terça-feira, 9 de março de 2010

M210- AINDA O DIA DA MULHER...

A caixa de Pandora...
Ou um poema panteísta contra a misoginia...
No Dia Internacional da Mulher

(Para a minha mãe, Maria,
para a Alice,
para a Joana,
para todas as mulheres do nosso blogue,
para todas as mulheres de Portugal e da Guiné-Bissau,
para todas mulheres do mundo)


Os deuses criaram a primeira mulher,
e puseram-lhe o nome de Pandora.
Diziam os gregos antigos que fora por castigo,
como presente envenenado,
oferecido aos homens,
a quem Prometeu, o titã, tinha dado o fogo,
roubado aos céus.

Na sua fabricação,
à imagem e semelhança dos deuses,
trabalharam Hefesto e Atena,
sob as ordens do próprio Zeus,
e com o auxílio do resto do Olimpo.

Cada divindade se esmerou
e lhe deu uma qualidade:
a graça,
a beleza,
a meiguice,
a paciência,
a compaixão,
a persuasão,
a generosidade,
a inteligência emocional,
a sensibilidade,
a sensualidade,
o sexto sentido,
a graciosidade na dança,
a arte da sedução,
o erotismo,
o talento para a cozinha,
a destreza para os trabalhos manuais,
o amor maternal…

Porém Hermes, o pérfido,
inoculou no seu coração
o vírus da traição e da mentira.

Zeus, o colérico e vingativo pai dos deuses
e de todas as demais criaturas,
mandou então a sua obra-prima
para a terra,
qual cavalo de Tróia.
Epimeteu, irmão de Prometeu, estava por este avisado:
- Do céu nunca virá nada de bom!
Nunca aceites nenhum presente divino…

Deslumbrado com a sua beleza,
Epimeteu tomou Pandora como esposa.
Em casa, ele tinha uma misteriosa caixa
que outrora lhe enviara o céu.
Pandora fora instada a nunca a abrir,
em circunstância alguma.
Mas a curiosidade feminina foi superior às suas forças.
Outros dizem
que era o seu dote de casamento.

… Lá dentro, na caixa de Pandora,
estavam todos os males e todas as doenças,
incluindo a peste (a pior das doenças),
que haveriam de afligir a humanidade,
até ao fim dos séculos dos séculos…

Mas, no fundo da caixa, ficou ainda
um resto do recheio,
o único elemento que não se chegara a libertar,
porque Pandora, assustada,
ainda conseguira fechar a tampa,
na última fracção de segundo …
E esse elemento era… a Esperança,
disfarçada de mal !

Apesar do erro irreparável,
Pandora vai permitir aos homens,
empunhar com orgulho o archote de fogo
que lhes dera Prometeu,
manter acesa a luz ao fundo do túnel,
manter vivo esse outro fogo do conhecimento e da paixão,
dominar alguns dos piores males
que estiveram prestes a destruir a humanidade,
conquistar o direito ao futuro,
lutar contra a doença e a morte,
alimentar a esperança,
combater o fatum, a condenação ao absurdo,
levá-los, enfim, aos seres humanos
a superar as limitações da sua condição animal...

Com Pandora, não somos definitivamente criaturas divinas,
nem obras-primas da criação,
somos assumidamente seres livres,
humanos,
frágeis,
vulneráveis,
mortais,
bons e maus,
mas donos do nosso destino.

Com Pandora, tornámos irrisórios os deuses,
libertámos criadores e criaturas,
deixámos a sub urbanidade do Olimpo,
humanizámos a vida,
hospedámo-nos no sistema solar,
começámos a escrever a história,
ganhámos a terra como nossa casa,
conhecemos a vertigem e o sabor
da aventura da liberdade...
Pandora não é a fonte de todos os males,
não é o pecado original,
é afinal “a que tudo dá",
em grego.
Com Pandora somos fogo e estopa,
mas já não vem o diabo... e assopra!
Para quê o diabo,
se voltámos a ter, de volta,
a caixinha de Pandora,
agora domada e explicada às criancinhas,
e outrora mortal brinquedo dos deuses ?

Luís Graça


Luís Graça, fundador, administrador e editor do blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, que recentemente atingiu 1.500.000 de páginas visitadas em 6 anos de existência.

Natural da Lourinhã (a "capital dos dinossauros"), mora em Alfragide, é sociólogo do trabalho e da saúde, doutorado em saúde pública, professor na Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, em Lisboa... Casado, com a Alice Carneiro. Dois filhos: Joana Graça, psicóloga e ilustradora, e João Graça, médico e músico. Fez a guerra colonial na Guiné (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Na fotografia dois ex-combatentes da Guiné, ambos naturais do Litoral-Oeste.Luís Graça da Lourinhã e JERO, de Alcobaça,que se vieram a conhecer e a tornar-se amigos 40 anos depois da guerra... por causa dos blogues.

1 comentário:

  1. Uauuuuu!
    Bom texto. Não conhecia tudo.
    Bom Blog, sempre com muita informação...
    BJO

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