Um Inventário…meio inventado!
Lá longe …como
Comandante de missão Apolo 11 Neil Armstrong pisava a Lua em 20 de Julho de 1969.
Cá por
baixo – muito mais abaixo – o bispo do Porto , D.António Ferreira Gomes,
regressava do exílio. E morria Salazar.
Em pacata localidade
do outro lado da serra chegava à comarca de segunda classe o jovem Delegado do
Procurador da República.
Com apenas 27 anos de idade e 9 meses de experiência
anterior em comarca de 3ª.classe carregava mais interrogações e dúvidas do que
certezas e sólidas convicções.
No seu primeiro dia no
Tribunal foi interpelado por um homem de idade indefinida, de aspecto doentio,
que certamente informado de que ia chegar um novo magistrado não foi de modas
nem se pôs na fila para perguntar pelo seu processo.
«Quando me chama vossa
excelência a declarações».
O Delegado pediu-lhe
que esperasse e chamou o escrivão, para saber de que processo se tratava.
O
Sr.Rodrigues, com muitos anos de tarimba nas lides judiciais, disse-lhe que o
individuo do corredor era o sr.Rafael ,que não tinha nenhum processo pendente
em Tribunal.Sem nada que fazer, sem parentes próximos e com uma doença do foro
oncológico, era visita habitual do
Tribunal onde queria que por força corresse um inventário por morte de sua mãe.
Que já tinha morrido há dezenas de anos.
«O que ele quer é ter um processo»,
rematou o escrivão sr.Rodrigues.
«Pois se não tem
passará a ter». Assim decidiu o novo Delegado.
Convocados o Juiz e os
funcionários da secção, o Conservador do Registo Civil, para as certidões
relativas ao estado das pessoas, o Conservador do Registo Predial, para
certificar os imóveis, e o Notário, todos acordaram, com a prestimosa
colaboração dos respectivos funcionários, na instauração e no acompanhamento do
processo de inventário facultativo, a requerimento do sr.Rafael, logo ali
“nomeado” cabeça de casal. Prestou declarações, juntou certidões, apresentou a
relação de bens, deslocou-se de repartição em repartição. Interrogava com
frequência o Delegado a fim de se informar do estado dos “autos”, como
aprendera e gostava de dizer.
Tinha (finalmente) um
processo!Parecia realizado e feliz.
A doença que o minava
não parava de o minar e um dia chegou a notícia do seu fim.
Foi um alívio no
Tribunal, que não mais teria que o aturar!?
O seu desaparecimento
não constituiu um alívio.
De alguma forma com a sua morte, todos deixaram de
ter “o seu processo”.
Um processo simulado, é certo, feito de documentos
falsos.Mas com entrada dada, autuado e registado, como mandam as regras.Um
processo como os outros.O que reforça a gravidade das “infracções” que
comportava.O decurso do tempo determinou a sua destruição e, para os mais
puristas, fez prescrever os “crimes” que exuberantemente documentava. Aí, o
“processo” estivera ao serviço da justiça !...
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Esta história de vida
aconteceu e o Delegado do Procurador da República desse tempo e dessa comarca
de 2ª.classe de uma pacata localidade do outro lado da serra… chamava-se – e
chama-se ainda hoje - Álvaro Laborinho Lúcio.
Que desempenhou vários cargos na
área da Justiça. Foi director do Centro de Estudos Judiciários e vogal do
Conselho Superior de Magistratura. E Ministro da Justiça, bem como Ministro da
República para a Região Autónoma dos Açores.
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Álvaro Laborinho
Lúcio, que é actualmente Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça na
situação de jubilado, apresentou hoje na Biblioteca Municipal da Nazaré, sua
terra natal, o seu livro “O JULGAMENTO”, destacando entre vários considerandos
a história de vida do sr.Rafael.
Estivemos lá.O seu
livro, que teve 1ª.edição em Outubro de 2012 e 2ª.Edição em Novembro do mesmo
ano(!) tem 535 páginas. Lê-se num sopro.
JERO(29.Dezembro.2012).
PS-O novo livro de Álvaro Laborinho Lúcio, da Leya e D.Quixote, já foi apresentado em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Faro. Chegou a vez agora da sua Nazaré, onde teve casa cheia e muitos amigos...que o tratam por tu. Falou num novo livro sobre gentes da Nazaré que, talvez, venha a lançar durante 2013.
Em nome dos velhos tempos do Colégio do Dr.Cabrita...um abraço de Alcobaça. Zé Eduardo.
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