ANTI-CONSTITUIONAL
A recente decisão do Tribunal Constitucional ,que tanta tinta fez (e fará) correr ainda,
fez-me lembrar uma história de vida,
que me aconteceu já lá vão uns bons anos.
Só para situar melhor o momento actual, recordo que, em passado recente, o Tribunal
Constitucional declarou a inconstitucionalidade da suspensão do pagamento dos
subsídios de férias ou de Natal a funcionários públicos ou aposentados.
O
TC considerou que o corte de subsídios inscrito no Orçamento do Estado para
2012 "não se faz de igual forma entre todos os cidadãos na proporção das
suas capacidades financeiras", tendo assim sido violado o princípio da
igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
É aqui que “eu vou saltar no tempo” e
recuar a meados dos anos 90 para contar
a tal história que a recente situação do Tribunal Constitucional fez “despertar”
no meu “arquivo de memórias”.
Por casamento ganhei direito a ter férias
“institucionais” na praia de São Martinho do Porto, no Litoral Oeste. A minha
mulher herdou de uma sua avó uma casa, onde aliás tinha sido criada até aos 12
anos, e as férias de Verão passaram a ser nesse prédio, situada a meia centena
de metros do longo areal da “Concha Azul”. Por ter relações pessoais com uma
das senhoras que alugava barracas na zona mais central da praia não foi difícil
à minha mulher arranjar uma “barraca” na 8º.fila,logo após a entrada no areal.
Começámos a ficar por ali desde 1970 e na
nossa fila tínhamos como vizinhos “certos” e habituais desde marqueses, a
grandes capitalistas ligados a empresas de Camionagem, engenheiros,
doutores e…a família Vale de Azevedo.
Era notório que “aceitavam” a nossa presença
com alguma condescendência, que só se “atenuou” quando a minha mulher começou a
levar apetitosos lanches para os nossos filhos, que também chegavam para “reforçar
a dieta” dos filhos das “elites”, que brincavam na nossa fila. A 8ª. dos paus
vermelhos, no zona mais central da praia.
Também quando perceberam que eu era
“comercial” de uma Fábrica de Porcelanas da região e que poderia “tirar” uns
serviços de chá ou café com 25% desconto, a nossa popularidade junto dos
vizinhos da “alta finança” cresceu mais um pouco.
Os
anos foram passando e o João Vale Azevedo, que viria a ser Presidente do Sport
Lisboa e Benfica, conversava cordial e simpaticamente comigo e “ajudava-me” a
ler os jornais que eu comprava. «O vizinho empreste-me aí “A Bola”», acontecia
com freequência.
Benfiquista assumido já nessa altura fazia grandes discursos sobre o “Benfica à
Benfica “ e “um escudo é um escudo”.
Era
advogado e lembro-me que, durante algum tempo ( entre 1981 e 1983), foi assessor jurídico do primeiro-ministro de Portugal Francisco Pinto Balsemão. .
Foi
das primeiras pessoas a ter um telemóvel na nossa fila de barracas e quando
atendia – ou fazia uma chamada – saía da barraca para “se fazer ouvir” e ser
visto.
Dava de facto nas vistas mas era sem dúvida
uma pessoa simpática, que também me dava “a honra” de jogar a bola com ele e
seus amigos na praia. Por acaso a bola era minha mas era-me solicitada com a
maior delicadeza e lá íamos jogar quando a maré estava vazia…e o cabo-do-mar
estava longe. Porque, tal como hoje, era proibido jogar a bola na praia.
Um
dia o jogo estava tão animado – jogávamos normalmente uns 7 contra 7 – que
fomos “apanhados” em flagrante pelo cabo-do-mar. Que parou o jogo e apreendeu a
bola, porque era proibido jogar na praia.
O
que ele foi fazer !!! O Dr.Vale Azevedo interpelou-o e, em alta voz, disse-lhe
que o que ele estava a fazer era “anti-constitucional”.
Não
podia aprender a bola! E foi tão peremptório na sua argumentação que o cabo-do-mar
devolveu a bola e, com “o rabo entre as pernas” – salvo seja - afastou-se.
Nunca mais esqueci este incidente e a
grande ”lata” do Dr.João Vale Azevedo.
Julgo que nos anos seguintes a esta cena
foi Presidente do Benfica- de Outubro de 1997 a Novembro de 2000 - e daí para a
frente…a sua história é conhecida.
Ainda me lembra de o ver na baía de São Martinho
do Porto com o seu iate “Lucky me”…
Até desaparecer por completo, sendo de vez
quando notícia do jornais, como aconteceu recentemente devido a alguns
problemas em Londres, onde tem vivido desde 2006.
Continuamos vizinhos de barraca de seus
pais, irmã, cunhado e sobrinhos que são, aliás, pessoas muito simpáticas.
Ainda vi durante alguns o tal cabo-do-mar
que nos tinha confiscado a “minha” bola e que há muito deve estar reformado.
Com
um bocado de jeito e, eventualmente, como pensionista, também lhe calhou o
“corte” anti-constitucional dos subsídios de férias e de Natal.
Cá se fazem e …cá se pagam.
JERO
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