sábado, 29 de agosto de 2009

M21 - VIAGENS NO TEMPO

VIAGEM NO TEMPO 1

1922 – Uma primeira pedra…

Diz-se de alguns livros que,depois de terem sido publicado, está tudo dito.

O assunto de que trataram está esgotado! Não se pode fazer melhor.

Os seus autores foram tão brilhantes que… não vale a pena voltar ao tema.

Em relação a “Alcobaça” já o ouvimos referir (por pessoas de grande valor intelectual) que, depois do “SEIVA SAGRADA”, de Pedro G. Barbosa e Maria da Luz Moreira - editado em Março de 2006 pela Associação dos Agricultores da Região de Alcobaça - já não há mais nada a escrever sobre… Alcobaça. Já lá está tudo.

No que respeita a São Martinho do Porto o livro “A BAÍA DE S.MARTINHO DO PORTO – Aspectos Geográficos e Históricos”, com coordenação de Maria Cândida Proença e Edição Colibri/Associação de Defesa do Ambiente de S. Martinho do Porto, em Abril de 2005, está também nesse invejável patamar.

Por razões várias, nomeadamente familiares, somos um apaixonado por S. Martinho do Porto e lemos (e relemos), sem nunca nos fatigarmos, o “tal livro” que teve a coordenação de Maria Cândida Proença e cujos autores foram Virgínia Henriques, Iria Gonçalves, Manuela Santos Silva, Paula Lourenço, Luís Silva e António Ferreira Lamas.

Em passado recente num sub capítulo designado por “Os grandes projectos falhados”, algumas linhas, a páginas 122, pareceram-nos familiares e responderam (finalmente) a uma interrogação que já nos acompanhava há alguns meses. Mas não nos queremos adiantar ao “cerne” da questão…

O que está escrito a páginas 122: «… Em Setembro de 1922, a Ilustração Portuguesa noticiava que, em S. Martinho do Porto, fora dado um chá a bordo do torpedeiro Ave, na ocasião de ser lançada a primeira pedra para um monumento a erigir, comemorativo do glorioso feito da travessia aérea do Atlântico.
Na ocasião do lançamento da primeira pedra do singelo monumento, um padrão de homenagem a Gago Coutinho e Sacadura Cabral, o Bispo de Leiria rezou missa nas ruínas da Capela de Sant’Ana, junto da qual se iria localizar o monumento, projecto de Perfeito Magalhães.
A cerimónia contou com a presença do Ministro da Marinha, oficiais de terra e mar, muitas senhoras e muito povo. A capela iria em breve ser reconstruída. Apesar desta cerimónia, também este projecto não vingou e as ruínas da capela vão-se degradando progressivamente.»
Voltando um pouco atrás é agora tempo de pôr o leitor ao corrente da “interrogação” que trazíamos “em carteira”.

O nosso amigo e colega dos tempos do Colégio do Dr. Cabrita, o advogado de Alcobaça, António Vergas Alexandre, tinha-nos emprestado uns documentos que referiam a “tal” primeira pedra de 1922 mas… a notícia ficava por aí.

Havia “início” mas não havia “fim” para a história.

A nossa interrogação em relação ao Monumento a Gago Coutinho e Sacadura Cabral estava finalmente respondida.

Afinal a“pedra” de 1922 tinha sido… a primeira… e única.

Reproduzimos seguidamente os documentos do nosso amigo Vergas Alexandre que afinal só confirmam como o livro “A BAÍA DE S.MARTINHO DO PORTO – Aspectos Geográficos e Históricos”, está no tal patamar de “excelência”.

O artigo da Ilustração Portuguesa (2ª. Série, Nº.866, de 23 de Setembro de 1922) era assinado por M.Duarte Lopes, sendo os “Clichés” da responsabilidade de Foto-Palace.

