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sábado, 12 de abril de 2014

M - 471 AS VOLTAS QUE A VIDA DÁ !

As voltas que a vida dá !

Quando saímos de Binta, no norte da Guiné, tivemos direito a lágrimas de saudade dos que ficaram.
Tínhamos sido importantes para eles e para nós próprios .

O último ano em Binta aconteceu
 n’outro mundo! Quase que tínhamos esquecido o mundo para onde regressámos em Maio de 1966!
Quando regressámos à Metrópole e à vida civil
 chocámos com um mundo onde a nossa importância anterior rapidamente se esbateu.
Já estava
 tudo feito - éramos apenas um pequeno parafuso de uma máquina gigantesca que girava sem cessar – e à nossa volta já não tínhamos a malta da Companhia. Todos tinham partido para as suas vidas. Para longe.
Nos primeiros meses corríamos sempre há chamada de cada camarada que se casava. Viajávamos de norte a sul do País para nos voltarmos a encontrar.
Naquelas horas que estávamos juntos voltávamos lá! E o
 nosso Capitão normalmente estava por perto!
Depois tínhamos que voltar ao
 mundo dito normal , onde ninguém falava a nossa linguagem!
Que tempos amargos. Trabalho. Mais trabalho. E – falo por mim - solidão.
E os anos iam passando. Uma vez por ano a malta da Companhia reunia para um convívio, onde começámos a levar os filhos, que entretanto tinham chegado às nossas vidas. As estórias do nosso tempo da guerra voltavam inevitavelmente nesses dias especiais com velhas discussões em relação à emboscada de Caurbá, ou de Cansenhe, no caminho de Farim, ou perto de Guidage… E muitos anos depois havia camaradas que chegavam à conclusão que se tinham abrigado do fogo inimigo “à frente” de uma árvore e “não atrás”, como conviria…
Todos esses convívios anuais começavam com uma missa onde eram recordados os camaradas que “tinham ficado” na Guiné e os que entretanto, pela lei da vida, nos tinham já deixado. Dos 170 que tinham pertencido inicialmente à CCaç. 675 já não estavam entre nós cerca de quarenta!
E quando os “cabelos brancos” chegaram uma “comissão de camaradas de boa vontade” passou a reunir-se uma ou duas vezes por ano para visitar as campas dos camaradas que já tinham partido para honrar a sua memória e deixar na “última morada” uma lápide com o seu nome e com o emblema da Companhia.
O tempo passa depressa, muito depressa, e, felizmente, que a “idade do condor” trás também algumas coisas boas. Um camarada e sua dama chegam às Bodas de Ouro” e convidam a malta da Companhia para estar presente.
 E vamos à Missa de acção de 
graças e ao Copo de Água para aconchegar os estômagos e a “memória do casamento”. 
Tudo a rigor e com uma programa festivo que nos dá a conhecer uma família numerosa que canta e dança em volta dos “noivos”, rodeados de filhos, genros, netos e netas. 
Um autêntico espanto.
Estávamos a saborear o prato de peixe – bacalhau com broa – quando um grito numa mesa próxima me fez quase saltar da cadeira. Porque o grito de aflição tinha o meu nome: “Oliveira”.Dirige-me à mesa onde estava o Rodrigues, correspondendo ao apelo da mulher do Cravino, que via ainda em mim o enfermeiro que eu tinha sido na vida militar cinquenta anos atrás.
O Rodrigues, que eu sabia, que estava a meio de um tratamento
oncológico, estava muito pálido, espumava pela boca e tinha cabeça pendida para o peito. Não dava acordo de si e quando lhe peguei no braço para “ver” as pulsações não lhe encontrei o pulso. Olhei de novo para a cara e o seu aspecto era assustador. A fazer pensar o pior. 

Felizmente aproximou-se um jovem, que era enfermeiro a sério e “dentro do prazo”, que deu uma ajuda. Dois ou três minutos depois o Rodrigues voltou a si.

