1º.Congresso dos Combatentes do Ultramar
O artigo I do “regulamento” dizia que o Congresso realizar-se-á na cidade do Porto nos dias 1, 2 e 3 de Junho 1973.
O artigo II tinha várias alíneas e diversos considerandos. Os que mais me sensibilizaram tinham a ver com «…reatar e manter os laços de camaradagem…celebrar os serviços prestados e…procurar resolver os problemas relativos à integração social do combatente.»
Dia 3 de Junho de 1973
Eu estive lá. No Palácio de Cristal-Porto.
38 anos depois…o que retive.
Saí de Alcobaça acompanhado de minha mulher num Citroen de 2 cavalos, que ainda cheirava a novo. Fomos de véspera para estarmos no domingo no Palácio de Cristal. Ficámos num Hotel na baixa do Porto.
Na manhã do dia 3 seguimos para o Palácio de Cristal. Encontrei-me com o Rainho (Angola), com o Freitas (da Guiné) e com o Alves.
Quanto entrei naquele enorme espaço já encontrei uma multidão de ex-combatentes e vi na mesa de honra uma cara conhecida.
Fiz questão de ir cumprimentar o Capitão José Caçorino Dias, que “conhecia” por interposta pessoa. Um seu irmão, que era a sua cara chapada e com quem tinha trabalhado na Sede do B.P. & S.M., em Lisboa .
Caçorino Dias era no meio militar uma figura mítica. Tinha ficado cego devido a uma mina em Angola mas mantinha um porte impressionante.
Ao meio dia assistimos ao hastear da bandeira nacional.
Seguiu-se a missa.
Por volta da uma da tarde cantou-se o hino nacional. Guardo desse momento a lembrança mais forte.
Uma recordação inesquecível.
O Hino. Um coro de mais de 10.000 ex-combatentes. Estávamos de pé junto às mesas .
Cantámos a plenos pulmões. «Contra os canhões marchar, marchar…». Quando acabei de cantar senti uma emoção tremenda.
Fiquei silencioso. Julgo que por alguns minutos.
O almoço começou a ser servido.
Os criados de mesa saiam em fila indiana de uma cozinha distante e iam servindo a sopa. Julgo que caldo verde.
Lembra-me do meu parceiro da frente, que devia estar cheio de fome, ter comido a primeira colher de sopa com uma mão e ter limpo as lágrimas que lhe corriam cara abaixo com a outra mão.
Nunca mais esqueci aquele gesto simultâneo de emoção e controle.
Eu tive que esperar mais algum tempo até conseguir engolir a primeira colher de sopa. Tinha um nó na garganta que tive que engolir …antes da sopa.
Sempre que a pátria decreta, vem-nos de Deus o recado.
Seguiu-se um convívio de que guardo uma memória confusa. A meio da tarde iniciei o regresso a casa. Que estava a mais de 200 kms.
- E Veste-se cada poeta, De soldado.*
No passagem por Coimbra um engano grave. Entrei em sentido contrário numa rua que pensei que desse acesso à ponte. Fui mandado parar por um agente da P.S.P.
«Como é que você faz uma coisas destas?».
Reconheci de imediato o meu erro e disse-lhe que conhecia mal Coimbra.
Vinha do Porto do Congresso dos Combatentes do Ultramar. Trazia na cabeça o meu “quico”do camuflado e conservava ainda na camisa o crachat identificativo do Congresso.
Ainda me lembro do sorriso cúmplice do polícia quando me mandou seguir em paz.
...Ele também tinha andado por lá.
Mas a cena das lágrimas é que nunca mais esqueci.
Porquê? Não sei explicar.
Sob o signo do sangue todo o céu se descerra - Ó povo incessante, fardado, mal ferido!...
Uma mão para limpar as lágrimas silenciosa, que escorriam pela cara abaixo, e a outra para levar de imediato a boca, a colher de sopa .
Foi o Alves. Filho de um Sargento da GNR, que tinha cumprido serviço militar São Tomé e Príncipe. Durante 36 meses.
É preciso adiar o enterro da terra, Ir ao centro do Sol de certezas vestido.
Eu estive lá. No Palácio de Cristal-Porto. Em 3 de Junho de 1973. Passaram quase 38 anos.
- A nossa geração... andou na guerra.
Por isso perseguimos a paz .
JERO
*”Vestiram-se os poetas de soldados”, antologia seleccionada e prefaciada por Rodrigo Emílio, expressamente compilada para o 1º.Congresso Nacional dos Combatentes.
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