domingo, 7 de março de 2010

M208-GESTÃO INOVADORA DO MOSTEIRO PRECISA-SE

A gestão do Mosteiro de Alcobaça

Alcobaça poderia ganhar se o Estado partilhasse a gestão do seu Mosteiro com os órgãos vivos locais.

Por que há medo de o fazer? Falta de políticas culturais com dimensão social e de confiança nas populações, ou seja, nos portugueses, eles mesmos?

Alcobaça começa por ser daqueles que a habitam e que, melhor do que ninguém, a sabem valorizar. Uma gestão inovadora do seu Mosteiro pressupõe mudanças de mentalidade ao nível do poder central, começando, desde logo, por se atribuir maior autonomia e capacidade de decisão, que significa sempre assunção de responsabilidades, em matéria de gestão cultural e patrimonial efectiva, para aqueles que, efectivamente estão perto do monumento.

Quem o diz é o historiador Saul Gomes [1]num recente comentário a um artigo de opinião de Rui Rasquilho, antigo Director Mosteiro de Alcobaça que, com a devida vénia, transcrevemos do “Tinta Fresca”(postagem de 5 de Março de 2010)


Rui Rasquilho[2] dixit

1- Uma história quase alegre para começar

Pede-me o atento órgão de informação Tinta Fresca um comentário sobre o Mosteiro de Alcobaça, Monumento Nacional e integrante das listas do Património Mundial da UNESCO, tal como o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo em Tomar e o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.

De todos eles, apenas Alcobaça foi construído e acolheu a ordem de Cister fundada em França, em 1098.

Apesar das fases de construção do Monumento de Alcobaça serem inúmeras, em todos os séculos houve obras significativas, não será impróprio dizer-se que há dois grandes momentos no edificado monástico.

No período medieval construiu-se o núcleo visitável hoje em dia e a partir do século XVI e até ao início da guerra civil ergueu-se o núcleo não visitável e hoje o mais abandonado a nível de conservação por não ter uso conveniente.

É uma verdade incontestável que um edifício sem uso fica à mercê de um acelerado processo de degradação. Elísio Summavielle, que foi director do IGESPAR até às últimas eleições, afirmava sem complexos ao jornal Expresso, à jornalista Alexandra Carita, que “abandonámos os nossos monumentos há vinte anos” para declarar mais adiante que em “ três anos o parque patrimonial nacional terá a cara lavada.”

Sendo hoje secretário de Estado da Cultura, lugar que considero bem entregue e sabendo que Summavielle considera e bem, o património como área transversal, acredito em mudanças com o estímulo único de haver 55 milhões de euros do QREN para aplicar até 2013.

É agradável verificar que todas as propostas que a anterior direcção fez estão a ser cumpridas pelo IGESPAR: “recuperação” dos túmulos de Pedro e Inés, iluminação do relicário da Sacristia Nova; telhados da ala norte e do relicário; instalações sanitárias para o publico e para os funcionários; o problemático centro de interpretação que vejo com muitas reservas; recuperação em várias abóbadas e planos para os telhados da Biblioteca, escadas e corredores de acesso que estão em situação de doença grave. Até os vidros para a Sala dos Monges vão vir com cinco anos de atraso.

O que vi do jardim do Claustro do Silêncio parece-me um projecto em todo contrário ao espírito do lugar. Sem pôr em causa o traço do paisagista, tenho sérias dúvidas se deveria ser este o modelo, mas diga-se que ninguém se vai preocupar com a solução encontrada. Felizmente, a direcção anterior não considerou nunca esta mudança claustral prioritária num edifício com tantas gangrenas e sem dinheiro para as curar antes da amputação.

Fiel à observação com a qual iniciei o artigo que me foi pedido pela direcção do jornal, iniciei no final de 2006 contacto com os grupos hoteleiros, devidamente autorizado pela direcção do ainda IPAAR.

Vários grupos manifestaram interesse em serem concessionados pelo Estado. Um deles fez um estudo de mercado, elaborou um pré-projecto e apresentou-o no IGESPAR numa reunião onde esteve presente o anterior presidente da Câmara Municipal. Havia dinheiro privado para avançar.