A côr voltou-lhe a face e falou com a mulher e comigo sem se lembrar que tinha estado alguns minutos em colapso. Na fase mais preocupante tínhamos pedido que se chamasse o INEM. O Rodrigues recusou de imediato a ideia e como parecia estar de facto melhor anulou-se a “urgência”.
 Passado mais uns minutos levantou-se e dirigiu-se para fora do restaurante, pedindo para ir para o seu carro e voltar para casa. O filho estava por perto e sentou-se ao volante. Momentos antes tinha sabido que o Sporting do meu amigo Rodrigues estava a ganhar por 2 a zero ao Paços de Ferreira. Nunca antes que me lembre – sou benfiquista desde os bancos da escola – tive tanta satisfação em dizer a um camarada “em azar” que os “lagartos estavam a ganhar ao intervalo. E o seu sorriso de satisfação valeu a pena e tornou mais leve o “meu sacrifício”…
Entre o grito da mulher do Cravino e a entrada do Rodrigues no seu carro para regressar a casa com a sua mulher e filho, decorreu cerca de meia hora. O meu prato de bacalhau há muito que tinha arrefecido e já não o comi. Enquanto andei “armado” em enfermeiro não pude deixar de reparar que a maioria dos convidados das “bodas de ouro” não perdeu o apetite e fez as honras ao prato de peixe do “copo de água”…sem interromper uma garfada que fosse!
Depois a festa continuou com os familiares dos “noivos” a cumprirem um animado e bem pensado programa em honra da Luísa e do Carlos, que tinham contraído património há cinquenta anos atrás em 5 de Abril de 1964 na Basílica da Estrela.

 Um mês e pouco depois –em 8 de Maio – o Carlos embarcou para a Guiné, integrado na Companhia de Caçadores 675.
Quando então saímos do cais da Rocha de Conde de Óbidos, em Lisboa, tivemos direito a lágrimas de saudade dos que ficaram.
Recriámos esse tempo de despedida na noite do “encontro” dos eternos namorados de há 50 anos nas Bodas de Ouro de 5 de Abril de 2014. 
Meio século depois de Binta numa época em que o vagomestre nos ”matava a fome” com “ciclistas”(feijão frade presente em todas as refeições). 
Que recordo com um sorriso.
 O que, sinceramente, a partir de agora não vai acontecer quando me apresentarem “bacalhau com broa”.
Ao almoço ou ao jantar.
 Nem lhe vou tocar…

As voltas que a vida dá !


JERO







sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

M - 465 CROMOS DA VIDA

CROMOS DA VIDA
O VALADARES também conhecido por CANTIFLAS 
(ou vice-versa)

Valadares de seu nome (ou apelido) chegou a Alcobaça no início dos anos 70. Alfacinha, e “casapiano” começou a sua vida em terras de Cister no Asilo de Mendicidade.
 Há quem o recorde como cliente assíduo na Taberna do Zé Cuco, junto ao Cine-Teatro.
 Bebia o seu copinho mas mantinha sempre uma postura bem disposta e educada. 

Mais tarde veio a fazer “as compras” da Pensão “Corações Unidos”. 
Com uma carrinha de ferro – com 2 rodas à frente e uma atrás – ia ao mercado buscar tudo o que a célebre pensão do “frango da púcara” necessitava para o seu dia a dia.
 Noutra fase da sua vida foi engraxador, com clientela fiel pois além ser bom na sua  “especialidade” toda a gente gostava de ouvir uma anedota pela boca do “Cantiflas” de Alcobaça.
 E porquê “Cantiflas ?
 Por ter algumas semelhanças físicas com o actor cómico mexicano e por nos Carnavais a partir de 1974 em Alcobaça ser normalmente figura  - ou figurante – que dava nas vistas.

 Muita gente desse tempo ainda recorda as suas originais “personagens”.
 Sempre magro mantinha uma flexibilidade invejável.
 Levantava facilmente uma perna acima da cabeça…
 Deixou-nos em meados da década de 80 mas quem o conheceu  guarda dele uma memória de pessoa bem disposta mas sempre correcta.
Que saudade do nosso “Cantiflas”, também conhecido por Valadares !?
(ou vice-versa)

JERO

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

M - 453 Tuudo ééé preciso nasss passagens deeesta vidaaaaa!!

O CAFEZINHO

Foi durante muitos anos uma referência na pacata vila de Alcobaça.
O seu nome era José e a alcunha ganhou-a quando foi preso por contrabandear café durante a guerra civil espanhola. Uns tiveram sorte, ele teve pouca.
Toda a gente o conhecia. Era uma figura simpática, que nos habituámos a ver passar numa pasteleira enorme, onde se gingava no selim para chegar com os pés aos pedais.
Parecia que pedalava em câmara lenta! Infelizmente o combustível da bicicleta era normalmente “tinto”.
Um dia alguma coisa correu mal e caiu da bicicleta. E feriu-se com alguma gravidade na cabeça. Teve que ir ao Hospital de Alcobaça.
Depois de tratado veio até à saída amparado pelo enfermeiro. O “Cafezinho” deu dois ou três passos titubeantes e regressou ao exterior.
Um penso na cabeça denunciava o traumatismo que a queda lhe tinha causado.
Pequeno com ar teatral, abriu os braços e num gesto de quem está num palco cantou com voz pastosa:-Tuudo ééé preciso nasss passagens deeesta vidaaaaa!!
O filho que o esperava fora da sala, abanou a cabeça e disse:
- Pois e agora cantas.
Quem por ali estava riu e o Cafezinho, aproveitou para tentar logo vender lotaria aos presentes.
Assumia-se como um autêntico vendedor de jogo branco.
Mas não enganava ninguém. E apregoava assim a sua lotaria: «O "Cafezinho" tem jogo branquinho» !!!E rematava: «Se eu soubesse que ela aqui estava, não a vendia a ninguém».Quem é que podia resistir a este apregoar tão original? Poucos, está claro.


