tratar de feridos debaixo de fogo, com a vontade de se esconder atrás de uma árvore mas...sem o poder fazer.

    Segue-se o meu testemunho de finais de Março de 2010.

    JERO

    Enfermeiro por “cunha

    Na vida civil era funcionário do Tribunal .

    Estávamos em 1962 quando fiz a recruta na E.P.C., em Santarém.

    A guerra em Angola tinha começado há cerca de um ano.

    Um amigo de um amigo, com conhecimentos nos Serviços Mecanográfico fez-me “chegar”, depois da recruta em Cavalaria, ao HMP- Hospital Militar Principal, à Estrela ,em Lisboa .Aqui decorreram cerca de 2 anos da minha vida militar . Fui doente (uma hepatite que fez perder o 2º.ciclo da recruta e ir para casa 6 meses) e, mais tarde, Enfermeiro.

    Recuperado da minha enfermidade –à custa dos cuidados dos meus pais – regressei à vida militar. Para minha surpresa – pois na minha “turma” havia enfermeiros “a sério” - fui o primeiro classificado do meu curso(2º.ciclo em 8 de Junho de 1963).

    Depois fui ,durante cerca um ano, Enfermeiró-Chefe da Clínica de Dermato-Sifiligrafia , do HMP – como 1º.cabo-miliciano .Mais tarde, já como Furriel Milº. Enfermeiro embarquei para a Guiné em 8 de Maio de 1964.

    Confesso que não sabia bem para o que ia.

    Pelo sim pelo não tentei melhorar os meus conhecimentos teóricos com uma passagem (voluntária) pelo Hospital de Alcobaça durante os meus 10 dias de férias antes do embarque. E esses conhecimentos ao vivo nas “Urgências” , junto do enfermeiro Torres, profissional com longa tarimba, deram-me alguma confiança para enfrentar o “desconhecido”.

    Em finais de Junho de 1964 ,integrado na C.Caç. 675 ,já estava no “mato”, no Norte da Guiné, em Binta, junto ao Rio Cacheu .A fronteira com o Senegal ficava a cerca de 20 kms. do aquartelamento, o que queria dizer, em termos militares, que estávamos numa zona de “corredores” -de entrada e saída - para elementos do PAIGC

    O Serviço de Saúde da Companhia (de 170 homens) englobava um Alferes Milº.Médico, um Furriel Milº.Enfermeiro e três 1º.s Cabos-Auxiliares de Enfermagem.

    Em saídas para o mato – 2 grupos de combate com 60 homens - seguiam normalmente o Furriel Enfº, e um Cabo Auxiliar de Enfº..

    O baptismo de fogo em 4 de Julho de 1964 –Operação Lenquetó - foi determinante para toda a gente. Modéstia à parte fui dos que passei no “exame” ,conforme louvor que tenho na minha caderneta. Refiro este facto pela importância que tem para qualquer militar o encontro com a guerra a sério .Com tiros, explosões, prisioneiros, mortes e feridos. Tivemos isso tudo com emboscadas no regresso ao quartel, que obrigou a apoio aéreo (dois T-6) e evacuações por helicóptero de vários feridos. Um dos feridos graves passou-me pelas mãos ainda no “mato”, emboscados e cercados pelo inimigo. O 1. ° Cabo Marques, ferido a tiro no escroto e num testículo.

    Como o tratei? Lembro-me de o ter polvilhado no baixo ventre com sulfamidas e de lhe dado um anti-hemorrágico Depois liguei-lhe os testículos e tentei acalmá-lo .Aguentou-se bem e não me lembra de o ter ouvido gritar. Se ele entrasse em pânico os que estavam à sua volta poderiam ficar “contaminados”e o que seguiria…ninguém podia prever.

    Dos oito feridos dessa primeira operação houve um Furriel atirador que nunca mais foi a mesma pessoa. Foi-se abaixo psicologicamente e ,por trágica ironia do destino, veio a morrer em 28 de Dezembro de 1964, quando a viatura em que seguia fez rebentar uma mina. Esteve com baixa durante meses e veio a morrer numa saída de viaturas que iam buscar tropas a meia dúzia de Kms. de Binta, considerada uma deslocação sem perigo!Era o meu melhor amigo.

    Depois em dois dias seguidos dois mortos.

