A
mulher que se “matou” à minha frente…
Teria na altura 15 ou 16 anos.
Frequentava o antigo
5º.ano do Liceu e voltava para casa depois de um dia rotineiro.
Até a
Professora de Inglês nos tinha ameaçado com o “8” habitual – as notas eram
então de 0 a 20 – porque não estudávamos nada, porque eras uns cábulas, etc,
etc.
Quando cheguei à ponte junto da casa do Dr.Neves vi muita gente a correr e
a gritar. Apressei o passo e quando me foi possível ver alguma coisa tive a
surpresa de ver uma jovem mulher que tinha saltado da ponte para o rio.
Tinha
água pela cintura mas caminhava em direcção à represa, para águas mais
profundas.Adivinhava-se que era um acto de desespero e que a mulher se queria
afogar!
Os minutos seguintes ficaram-me gravados na memória.
Até hoje. E já passaram mais de 50 anos.
Toda a gente gritava. Toda a gente apontava para a
mulher e esperava que o “outro” fizesse alguma coisa…Eu, miúdo do 5º.ano.,
perguntava-me porque ninguém fazia nada e…ia arranjando argumentos para não me
sentir “culpado”. Afinal estavam ali ao meu lado homens feitos…Era preciso dar
um salto de uns 2 a 3 metros de altura para o rio e impedir que a mulher se
afogasse. Lentamente a mulher, agora já debaixo da ponte, caminhava para a
morte. Mais gritos, mais braços no ar e …ninguém fazia nada. A mulher parou. Só
tinha a cabeça fora de água. Parecia não olhar para ninguém.
E de repente
…alguma coisa mudou. Os gritos dirigiam-se agora para um homem que ,vindo de um
armazém próximo, com escadas que davam para o rio já estava dentro de água. Os
gritos agora eram de entusiasmo e de ânimo. “Força pá. Agarra-a, agarra-a”. O
homem, seguindo encostado à margem, aproximou-se rapidamente da mulher e
conseguiu agarrá-la, retirando-a da zona mais profunda. Foi um momento
emocionante com os “mirones” a aplaudir.
De um minuto para o outro toda a gente
arranjou coragem para dizer que estava mesmo à beira de saltar e que ninguém
deixaria a jovem mulher morrer…
Também fiz qualquer “negócio” comigo mesmo
…para me libertar da sensação de culpa.
Falou-se depois que o acto de desespero esteve “ligado”
a um desgosto de amor.
A jovem mulher nunca mais foi a mesma.
Ficou solteira
para a toda a vida e vive sozinha.
Continuo a vê-la na sua rua, parecendo quase
sempre alheada do mundo e a falar sozinha.
Uma irmã e o cunhado garantem-lhe o
sustento.
Vejo-a muitas vezes a dar de comer aos pombos.
Recentemente
tirei-lhe uma fotografia. Nem me viu. Ainda é uma mulher bonita.Com os cabelos
completamente brancos. Usa sempre um chapéu.
Não fala, não vive.
Continua a
olhar para longe.
Da mesma maneira que a recordo no dia em que saltou para o
rio.
Não mais esquecerei aqueles minutos.
Senti necessidade
de escrever esta história de vida. Para lhe pedir desculpa…
Julgo que o
empregado dos armazéns junto ao rio que a salvou…já partiu. Também lhe quero
agradecer.
Agarrou-a nesse dia longínquo.
E já passaram mais de 50
anos.
Mas a mulher sem o “seu” amor… não mais quis viver.
Amanhã estará no
sítio do costume a dar de comer aos pombos.
Bem me apetecia passar por perto e dizer-lhe alguma coisa.
Mas o quê?
Há-de ocorrer qualquer coisa...
Até sempre!
JERO
Olá,e boa madrugada.
ResponderEliminarLi com muito interesse esta história, muito bem contada, que me prendeu até à ultima palavra.
História sem um fim feliz,a provar que nem sempre o tempo passando tudo cura. A esta Senhora a vida deu-lhe espinhos, que a dilaceraram irremediávelmente.
Foi há muito tempo. Apetece-me dizer "ai como era diferente o amor em Portugal..." (parafraseando a ceia dos cardiais)
Saudações, Dilita.
Olá Dilita
ResponderEliminarComo sabe as madrugadas são o "bom tempo" para se reviver o passado.Agradeço o seu comentário a uma "História conVida" que não é romance de ficção.Antes fosse.
Até sempre, JERO