O seu “posto de vendas” era normalmente na esquina da “Pharmácia Campeão”, na Rua das Lojas.

Esquina que os menos novos recordam ainda como sendo a “Esquina dos indecisos”.

Bons velhos tempos.

JERO







DOMINGO, 19 DE JUNHO DE 2011

segunda-feira, 8 de julho de 2013

M - 451 MEMÓRIA DE UMA VIAGEM EM TEMPO DE GUERRA

PS- Com um agradecimento muito especial ao Coronel PilAviador Miguel Pessoa.
JERO

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

M - 443 - CROMOS DA VIDA


O TIBÚRCIO
À distância no tempo recordo um “homem feito” que dormia na rua e que fazia a sua higiene matinal numa “fonte” situada aos pés da estátua de São Bernardo…
Na vila o Tibúrcio era muito conhecido. Não por ser político ou jogador de futebol  mas ,por à sua maneira, estar sempre bem visível na rua...e por todo o lado!
Na aldeia onde nasceu poucos teriam o que precisavam e o caso dele não foi excepção. Pior do que isso, o Tibúrcio saltara para a vida sem as defesas suficientes e rapidamente se integrou nos desprotegidos da sorte. E deu tanto “nas vistas” que alguém, bem intencionado, o meteu num asilo de mendicidade.
 “Ajuda” que não resultou.
Como “ave de campo não quer capoeira”, logo ao segundo dia, o Tibúrcio fugiu para bem longe, só regressando alguns meses mais tarde, depois de lhe terem garantido que não teria de voltar para o que considerava pior do que a cadeia.
O que, diga-se em abono verdade, não era mentira nenhuma.
Pelo tempo fora, foi vivendo incertamente, amigo dos gatos e dos  cães, com os quais compartilhava escassos pães ou minguadas sopas que algumas almas generosas lhe  abonavam.
Trabalho ou ofício fixos nunca teve porque não aceitava cumprimento de horários .Já referimos que não era ave de capoeira…
Mas não era preguiçoso . 
Chegou mesmo a montar caixa de engraxador  junto a uma Farmácia da vila (a Farmácia Campeão) mas, por vezes, acontecia que um ou outro cliente saía com peúgas e sapatos engraxados por igual… E, vá lá saber-se porquê, esse bónus não agradava à generalidade das pessoas. Optou pois por fazer recados. 
Porque o Tibúrcio não mendigava, limitava-se a oferecer a sua força de trabalho.
Também não explorava ninguém, porque não fazia preço aos serviços que prestava, aceitando sempre, com um sorriso, a retribuição, em espécie ou dinheiro, que lhe fosse dada.
Quando a paga era boa, ala para o Beco do Grilo, onde numa tasca “à maneira” matava velhas sedes, até ficar um pouco zonzo. Depois, deambulava pelas ruas, fazendo confidências às paredes, quando não calhava arguir asperamente uma porta mais inchada de riquezas .
«Era habitual o Tibúrcio passar pelo meu local de trabalho para saber se eu precisava  de tabaco. Por vezes, encomendava-lhe um maço que me trazia de imediato, o troco sempre certo. A paga era um cigarro, quase sempre acompanhado duma moeda. Por vezes, em dias de maior generosidade, pedia-lhe que trouxesse um pacote e dava-lhe um dos maços. Com um sorriso, mas sem subserviência, com a consciência de quem recebia o justo pagamento do seu trabalho, agradecia e ia embora, sem lamúrias.
Numa das suas visitas que coincidiu com a véspera de Natal, encomendei-lhe um pacote de maços de SG  Gigante. Quando o Tibúrcio chegou, abri cuidadosamente o pacote,  tirei um maço, abri-o, separei dois cigarros, acendi um para mim e dei-lhe o outro, acendendo-lho também, enquanto lhe fazia sinal para que se sentasse um pouco.
Depois de algumas palavras sobre o tempo, o Natal e a vida, abri a carteira, tirei uma nota de cinquenta escudos e, com palavras de circunstância, que não recordo, entreguei-lhe a nota e o pacote com todos os restantes dezanove maços de tabaco.»
O Tibúrcio não contava com tamanha generosidade e terá sentido ali um pouquinho da amizade de que precisava para respirar. 
Então, começou a soluçar e, de imediato, chorou copiosamente, sem recear estragar o contentamento que o invadira.
« Depois, retomando a pouco e pouco a tranquilidade, durante uma hora diferente e boa, contou-me a longa história da sua vida, uma vida de gente habituada às pequenas coisas, humildes e silenciosas.»
Viveu ainda alguns anos.
«Nunca deixou de ser quem era mas a mim encheu-me de contentamento o convívio com ele, até que, finalmente, chegou o seu dia e descansou. »
Aquilo que perdemos nunca mais nos é devolvido.
« Quando perdi o Tibúrcio senti que também perdia aquele Natal.»
 À distância no tempo , já um pouco desvanecido na bruma da distância, não o esqueço . É só passar pela “fonte” situada aos pés da estátua de São Bernardo… e lá está ele!
JERO
(com a devida vénia ao meu amigo Timóteo de Matos, o homem dos 19 maços de SG Gigante, que me contou grande parte da História conVida do Tibúrcio)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

