O Comboio Americano
Para agilizar a expedição das madeiras do pinhal decidiu-se, no ano 1856, proceder a estudos para a abertura de uma via rolante desde o Pinhal de Leiria até S. Martinho do Porto. Em 1857, o Administrador Geral das Matas regozijava-se pela aceitação por parte da tutela do caminho de madeira por ele idealizado, assim como da ordem de construção de dois iates (baptizados pelo nomes de Marinha Grande e Valado).
Esta linha com 36 km de extensão partia de Pedreanes (depósito de madeiras serradas) e tinha estações de muda na Martingança, Valado dos Frades, Mouchinha e S. Martinho, onde o gado repousava.
No trajecto de retorno, os vagões eram atestados de areia e pedra na Martingança para abastecer a Fábrica Nacional de Vidros. A reduzida durabilidade dos carris de madeira, leva à sua substituição por elementos de ferro em 1861.
O comboio americano era constituído por nove vagões de carga e um de passageiros e a sua tracção dependia de parelhas de gado bovino. O percurso tinha a duração prevista de oito horas. O trânsito dos vagões decorria entre a segunda-feira e o sábado, disponibilizando-se uma junta por cada vagão.
As fontes notariais elucidam-nos sobre a natureza das condições contratuais estabelecidas entre os concessionários da linha e os boieiros que, com o seu gado, se vão encarregar da deslocação dos vagões entre a estação do Valado, o Pinhal do Santíssimo e o Casal do Bispo.
Num contrato estabelecido para o ano de 1862 acorda-se o serviço de cinco boieiros (provenientes das localidades de Valado e Cela Velha). Apenas um deles ocupava os seus animais em permanência, alternando os restantes carreiros o gado no serviço. A remuneração da junta de gado por vagão é fixada em 390 réis. Já num contrato firmado no ano sequente, ficamos a saber que Maria Carvalha, boieira de profissão, tinha de apresentar na estação do Valado seis bois todas as segundas, quartas e sextas-feiras, sendo o frete anual das madeiras entregue a quatro boieiros. Esta escritura mais pormenorizada estipula “que cada junta será obrigada a puxar somente um vagão ganhando em cada dia trezentos e cinquenta reis”. Cada falta ao serviço tinha como contrapartida a indemnização de 5.000 réis. Idêntica quantia se comprometia a pagar o concessionário da linha, caso os vagões, por algum imprevisto, não comparecessem na estação. Por motivo de doença, o boieiro podia recorrer aos companheiros que nesse dia não tivessem serviço.
As madeiras provenientes das matas de Alcobaça eram exportadas em toros por falta de engenhos hidráulicos aplicados na serração. Num estudo sobre a economia do concelho e suas potencialidades de desenvolvimento, intitulado Alcobaça. Melhoramentos Industriais (1861) refere-se que ”a maior parte das madeiras até agora vão por serrar. A pouca que submetem a esta operação é serrada a braços por homens que ganham 400 réis diários”. Nesta obra lastima-se a falta de iniciativa no aproveitamento do motor hidráulico na serração de madeiras. Propunha-se a instalação de um engenho de serrar nas quedas de água da Fervença. Segundo os autores do estudo, esta queda oferecia uma potência de 50 cavalos, o que correspondia aos gastos de 616 toneladas de carvão anuais para accionar uma máquina de serrar a vapor com capacidade equivalente.
O único engenho hidráulico de que temos conhecimento na área geográfica dos Coutos estava localizado na Cerca de Dentro do Mosteiro.
Na escritura de arrendamento do Moinho da Praça, celebrada a 16 de Junho de 1828, previa-se a redução da renda no caso em que a deslocação de parte do caudal da levada, para fazer funcionar o “engenho da madeira”, inutilizasse alguma mó do moinho. Mas este engenho de serrar já estava inactivo em 1838. No aforamento que o notável Francisco Pereira da Trindade faz à Câmara Municipal do moinho da Praça, sublinha que o contrato só será exequível desde que a Câmara lhe garanta a posse e a servidão das águas e que no local em que trabalhava o engenho não se venha a instalar outro ofício similar. O actual foreiro relembra que a laboração do engenho prejudicou, em grande medida, os anteriores rendeiros e que, por esse motivo, as pensões chegaram a ser reduzidas para um terço do valor estabelecido.
As madeiras carreadas pelo comboio americano dependiam das condições do Porto de S. Martinho. A Câmara de Alcobaça, corria o ano de 1859, apresenta uma diligência junto da Câmara de Deputados para que se proceda a melhoramentos portuários urgentes. Na defesa do projecto argumenta-se que as obras são imperiosas, caso contrário, dentro de dez anos as areias inutilizam a barra “e parecerá grande disparate se ter feito um caminho-de-ferro, em que se gastaram 120:000.000, para um porto onde não há meio de embarcar a madeira do pinhal de Leiria”.
António Valério Maduro
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