    Em 28 de Julho – 24 dias depois do baptismo de fogo – numa operação de nossa iniciativa a Cansenhe – o guia Pathé Balde tentou apanhar “à mão” um sentinela inimigo ,mas foi descoberto e atingido a tiro ,no peito, à queima-roupa. Morreu-me nos braços e fiquei banhado em sangue. Pareceu-me então que foi da cabeça aos pés. Foi a pior sensação de sempre como enfermeiro. Não consegui fazer-lhe nada e morreu em 2 ou 3 minutos. Tenho que confessar que além do sentimento de impotência em estancar uma (enorme) hemorragia tive que lidar com o meu (enorme) medo, por estar debaixo de fogo.

    Em 29 do mesmo mês nas imediações do quartel vítima de “fogo amigo” tivemos mais um morto. O Soldado Gonçalves foi atingido por um tiro de um companheiro que lhe perfurou o abdómen. A morte aconteceu em poucos minutos. O médico estava presente e não lhe conseguimos dar plasma porque tinha os dois braços destroçados .Um único tiro trespassou-o de lado a lado.

    Os tratamentos debaixo de fogo eram extremamente complicados pois alem de se tentar estancar hemorragias por compressão com pensos ou garrote, dava-se uma injecção anti-coagulante, fazia-se a “ficha” se fosse caso de evacuação e tentava-se manter o ferido calmo.”Vais ficar bom, vais ficar bom”…era a fase que se repetia até à exaustão.

    Já com cerca de 18 meses de comissão tivemos mais um morto .O soldado Nascimento pisou uma mina A/P (anti-pessoal) e ficou de imediato sem um pé.O tempo estava muito mau e o helicóptero pedido nunca chegou. Foi transportado de Unimog até ao quartel –cerca de 15 kms. - e evacuado a bordo de uma D.O. ainda com vida. Uma série de azares –garrote desapertado e ,a caminho do Hospital ,já em Bissau, mais um atraso devido a avaria da ambulância que o transportava - fez que morresse já com o HM 241 à vista.

    Os maus bocados como “enfermeiro de guerra” tiveram no aquartelamento – no apoio a militares e à população – momentos mais tranquilos e gratificantes. As excepções foram algumas epidemias de sarampo que causaram na população mais jovem da tabanca uns 60 mortos.

    Entre os militares tivemos muitos casos de paludismo, otites, conjuntivites, infecções bronco pulmonares, perturbações de trânsitos G.I. e escoriações diversas.

    Enfermeiro por “cunha” orgulho-me do que fiz, tendo a felicidade de nunca ter sido obrigado a dar um tiro. Uma “especialidade” de luxo em relação aos “homens da G3” …que quer quisessem ou não tiveram muitas vezes que matar para não morrer

    .E como é do conhecimento geral não há guerra justas e todos os mortos são sempre demais!

    José Eduardo Reis de Oliveira

    C.Caç. 675

    Binta/Guiné (1964-66)

    domingo, 28 de março de 2010

    M222-PERFEITO


    PERFEITO

    Um sítio onde possa ver o céu!

    E se quem o diz é um preso , no primeiro dia de liberdade após o cumprimento de uma longa pena de prisão, percebe-se a intenção e a força do adjectivo.Foi num filme mas também podia ser na vida real.

    Mas “Perfeito” pode ser também um apelido, embora não seja vulgar.

    Conheci na minha vida militar um soldado com esse apelido.

    António Araújo Pinto Perfeito era um militar da C.Caç. 675 com quem convivi de perto durante cerca de dois anos.

    Na Guiné.

    Colaborou comigo num “jornal de parede” que fizemos na Companhia na altura do primeiro Natal passado em Binta, sede da “quadrícula” que nos calhou em sorte nos longínquos anos 60.Mais propriamente entre Julho de 64 a Abril de 66.

    O Perfeito era um soldado com o “nariz empinado” que falava sem medo com patentes superiores à sua.

    Alfacinha de gema tinha algum “complexo de superioridade” que, entre os seus pares, não lhe granjeava grandes simpatias.

    Como qualquer militar que se “preze” acabou a sua passagem pela vida militar com um castigo e um louvor. A “porrada”, perfeitamente estúpida, valeu-lhe a despromoção de 1º.Cabo a Soldado, por não ter respondido satisfatoriamente a um pergunta do Coronel Paletti sobre umas peúgas que estavam penduradas num banco perto da casa da guarda!!!

    Aconteceu no R.I 16, em Évora, antes do embarque para a Guiné.

    Esta história pode ser estranha e surreal a quem não andou na tropa. Para aquém foi militar sabe perfeitamente que isto, ou pior, pode acontecer num dia de azar.

    Curiosamente soube desta história hoje, dia 28 de Março de 2010, pelo meu amigo Belmiro Tavares, que foi Alferes Miliciano de Infantaria na mesma C.Caç. 675.

    Tinham passado poucas horas em relação à visita que fizemos à casa do Perfeito, no Bairro da Encarnação em Lisboa.