M - 435 DUAS VEZES OITO = 88


Mais uma HISTÓRIA ConVIDA

José Canha dos Santos, nasceu em Chaqueda,( freguesia de Prazeres de Aljubarrota) em 4 de Novembro de 1924 , sendo o filho mais novo de uma família de 7 irmãos.
 Fez a instrução primária com a Professora Maria Ilídia Figueiredo, em Chaqueda,  e começou a trabalhar aos 11 anos de idade “na barbearia de seu irmão Manuel, no Rossio, em Alcobaça.»
 Viveu e trabalhou sempre em Alcobaça.
 Casou com 30 anos de idade em Lisboa, na Igreja da Graça, com Maria Augusta.
 Desse casamento nasceu a sua única filha, a Maria João, que conta agora 53 anos. Tem 2 netos – o João, com 22 anos e o António, com 17 anos, que são estudantes. 
Sempre viveu para o trabalho mas arranjou algum tempo para ser columbófilo e praticar cicloturismo.
Mas também ofereceu a si próprio  viagens a Inglaterra, Espanha, Brasil, Argentina e Paraguai.
À beira de completar a invejável idade de 88 anos surpreende pela sua memória, qualidade de vida, interesses diversos e por continuar a trabalhar na sua profissão de cabeleiro, que iniciou por conta própria em Alcobaça ,no Hotel Galinha, às Portas de Fora, em 1952.»
Vive desde há uns anos a esta parte em Alfeizerão onde faz de tudo para ocupar o seu tempo  – carpinteiro, pedreiro, jardineiro – e desloca-se 3 dias por semana – 4ª.,5ª. e sextas feiras - ao seu salão de cabeleiro em Alcobaça para atender algumas clientes muito antigas e dedicadas, que o continuam a preferir. 
Já trabalhou 6 dias por semana mas infelizmente as suas clientes foram envelhecendo e morrendo, o que o levou a reduzir o seu horário de trabalho. 
O seu segredo para a longevidade ?
« Estar ocupado e fazer o que se gosta. Fiz muito desporto , incluindo natação no Rio Alcoa, em Chaqueda, onde cheguei a ter um barco. Como cicloturista fiz milhares e milhares de quilómetros.»
 Mostra-nos jornais portugueses e espanhóis onde são referidas essas façanhas desportivas, que ocuparam uma parte importante da sua vida. Tem no seu salão um expositor com troféus dessa modalidade, de columbofilia e de automóveis antigos.
 Tem um automóvel que é preciosidade – um “Datsum 1600” – com 41 anos de idade e que trabalha como “um relógio”. É um dos seus orgulhos, que fez questão em nos mostrar. «Daqui bocado, por volta das 5 e meia da tarde lá vou no meu “espada” para Alfeizerão».

E que diz do actual “estado da nação” ? Nunca paguei tantos impostos. Não me lembro de uma coisa assim! Vou trabalhar mais algum tempo no meu salão mas já não compensa. Mas não me vou sentar a ver o tempo passar. Sei fazer de tudo. Não me vou aborrecer. Sempre gostei de viver.»
Em 4 de Novembro próximo vai fazer, se Deus quiser,  88 anos. Uma bonita idade.
JERO






domingo, 7 de outubro de 2012

M - 434 INSTANTES QUE PASSAM...