Não resistimos à tentação reproduzir a parte final do artigo de M.Duarte Lopes em português rebuscado, próprio da época, mas sem dúvida saído de uma pena inspirada. Escrevia-se então assim: «Tarde em fóra, o sol não longe do ocaso, realizou-se a cerimónia comovente do lançamento da primeira pedra do padrão de gloria racica – projecto de Perfeito de Magalhães que, em linhas simples, conseguiu evocar a magestade do vôo temerário dos hodiernos argonautas.
O venerando antistite da cidade do Liz pronunciou palavras de patriotismo e crença; transportou-se ao tempo das caravelas de audácia e gloria, e evocou a época distante em que Portugal pairava n’uma ambição de justo poderio… O representante do Governo, o comandante Couceiro, reforçou, comovido, as palavras do principe da Egreja e, na sua eloquência serena, em que vibraram o amor pátrio e a fé nos destinos de Portugal, ergueu também, como que um hino de esperanças, emprestando mais realce ainda àquela emocionante festa de patriotismo e crença.»

E chegamos ao fim desta viagem do tempo.

O monumento da “gloria racica” não se concretizou mas São Martinho do Porto não deixou de homenagear Carlos Vilhena GAGO COUTINHO e Artur Freire SACADURA CABRAL.

A “pedra” de 1922… acabou por não se perder inteiramente e poderá estar a “amparar” as placas das “Ruas” com os nomes dos imortais heróis da 1ª. Travessia aérea do Atlântico Sul, entre Lisboa e Rio de Janeiro.

JERO

VIAGEM NO TEMPO (2)

Guiné: uma diligência interrompida porquê?

«... No dia 29 de Junho de 1973, sábado, surgiu o inesperado: três helicópteros são detectados em aproximação à pista e simultaneamente uma mensagem faz saber que está a chegar o General Spínola.

Havia já vários meses que nenhum meio aéreo tinha sido visto em Cuntima (aquartelamento junto da fronteira norte da Guiné com o Senegal), excepto para raras acções de evacuação consequência das medidas preventivas contra a utilização do míssil terra-ar pelo PAIGC.

… A aterragem dos helicópteros foi festa.

General Spínola

Para mim encarei com certa apreensão a visita do Comandante-Chefe.
A (anterior) Operação Guidage, embora já tivesse dado origem a referências especiais e muito elogiosas, não estava para mim terminada. Aguardava a oportunidade para explicações e não me tinha preparado para a discussão que previa fosse muito dura.

Eis senão quando o Comandante-Chefe desembarca sorridente… dispensa o questionário que lhe era habitual nas visitas aos comandos operacionais e… pediu apenas para ficarmos a sós no gabinete do comandante de companhia.

… No tom mais cordial que imaginar se possa contou-me o que tinha sido a sua acção desde que chegara à Guiné, nos contactos com o Presidente Senghor, os contactos com os comandos do PAIGC nos tempos de Amílcar Cabral e as suas diligências na interferência da escolha do próximo Secretário Geral do PAIGC , cuja eleição ia ocorrer dentro de dias.

… Muita novidade para mim. Porquê esta abertura? Porquê esta abordagem de temas tão secretos, comigo que não pertenço ao tal círculo?

Regresso a Bissau

… Fiquei meio atónito quando o General, que continuava bem humorado, se despediu de todos e regressou a Bissau.

Sempre considerei que em matérias classificadas, não se deve fazer pressões nem usar habilidades para conhecer mais do que aquilo o superior entenda poder e dever dizer. Por isso não fiz perguntas… mas não encontrava explicação para esta visita nem resposta para as perguntas que a mim próprio punha. A dúvida mantinha-se no meu espírito.

Agente de Informações

… Mas eis que no dia seguinte, 30 de Junho, domingo, cerca do meio-dia me procura um indivíduo fula, não guinéu, que eu conhecia desde que assumira o comando do sector por contactos estabelecidos em Farim. Era um agente de informações com nome de código Padre, ao que se sabia pertencente ao Front da Guiné-Conakri e com especial aceitação no Comando-Chefe.
… Tinha formação de curso superior e falava apenas em francês e fula. Era bastante culto e muito correcto no trato. Em obediência ao meu princípio de respeito pelo serviço de informações, fui, a pouco e pouco, ganhando a sua confiança e até a sua amizade.

