domingo, 28 de março de 2010

M222-PERFEITO


PERFEITO

Um sítio onde possa ver o céu!

E se quem o diz é um preso , no primeiro dia de liberdade após o cumprimento de uma longa pena de prisão, percebe-se a intenção e a força do adjectivo.Foi num filme mas também podia ser na vida real.

Mas “Perfeito” pode ser também um apelido, embora não seja vulgar.

Conheci na minha vida militar um soldado com esse apelido.

António Araújo Pinto Perfeito era um militar da C.Caç. 675 com quem convivi de perto durante cerca de dois anos.

Na Guiné.

Colaborou comigo num “jornal de parede” que fizemos na Companhia na altura do primeiro Natal passado em Binta, sede da “quadrícula” que nos calhou em sorte nos longínquos anos 60.Mais propriamente entre Julho de 64 a Abril de 66.

O Perfeito era um soldado com o “nariz empinado” que falava sem medo com patentes superiores à sua.

Alfacinha de gema tinha algum “complexo de superioridade” que, entre os seus pares, não lhe granjeava grandes simpatias.

Como qualquer militar que se “preze” acabou a sua passagem pela vida militar com um castigo e um louvor. A “porrada”, perfeitamente estúpida, valeu-lhe a despromoção de 1º.Cabo a Soldado, por não ter respondido satisfatoriamente a um pergunta do Coronel Paletti sobre umas peúgas que estavam penduradas num banco perto da casa da guarda!!!

Aconteceu no R.I 16, em Évora, antes do embarque para a Guiné.

Esta história pode ser estranha e surreal a quem não andou na tropa. Para aquém foi militar sabe perfeitamente que isto, ou pior, pode acontecer num dia de azar.

Curiosamente soube desta história hoje, dia 28 de Março de 2010, pelo meu amigo Belmiro Tavares, que foi Alferes Miliciano de Infantaria na mesma C.Caç. 675.

Tinham passado poucas horas em relação à visita que fizemos à casa do Perfeito, no Bairro da Encarnação em Lisboa.

O Perfeito está muito doente. Está acamado e recupera de uma operação recente. Devido a diabetes amputaram-lhe uma perna. Estava com uma máscara para lhe auxiliar a respiração quando o visitámos no seu quarto. O seu aspecto era impressionante – pela magreza e pela exagerada dilatação das suas narinas -.

Depois dos cumprimentos iniciais pediu a sua mulher para lhe tirar a máscara para poder conversar com os seus amigos da tropa: o Tavares, o Figueiredo e o cronista.

Surpreendeu-me o facto de as suas primeiras palavras serem a respeito do Benfica e da sua satisfação em relação à vitória do dia anterior sobre o Braga. Conversámos alguns minutos e, obviamente que, à distância no tempo, fomos ter, sem dificuldade à evocação do nosso “jornal de parede” dos velhos tempos da Guiné. O Perfeito até se recordava do tema do seu artigo: “O boato é crime”.

Disse-nos como passava os dias: a dormitar e a ver televisão. Já se levantava - com a ajuda da mulher -e ia, de cadeira de rodas, para outras compartimentos da sua casa.

-E não vais até ao jardim, perguntei.

-Por enquanto não, porque não posso apanhar frio.

Despedimo-nos ao fim de algum tempo porque era hora de almoço.

Fiquei um pouco para trás pois queria dar um abraço ao Perfeito. Não consegui evitar umas lágrimas que, infelizmente “contaminaram” a boa disposição (aparente) do Perfeito.

A mulher acompanhou-me à porta.

O Tavares e o Figueiredo já estavam a entrar no carro.

Oh Oliveira custa-te a andar, perguntou o Tavares.

-Custa-me, pá, respondi. -Estou feito num “oito”…

Cá fora estava um dia de sol. Parece que finalmente íamos ter Primavera.

Desejei sinceramente que o Perfeito, dentro em breve, pudesse vir até ao seu jardim.

A um sítio onde possa ver o céu.

JERO

1 comentário:

  1. Admiro-o muito Jero! Como transmite com tanta clareza, esses factos, que são reais e a sensibilidade com que os escreve.
    Uma história triste, mas que revela da sua parte, uma grande amizade que ficou dum tempo de sofrimento e muitas memórias, (A guerra colonial.)
    Grande solidariedade para com os amigos de tropa, (e não só)pois não é a primeira vez que publica artigos deste teor.
    BJO
    Áurea

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