ESQUINAS DA VIDA

Se existe uma idade para a gente ser feliz, uma época na vida em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-las a despeito de todas as dificuldades e obstáculos…é quando se anda por volta dos 20 , 20 e poucos anos.
Nessa idade de encanto com a vida desfruta-se tudo com toda intensidade sem medo, nem culpa de sentir prazer. 
É a fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida, à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores. 
É o tempo de entusiasmo e coragem em que todo o desafio é mais um convite à luta 
que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo de novo, quantas vezes for preciso. 
Essa idade tão fugaz na vida chama-se presente e pode ter a duração do instante que passa.
Aconteceu recentemente com o João Pedro Dinis que, depois de um almoço em família, se sentiu mal e teve uma paragem cardíaca.
Socorrido de imediato chegou sem vida ao hospital da sua terra. Tinha festejado 24 anos na semana anterior. Concluíra pouco tempo atrás o curso de engenheiro agrónomo e iria partir dentro em breve para um estágio de 2 meses na Universidade de Berlim.
 Tinha jogado futebol no clube da sua terra e parecia vender saúde. Mantinha uma actividade física regular na sua Universidade e era vice-presidente da Associação de estudantes do Instituto Superior de Agronomia.
Durante um instante que passa… deixou a vida.
 E uma imensa saudade aos seus familiares e amigos. Que quiseram estar por perto no seu funeral, que constituiu uma enorme manifestação de pesar.
 Na igreja da sua freguesia nunca se tinha visto tanta gente.
 Uma colega, depois da homilia, fez-lhe um emocionado testemunho de despedida, que a todos fez chorar.

O seu caixão, quando saiu da igreja, foi transportado por 6 jovens amigos. Seguido pelos seus familiares mais próximos, passou por cima das capas negras do seus colegas de Agronomia.
 Os pais seguiam-no.
 E logo a seguir o avô, que parecendo atingido por raio, caminhava com dificuldade e olhava para o céu perguntando, sem palavras, o porquê do seu neto partir e ele…ficar.
A multidão ,que saía da Igreja parou momentaneamente, e só prosseguiu depois de as capas negras terem sido retiradas do pavimento pelos colegas do João Pedro Dinis.
Seguiu-se um longo cortejo a caminho do cemitério. Onde ficou o João. A poucas centenas de metros casa dos seus familiares.
Regressámos a casa. 
Passámos pela florista para pagar um ramo de flores que tinha ficado nas mãos de um tio do João, devido à dificuldade em chegar até à campa.
 A florista que ,além de nossa vizinha é pessoa amiga, confidenciou-nos que durante horas e horas tinha feito arranjos de flores para o funeral do jovem. Tinha parado à pouco. Quando se preparava para ir beber um café apareceu mais um cliente.
Queria um bouquet de flores bonito e bem colorido para uma senhora de idade. Quantos anos faz perguntou, por curiosidade a florista.
-Faz hoje 100 anos.
Fiquei sem palavras.
 E voltei a (re)ver a imagem terrível do avô do João Dinis a caminhar tropegamente atrás do caixão do seu neto.
 A questionar,
 mudo,
 o céu.
 Nas esquinas da vida presente que pode ter a duração do instante que passa.
Mas a vida continua.
Momentos antes alguém tinha levado um bouquet de flores bonito e bem colorido para uma senhora de idade.
Que fazia nesse dia 100 anos.

São as esquinas da vida.
Insondáveis.Inacessíveis.
Inexplicáveis.


JERO



terça-feira, 25 de setembro de 2012

M - 432 O AVÔ DA MATILDE


O avô da Matilde, um vizinho especial
Uma das vantagens de ser avô é poder conhecer através dos nossos netos pessoas que, em circunstâncias normais, nos passariam “ao lado”.
Nas férias do mês de Agosto deste ano, em São Martinho do Porto, a minha neta Mariana começou a brincar com a Matilde e daí até conhecer o seu avô foi um instante.
Nas primeiras palavras que troquei com o Avô da Matilde adivinhei que estava na presença de um ex-combatente, o que se confirmou no momento seguinte quando trocámos nomes, idades e interesses…
Ambos tínhamos 72 anos e, no nosso passado, a Guiné dizia-nos muita coisa.
O Carlos Ferreira quando me disse que tinha 2 comissões na Guiné e tinha sido sargento-chefe paraquedista deixou-me …altamente interessado em cimentar a nossa relação. Ficou logo combinada uma conversa para mais tarde. E, no momento, em que passo ao papel estas linhas já tivemos duas ou três conversas, o que já permite fazer o seu B.I., com os seus dados militares.
Carlos Herculano da Silva Ferreira nasceu em Braga em 16 de Dezembro de 1940. Em 4 Maio de 1961, com quase 20 anos e meio, assentou praça na Escola do BA 3- Tancos. Frequentou o 14º. Curso de paraquedistas e foi “brevetado” em Julho desse ano. 
Nos meses seguintes está envolvido em diversas ”diligências”, sendo colocado em Monsanto “para fazer guarda às antenas”, que tinham um papel importante nas comunicações com as nossas províncias ultramarinas. A guerra já tinha então começado em Angola (Fevereiro de 1961).
Regressa a Tancos em 1962 e em 1963 é mobilizado para a Guiné.
 Viaja de Tancos para Bissau num “Skymaster”, integrado de um contingente de cerca de 50 paraquedistas.
 Chega à Guiné em Junho de 1963 e em meados de Janeiro de 1964 integra as primeiras tropas da “Operação Tridente”, que invadem a Ilha do COMO.