Mensagem relâmpago

Foi por força desta mútua confiança que ele agora me procurou e pediu que fizesse uma mensagem relâmpago par Bissau solicitando a presença do General Spínola nesse dia, ali em Cuntima, para um contacto com alguns dirigentes do PAIGC.

Pareceu-me, agora, perceber o que se passara na véspera.

Acedi ao pedido.

Por volta das 14.00 horas é recebida a resposta de Bissau. Pretendia o Comandante-Chefe explicações de pormenor.

Fez-se, rapidamente novo texto, um pouco mais explícito.

Cerca das 16.00 horas vem a resposta à segunda mensagem: aquela hora já não se podia fazer a deslocação porque o regresso não era possível antes da noite e os helicópteros não estavam preparados para isso.

Foi um balde água fria para o agente;… era, segundo dizia, todo o esforço perdido, o seu crédito junto do PAIGC abalado e, provavelmente , a impossibilidade de preparar um novo encontro. Não escondia o seu nervosismo. Pedia-me que o ajudasse, mas não concretizava a ajuda que queria.

… - Acha que eu posso substituir o General –perguntei em tom jocoso por supor que não tinha sentido resposta afirmativa.

- Mas o coronel vai? É que eu não me atrevia a pedir, mas é mesmo essa a única hipótese de salvar a situação criada pela recusa do General Spínola.

… - Nós estamos proibidos de contactos deste género mas porque confio em si aceito ir.

800 metros para lá do marco nº.104…

… Eram cerca de 18.00 horas. Chamei o Capitão Vale e expus-lhe resumidamente o que se passava.

Recomendei-lhe que no final do jantar enviasse dois grupos de combate para os lados da fronteira na missão habitual de segurança afastada… a missão teria por finalidade actuar contra qualquer emboscada de que eu viesse a ser vítima e, se necessário, desenvolver uma acção de retaliação.

O Capitão Vale... entendeu rapidamente e perguntou-me apenas se o autorizava a acompanhar-me.

Disse-lhe que sim.

Simulámos ir à caça, montámos numa viatura e seguimos pela estrada cerca de 800 metros. Depois apeámos e dirigimo-nos ao marco nº. 104 da fronteira.

Encontro no Senegal

Aguardámos. Passados alguns minutos vem alguém do outro lado, de bicicleta, informar que o interlocutor está dentro do Senegal, receia vir até nós e solicita que nos desloquemos nós.

… A noite estava cerrada. Na nossa frente viam-se luzes de uma povoação senegalesa, já próxima. Caminhávamos em silêncio. Chegámos ao local indicado…cerca de um quilómetro dentro do Senegal, quando se notou a aproximação de um automóvel que parou a duas centenas de metros. Saíram dois indivíduos que se dirigiram a pé para nós.

Era o interlocutor.

O agente fez as apresentações e eu estendi-lha a mão – o que, segundo soube mais tarde, o sensibilizou muito. Tratava-se do representante pessoal do Comandante Geral das forças do PAIGC.

Proposta… para uma Guiné melhor

- Não venho tratar de assunto pessoal nem de grupo restrito. Trata-se sim de um problema que diz respeito a todos os combatente do PAIGC. Andamos já há dez anos nesta luta. Somos agora menos do que quando começámos.
Actualmente não nos entendemos com o escalão político: eles são cabo-verdianos e comunistas; nós somos guinéus, combatentes e não comunistas. Desejamos apenas uma Guiné melhor. Já chegámos à conclusão de que, sozinhos, não somos capazes de o fazer, mas sê-lo-emos convosco.
A nossa proposta é muito simples: em dia e hora que se combine acaba a guerra, nós seremos integrados nas forças da Guiné, sem recriminação nem vingança; e depois, juntos, faremos a Guiné melhor. Tudo isto tem que ser combinado em curto espaço de tempo e com o maior segredo, porque se for descoberto antes do tal dia e hora terei a mesma sorte que outros companheiros meus já tiveram.

