segunda-feira, 9 de julho de 2012

M - 427 MEMÓRIAS DA MEIA IDADE


ANTI-CONSTITUIONAL
A recente decisão do Tribunal Constitucional ,que tanta tinta fez (e fará) correr ainda, fez-me lembrar uma história de vida, que me aconteceu já lá vão uns bons anos.
Só para situar melhor o momento actual, recordo que, em passado recente, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade da suspensão do pagamento dos subsídios de férias ou de Natal a funcionários públicos ou aposentados.
 O TC considerou que o corte de subsídios inscrito no Orçamento do Estado para 2012 "não se faz de igual forma entre todos os cidadãos na proporção das suas capacidades financeiras", tendo assim sido violado o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
É aqui que “eu vou saltar no tempo” e recuar a meados  dos anos 90 para contar a tal história que a recente situação do Tribunal Constitucional fez “despertar” no meu “arquivo de memórias”.
Por casamento ganhei direito a ter férias “institucionais” na praia de São Martinho do Porto, no Litoral Oeste. A minha mulher herdou de uma sua avó uma casa, onde aliás tinha sido criada até aos 12 anos, e as férias de Verão passaram a ser nesse prédio, situada a meia centena de metros do longo areal da “Concha Azul”. Por ter relações pessoais com uma das senhoras que alugava barracas na zona mais central da praia não foi difícil à minha mulher arranjar uma “barraca” na 8º.fila,logo após a entrada no areal.
Começámos a ficar por ali desde 1970 e na nossa fila tínhamos como vizinhos “certos” e habituais desde marqueses, a grandes capitalistas ligados a empresas de Camionagem, engenheiros, doutores  e…a família Vale de Azevedo.
Era notório que “aceitavam” a nossa presença com alguma condescendência, que só se “atenuou” quando a minha mulher começou a levar apetitosos lanches para os nossos filhos, que também chegavam para “reforçar a dieta” dos filhos das “elites”, que brincavam na nossa fila. A 8ª. dos paus vermelhos, no zona mais central da praia.
Também quando perceberam que eu era “comercial” de uma Fábrica de Porcelanas da região e que poderia “tirar” uns serviços de chá ou café com 25% desconto, a nossa popularidade junto dos vizinhos da “alta finança” cresceu mais um pouco.
 Os anos foram passando e o João Vale Azevedo, que viria a ser Presidente do Sport Lisboa e Benfica, conversava cordial e simpaticamente comigo e “ajudava-me” a ler os jornais que eu comprava. «O vizinho empreste-me aí “A Bola”», acontecia com freequência.
 Benfiquista assumido já nessa altura  fazia grandes discursos sobre o “Benfica à Benfica “ e “um escudo é um escudo”.
Era advogado e lembro-me que, durante algum tempo       ( entre 1981 e 1983), foi assessor jurídico do primeiro-ministro de Portugal Francisco Pinto Balsemão. .
 Foi das primeiras pessoas a ter um telemóvel na nossa fila de barracas e quando atendia – ou fazia uma chamada – saía da barraca para “se fazer ouvir” e ser visto.
 Dava de facto nas vistas mas era sem dúvida uma pessoa simpática, que também me dava “a honra” de jogar a bola com ele e seus amigos na praia. Por acaso a bola era minha mas era-me solicitada com a maior delicadeza e lá íamos jogar quando a maré estava vazia…e o cabo-do-mar estava longe. Porque, tal como hoje, era proibido jogar a bola na praia.
 Um dia o jogo estava tão animado – jogávamos normalmente uns 7 contra 7 – que fomos “apanhados” em flagrante pelo cabo-do-mar. Que parou o jogo e apreendeu a bola, porque era proibido jogar na praia.
 O que ele foi fazer !!! O Dr.Vale Azevedo interpelou-o e, em alta voz, disse-lhe que o que ele estava a fazer era “anti-constitucional”.
 Não podia aprender a bola! E foi tão peremptório na sua argumentação que o cabo-do-mar devolveu a bola e, com “o rabo entre as pernas” – salvo seja - afastou-se.
Nunca mais esqueci este incidente e a grande ”lata” do Dr.João Vale Azevedo.
Julgo que nos anos seguintes a esta cena foi Presidente do Benfica- de Outubro de 1997 a Novembro de 2000 - e daí para a frente…a sua história é conhecida.
 Ainda me lembra de o ver na baía de São Martinho do Porto com o seu iate “Lucky me”…

Até desaparecer por completo, sendo de vez quando notícia do jornais, como aconteceu recentemente devido a alguns problemas em Londres, onde tem vivido desde 2006.
Continuamos vizinhos de barraca de seus pais, irmã, cunhado e sobrinhos que são, aliás, pessoas muito simpáticas.
Ainda vi durante alguns o tal cabo-do-mar que nos tinha confiscado a “minha” bola e que há muito deve estar reformado.
 Com um bocado de jeito e, eventualmente, como pensionista, também lhe calhou o “corte” anti-constitucional dos subsídios de férias e de Natal.
Cá se fazem e …cá se pagam.
JERO


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