Permanece no Como até ao final operação, que termina em 22 de Março.
 E continua na Guiné até Agosto de 1964.
Era então soldado-paraquedista e chefe de equipa.
Regressa à Metrópole e casa em Janeiro de 1965.Frequenta em Tancos o curso de Sargentos.
Em Setembro de 1967, já então como Furriel, segue para Angola, onde cumpre mais uma comissão, até Novembro de 1969 (1ª.Companhia 121).
Mais um regresso a Tancos onde vai permanecer até inícios do ano de 1972.Durante esse período colabora na instrução de 14 “cursos de combate”. Passam-lhe “pelas mãos” centenas de paraquedistas.
Em Fevereiro de 1972 segue de novo para a Guiné em rendição individual. Foi substituir o Furriel Pires, de Setúbal, morto em combate. Cumpre uma comissão muita dura, que vai prolongar-se até 28 de Março de 1974.
Integra muitas operações, passando por Guidage, integrado no 2º.Pelotão da Companhia 112, onde tiveram 4 mortos.
Regressa à Metrópole a tempo de “apanhar” a Revolução de Abril.
 Estava colocado em Tancos quando, em 25 de Abril, é chamado para integrar um grupo de paraquedistas que ,entre várias operações, têm “responsabilidades” junto da sede da PIDE e na prisão de Caxias.
 Encontra então nessa prisão um alto funcionário da Pide que tinha conhecido em Bissau durante a sua última comissão na Guiné.
Segue depois para a segurança do Aeroporto de Lisboa, onde está em serviço durante algumas semanas.
 Mais um regresso a Tancos e, passado algum tempo, é chamado para próximo do General António Spínola.
 Presta serviço na Presidência da República de 1974 a 1977. Em 1979 faz o Curso de Sargento-Chefe e é colocado em Monsanto. 
Passa à reforma em Fevereiro de 1988.
E,à distância no tempo, o que mais o marcou nas suas 2 comissões na Guiné!?
Em relação à primeira comissão ainda hoje recorda as más condições da sua estadia inicial em Bissau.
 Foram 29 dias a dormir no chão debaixo de um alpendre com telhado de zinco. Foi um período em que quase deu em doido e que lhe valeram 10 dias de prisão… «Um cabo de serviço embirrou comigo, saltou-me a “tampa” e ofendi-lhe a mãe». A “porrada” foi despenalizada mas não deixou de a apanhar. «Depois a vida dá muitas voltas e um dia, durante uma operação no mato, tive que o carregar às costas.»
Depois, em Janeiro de 1964, fez parte do pelotão de paraquedistas que integrou os mais de 1.000 homens que fizeram parte do contingente da Operação Tridente,  para a recuperação da soberania da Ilha do Como , ocupada pelo PAIGC desde 1963.
Foram dias muito duros. À distância no tempo recorda um momento para o qual ainda hoje – tantos anos passados -  ainda não encontra uma “boa explicação”.
Já estava no Como há 2 ou 3 dias quando integrou uma “coluna” para entrar no “mato”.Com a floresta à vista  - deslocavam-se “em bicha de pirilau em cima do “separador” da bolanha - e as uns 30 metros da mata ouviu um barulho suspeito. «Era o 4º. da fila e vi um “vigia” deles saltar de uma árvore. Logo a seguir aparece um tipo, fardado de caqui, que nos faz um sinal de “alto”.»
Logo após o salto do“vigia” ficámos no chão e pedimos pela rádio apoio de fogo de morteiro. O inimigo desapareceu e as nossas tropas recuaram.
Que quis dizer aquele gesto de “alto” !?
 Não quiseram fazer fogo, não queriam guerra ? Tinham a “surpresa” do lado deles e não a aproveitaram.
Ainda hoje, 48 anos passados, a cena não se apagou da “sua cabeça” e o enigma mantém-se.
Em relação à “Operação Tridente” não se pronuncia pois a sua crónica está contada e ao tempo - não teve tempo nem espaço, nem informação – que valha a pena acrescentar mais alguma coisa ao que está escrito e …já passou à história.
Quanto à segunda comissão ,que como já foi referido cumpriu em rendição individual, prolongou-se de Fevereiro de 1972 até 28 de Março de 1974.
Das muitas operações em que esteve envolvido recorda especialmente a invasão do Cantanhez.
«A minha Companhia  estava em Teixeira Pinto e veio para Bissau para preparar a operação. Na data prevista fomos hélio-transportados até à orla da Mata do Cantanhez.
 Fui o primeiro militar do primeiro “heli” a saltar.
Era então 2º. Sargento e o meu chefe directo era  o Alferes Silva, que é hoje Coronel. 
A nossa missão consistia em limpar a área para se montar um aquartelamento.
 Estivemos vários dias na zona e fomos atacados durante uma noite. Ao fim de 3 dias o “Caco Baldé” aparece lá e vai falar com o Comandante de Companhia, o Capitão Augusto Martins, que chegou a General.»
Mandaram-se chamar ao Comando porque o General Spínola queria conhecer a mata. «Foi comigo e fomos sempre a falar. No final da visita deu-me os seus parabéns e disse-me que tinha gostado de me conhecer.»
«Foi para mim um dia e uma ocasião muito especial. Que não mais esqueci.»
 Ficámos um mês no Cantanhez.
Tempos depois, numa operação na zona de Babadinca, fomos sobrevoados por um helicóptero.
 Para meu espanto o “héli” baixou e veio aterrar perto dos meus homens. 
O “Caco” vinha a bordo e ,quando me aproximei, perguntou-me se estava tudo bem e se era preciso alguma coisa. Reagi de imediato e pedi-lhe: «Meu General vá-se embora, que me dá cabo da operação.»
- «Se precisares de alguma coisa chama». Acenou-me com o bengali e o “héli”afastou-se.
«Nunca mais esqueci o momento».
«Deixo para o fim a recordação de uma ocasião muito dolorosa e marcante.Um dos meus homens – o 1º.Cabo Melo – ganhou o Prémio Governador da Guiné e teve direito a um período de férias no Continente. Podia ter vindo para Bissau para apanhar o avião para Lisboa mas fez questão de entrar numa operação comigo, porque sabia que fazia falta. Nessa operação foi morto em combate. Em Junho de 1973.
Foi o maior desgosto da minha vida de militar. Andei 8 dias bêbado.»