A caminho do Palácio do Governo em Bissau.

Regressámos alvoroçados. Teríamos nós o privilégio de ser os intermediários e os primeiros intervenientes num processo que levaria a um próximo fim da guerra com honra para ambas as partes?

Mal dormi, ansioso pela madrugada, pelo regresso a Farim, pelo avião dessa 2ª. feira que me levaria a Bissau, pelo encontro com o General Spínola.

Em 18.50 horas do dia 1 de Julho de 1973 quando cheguei ao Palácio do Governo em Bissau.O Capitão Ayala, ajudante do Governador, atendeu-me. Disse-lhe que tinha urgência em falar com o General Spínola. Os minutos contavam, o que ajudou a ultrapassar algumas dificuldades.
O General recebeu-me de imediato.

A conversa não começou bem quando lhe dei conhecimento que tinha ido ao contacto que estava preparado para ele.

- Então o senhor não sabe que proibi todos os contactos, não sabe o que aconteceu aos três majores ? Atalhou o General irritado ,levantando-se e crescendo para mim.

Mantive-me sentado, cruzei as pernas e retorqui:

- Sei e até era muito amigo de dois deles, mas entendi que era meu dever ir e fui.

- Espere lá, mas afinal você esta aqui; conte lá.

E sentou-se para ouvir o resumo que lhe fiz da conversa e das propostas do interlocutor do PAIGC.

O General voltou a levantar-se, agora com entusiasmo, abraça-me ao mesmo tempo que diz.

- Mal sabe o alto serviço que acaba de prestar à Nação!

- Ainda bem. Estou feliz por isso.

Dirige-se ao telefone ,liga para Lisboa e e ouvi-lhe dizer o seguinte:

- Alas? (era o chefe da DGS em Bissau) Está bem?. Tome o avião amanhã e venha aqui.

O General agradeceu-me de novo. Vai sair para uma reunião mas faz questão que o acompanhe ao jantar no Palácio.

Na 3ª.feira regressei a Farim onde poucos dias depois pude observar, por duas vezes, a passagem dos helicópteros que transportavam interlocutores que deviam dar continuação aos contactos de Cuntima.

Substituição do General Spínola

Em Agosto entrei de licença. Na metrópole soube da substituição do General Spínola pelo General Bettencourt Rodrigues. Fui à tomada de posse deste último. Ouvi os discursos e pareceu-me que estavam em dissonância com tudo o relatado, o que me surpreendeu. Regressei à Guiné. Já em Bissau pedi audiência ao novo Comandante–Chefe. Abordei o caso e tive a resposta que me surpreendeu: não sabia de nada.

O agente que tinha preparado o encontro em Cuntima, manifestou-me, em Farim, o seu desgosto por se aperceber de que tudo voltara ao princípio. Não entendíamos o porquê da viragem, que era notória.

O responsável pelo 25 de Abril

Um dia, no bar do Estado Maior do Exército, já em 1976, contava o caso a uns camaradas, dado que a manutenção do segredo já não tinha razão de ser. O então Major Monge estava ao meu lado e certamente ouvindo o meu relato… interrompe-me e diz:

- Afinal foi o meu coronel quem provocou o 25 de Abril.

Fiquei atónito. Mas imediatamente me veio à memória que tinha lido dias antes uma informação do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (o então General Costa Gomes) para o Governo (do Dr.Marcelo Caetano) segundo o qual para Portugal era preferível na Guiné um desastre militar a uma solução negociada…
Porquê?

António Vaz Antunes (Coronel de Infantaria)
Mafra, Abril de 1987

Esta “Viagem no Tempo” não é ficção. É baseada em factos reais.

É apresentado em forma de “opúsculo”, que me foi oferecido pelo General Vaz Antunes .O resumo jornalístico é da minha responsabilidade.

JERO

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