    O Perfeito está muito doente. Está acamado e recupera de uma operação recente. Devido a diabetes amputaram-lhe uma perna. Estava com uma máscara para lhe auxiliar a respiração quando o visitámos no seu quarto. O seu aspecto era impressionante – pela magreza e pela exagerada dilatação das suas narinas -.

    Depois dos cumprimentos iniciais pediu a sua mulher para lhe tirar a máscara para poder conversar com os seus amigos da tropa: o Tavares, o Figueiredo e o cronista.

    Surpreendeu-me o facto de as suas primeiras palavras serem a respeito do Benfica e da sua satisfação em relação à vitória do dia anterior sobre o Braga. Conversámos alguns minutos e, obviamente que, à distância no tempo, fomos ter, sem dificuldade à evocação do nosso “jornal de parede” dos velhos tempos da Guiné. O Perfeito até se recordava do tema do seu artigo: “O boato é crime”.

    Disse-nos como passava os dias: a dormitar e a ver televisão. Já se levantava - com a ajuda da mulher -e ia, de cadeira de rodas, para outras compartimentos da sua casa.

    -E não vais até ao jardim, perguntei.

    -Por enquanto não, porque não posso apanhar frio.

    Despedimo-nos ao fim de algum tempo porque era hora de almoço.

    Fiquei um pouco para trás pois queria dar um abraço ao Perfeito. Não consegui evitar umas lágrimas que, infelizmente “contaminaram” a boa disposição (aparente) do Perfeito.

    A mulher acompanhou-me à porta.

    O Tavares e o Figueiredo já estavam a entrar no carro.

    Oh Oliveira custa-te a andar, perguntou o Tavares.

    -Custa-me, pá, respondi. -Estou feito num “oito”…

    Cá fora estava um dia de sol. Parece que finalmente íamos ter Primavera.

    Desejei sinceramente que o Perfeito, dentro em breve, pudesse vir até ao seu jardim.

    A um sítio onde possa ver o céu.

    JERO

    sexta-feira, 26 de março de 2010

    M221-FERNANDO PESSOA TINHA RAZÃO



    O melhor do mundo são as crianças



    Em meados dos anos 80 – já lá vão 20 e tal anos – Mário Simões , como graduado dos Bombeiros de Alcobaça, “comandou” uma equipa de voluntários do seu quartel num peditório de Natal em diversas freguesias do concelho. O lugar e freguesia de Cós calhou a um domingo.

    Recorda o Mário Simões, com a sua voz um pouco rouca de fumador:-«Fazíamos o peditório rua a rua, casa a casa. Batia-se à porta e toda a gente dava alguma coisa. A nossa farda falava por nós. Quase que só era preciso agradecer!»

    O Mário ,que é um “rapaz” dos meus tempos de escola, recordava-me esta história de muitos anos à mesa do café, no “Forno”, logo à entrada do Centro Comercial de Alcobaça.

    Fez uma pequena paragem e senti uma emoção especial na sua voz:«A certa altura cruzámos com dois miúdos (um rapaz e uma menina em idade escolar) que se dirigiam para a Missa. Não nos passou pela cabeça abordá-los para pedir qualquer donativo…».

    «Não nos passou a nós mas alguma coisa passou pela cabeça dos miúdos, que voltaram para trás para nos interpelar».

    -São Bombeiros de Alcobaça? Andam a fazer um peditório?

    «Respondemos que sim e de imediato os miúdos disseram que também queriam contribuir.»

    Mais uma vez o Mário faz uma paragem para “ganhar” voz:

    «Oh meninos, vocês não têm que nos dar nada. Daqui a pouco passamos pela casa dos vossos pais , batemos à porta e eles dão-nos alguma coisa. Vão lá para Missa e acreditem que ficamos agradecidos com a vossa atenção».

    O rapaz – o mais velho dos dois - insistiu que queriam contribuir.

    O Mário voltou a responder que não, que quando chegassem à casa de seus pais eles dariam».

    Teimoso o menino insistiu: - Mas nós queremos dar…até porque vocês não vão encontrar os nossos pais. Vivemos em casa de uma avó pois os nossos pais morreram num acidente».

    O Mário Simões confessa que ficou sem palavras.

    O menino deu oito tostões. A menina deu cinco tostões.

    E foram-se embora a caminho da Missa.

    O Mário, que foi Chefe nos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, nunca mais esqueceu os meninos de Cós.

    E já lá vão 20 e tal anos.

    E não é que Fernando Pessoa tinha razão!?

    O melhor do mundo são mesmo as crianças.

    JERO