À distância no tempo…o Avô da Matilde emociona-se e cala-se.
Mais tarde diz-me que lhe fez bem falar.
Daqui para a frente sempre que for a São Martinho do Porto vou tocar à campainha do apartamento do Sargento-Chefe Carlos Ferreira.
 Um vizinho especial.
JERO







segunda-feira, 17 de setembro de 2012

M - 431 ALMA ATÉ ALMEIDA...


De vez em quando…uma viagem ao passado

A primeira paragem foi em Tondela. 
O Belmiro Tavares e a sua mulher, Luísa, tinham partido de Lisboa e deram-me boleia a partir de Alcobaça.
 Para ali chegar já tínhamos andado uns bons quilómetros. Em números redondos cerca de 300.
Entrámos no cemitério e encontrámos a campa do 1º.Cabo Enfermeiro  António da Silva Martins sem dificuldade. 
O Tavares já cá tinha estado anteriormente.
 Eu vi pela primeira vez a sepultura do “Rato”, alcunha por que ficara conhecido por toda sua Companhia – a nossa CCaç.675. 
Em 1970 não tinha resistido a um acidente de motorizada numas fatídicas férias que passou na sua terra natal. Contava 28 anos.
 Anteriormente tinha vivido – ou sobrevivido - em Lisboa, após o regresso da Guiné .
 Na sua humilde sepultura estavam também a mãe e uma irmã (Maria Manuela Silva Martins Neves Antunes – 1946/1998), conforme informação do coveiro, que nos acompanhou na visita. O pai também já tinha falecido e o nosso solícito informador nada mais nos conseguiu dizer sobre familiares do Martins, que estivessem vivos.
Depois do nosso regresso da Guiné em Maio de 1966 os primeiros reencontros entre camaradas da guerra haviam acontecido por causa de casamentos, que aconteceram quase por todo o País. Depois do nosso regresso para a vida o “Rato” fora o primeiro a encontrar a morte.
 Todas estas recordações me passaram pela cabeça enquanto colocávamos a lápide na campa nº. 31 do nosso camarada: PRESENTE /António Martins/ 1º.Cabo Enfermeiro/ Os Companheiros.
Abandonámos o cemitério.
 Antes de sair da cidade visitámos ainda a Igreja Matriz de Tondela.
Continuava a “ver” o “Rato” com o seu sorriso inconfundível, que fazia parte da sua imagem de marca.
 Irreverente, malandro, irresistível no quartel e na tabanca com as “bajudas”, mas valente e desenrascado no “mato”.
 Voltara da guerra sem um arranhão e, dois anos depois, morreu num desastre de viação. Num tempo em que não havia telemóveis a notícia da sua morte chegou-me algo atrasada. 
Felizmente que alguns meses antes tinha-o conseguido levar a casa dos meus pais, em Alcobaça, onde tinha sido tratado como um filho. Esse tempo feliz ficou-me gravado na alma.
Seguimos depois para Freinedo, junto a Vilar Formoso, onde nos deslocámos para honrar a memória de outro camarada: - António de Jesus de Encarnação, que fora 1º.Cabo rádio telegrafista.
Cabe aqui fazer um pequeno parêntesis para recordar que durante a permanência da Guiné (1964-66) tivemos 3 mortos em combate:
 - Furriel Miliciano Mesquita 
-  Soldado Gonçalves e
-  Soldado Nascimento.