Deveria ter sido preparado um concurso internacional, mas tal não ocorreu.

Refira-se que contrariamente ao que se diz por manifesto desconhecimento, a UNESCO defende a reocupação de espaços em projectos de conservação integrada.

Acresce que há técnicos responsáveis que julgam haver ainda celas nos antigos corpos do edifício, destinados a dormitórios monásticos. Felizmente, o actual secretário de Estado, conhece bem o estado actual dos edifícios à volta dos Claustros dos Noviços e da Biblioteca (Rachadouro) e di-lo: “o espaço expectante não aberto ao público por não ter interesse arquitectónico que justifique a visita(...) já sofreu alterações na traça original” e acrescenta “ está a ser analisada uma reutilização e a hotelaria é uma das várias hipóteses” (Jornal Público, 24 de Maio de 2009, Alexandra Prado Coelho).

A solução “hotel” foi estudada, planeada e após um sério estudo de mercado, um grupo privado entre outros interessados, apresentou no IGESPAR e na presença do então presidente da Câmara, o pré-projecto do que seria um dos modelos a ser presente a um concurso internacional. Acrescente-se que, tal como o arquitecto Byrne propôs em 1998, que o Jardim do Obelisco seria tratado como espaço público e os edifícios espúrios da lavandaria, refeitório e cozinha do antigo lar demolidos.

Há 35 anos que se procura uma solução de conservação integrada para os espaços da 2ª fase, edificados entre o séc. XVI e o inicio da Guerra Civil.

Tem razão a ministra Canavilhas quando defende deverem as direcções de monumentos e museus terem perfil de gestão ou quando refere direcções bicéfalas para melhor os gerir. Técnicos transformados em directores parece um caminho tíbio.

A governança de espaços culturais devera ter também vocação empresarial.

Gostaria ainda de me referir à Casa-Museu Vieira natividade para defender o projecto que, desde que conheci o espólio Natividade, sempre defendi. A Casa-Museu deve conservar naturalmente a sua fachada principal original, ser retirado o seu miolo para ampliar o edifício pelo quintal até à rua que o separa do Armazém das Artes, para criar um amplo espaço útil expositivo.

Este espaço interior deverá ser concebido por forma a albergar o espólio de forma rotativa e aliciante. Se o município de Alcobaça se responsabilizar por esta operação e gestão futura, poderemos vir a ter um eixo cultural desde o Museu Nacional do Vinho, passando pelo museu da cerâmica, restauração e hotelaria no Rachadouro, Mosteiro medieval como museu da Ordem de Cister, Casa-Museu e Armazém das Artes.

Aguarda-se o grande debate sobre o futuro.

2.Uma historia quase triste para terminar.

No mês passado, a hora incerta e com algum pudor, os camiões começaram a chegar, descarregaram paletes e arcas, papéis coloridos, livros preciosos e muito material lítico e exposições, ou o que delas sobrou.

As salas do piso térreo do Claustro do Rachadouro, foram alindadas de branco, uma gambiarra de lâmpadas corre-lhes agora o centro.

A carga acomodou-se nas salas, vinda de Lisboa, de onde veio o asilo da mendicidade há muitos anos. O índice de humidade das salas térreas está nos 100% , mas nada importa se o espaço é gratuito.

Durante anos por aqui ficará este espólio sem ninguém que o conserve. Nos andares de cima, os pombos e o vento guardarão os corredores abandonados, as janelas continuarão sem vidros e a água da chuva e a caca dos pombos irão atapetando os vastíssimos corredores do hotel abandonado, da universidade decadente, do museu exangue.

[1] Saúl António Gomes

Professor Associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Instituto de Paleografia e Diplomática
Na
Área de Actividade Científica é
Docente de Paleografia e Diplomática, Codicologia, Sigilografia e História da Idade Média.

[1] Rui Rasquilho
Membro do ICOMOS- Unesco e um dos amigos do Mosteiro de Alcobaça

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