 Depois, pela ordem natural da vida, que envolve a morte, “deixaram” a família da CCaç. 675 mais 4 dezenas de camaradas.

 Graças à iniciativa do ex-Alferes Miliciano Belmiro Tavares temos, desde há uns anos a esta parte, vindo a colocar lápides nas suas sepulturas com a mensagem de PRESENTE, que faz jus ao lema da Companhia, que no seu emblema referia “Nunca Cederá”.
Na visita à sepultura do Encarnação, que faleceu em 2008 com 66 anos de idade, tivemos a companhia de uma sua filha, que também reside em Freinedo. Ficámos a saber que o nosso antigo camarada foi emigrante em França, durante grande parte da sua vida.
No dia seguinte cumprimos um “programa” diferente, dedicado aos “vivos”. Fomos ao encontro de 2 camaradas que residem perto de Almeida, uma terra com história e com alma…até Almeida(1).
Como o Belmiro Tavares gosta de dizer fizemos nessa tarde um “mini-convívio” da “675”.
Reencontrámos o António Alberto Nunes Espinha, por alcunha o ”Cara Rota”, e o Silvestre Fernando Verges Flor, que passou à história como o “Aguardente”. Vá lá saber-se porquê !
São agora “rapazes” com 70 anos e a vida marcou-os de maneira diferente. Curiosamente o “Aguardente” afastou-se da dita e passa a imagem de um homem tranquilo, com “as coisas” todas bem arrumadas. Em relação à sua idade actual passou mais tempo em França que em Portugal. Está bem na vida. O “Cara Rota” vê-se que é um homem desenrascado, que conhece bem o solo que pisa e que vive o seu dia …”à sua maneira”. De manhã bebe uns “copos” com uns amigos. À tarde faz “alguma coisa” e, logo que está livre, joga à sueca com uns parceiros habituais. E o tempo vai-se passando.

Espinha, Tavares, Luísa, Flor e JERO
Prometeram comparecer no próximo convívio da CCaç.675, desde sempre marcado para o 1º domingo do mês de Maio de cada ano.
 E já passaram 46 anos desde que o navio “UÍGE” nos transportou de Bissau para Lisboa, onde aportámos em Alcântara em 3 de Maio de 1966.
Para uma próxima “agenda”, a cumprir ainda este ano, temos para entregar as placas do Alferes Miliciano Artur Mendonça(Felgueiras) e do 1º. Cabo Cozinheiro Rogério Romão (Sabrosa/Vila Real).
 O Belmiro Tavares e sua mulher ficaram mais uns dias no “Retiro dos Caetanos”, em Souto Chão (Rocas do Vouga), que foi o nosso” quartel-general”. Grato pela hospitalidade regressei a casa pelos “meus meios” e com a ajuda da Rodoviária Nacional.
 Desta jornada de saudade a recordação mais viva, mais marcante foi a visita à campa do “Rato e ter visto a sua fotografia sumida, esfumada, apagada pelo tempo.
 Encaixada na sua lápide do cemitério de Pinhel.
Que saudades eu tenho do “puto” irreverente da Guiné dos longínquos anos de 1964-66 em Binta,
 na Vila Tomé Pinto !
Desse tempo que não volta e do tempo que corre e…não se detém .

Quanto mais tempo andaremos nesta saga ???
Num dia recordámos os mortos. No dia seguinte confraternizámos com os vivos !!!
Todos nós sabemos que só uma coisa é certa…
 Mas …a nossa amizade NUNCA CEDERÁ.
JERO


(1)- Evoca este grito –“ alma até Almeida” - a importância que teve Almeida, fortaleza que só passou a integrar definitivamente território português no século XIII, com a celebração do Tratado de Alcanizes, na defesa de toda a Beira, face às muitas incursões castelhanas, e a valentia com que os seus guardiões disso fizeram um ponto de honra.