O TIBÚRCIO
À distância no tempo recordo um “homem feito” que dormia
na rua e que fazia a sua higiene matinal numa “fonte” situada aos pés da
estátua de São Bernardo…
Na vila o Tibúrcio era muito conhecido. Não por ser político ou
jogador de futebol mas ,por à sua
maneira, estar sempre bem visível na rua...e por todo o lado!
Na aldeia onde nasceu poucos
teriam o que precisavam e o caso dele não foi excepção. Pior do que isso, o
Tibúrcio saltara para a vida sem as defesas suficientes e rapidamente se
integrou nos desprotegidos da sorte. E deu tanto “nas vistas” que alguém, bem
intencionado, o meteu num asilo de mendicidade.
“Ajuda” que não resultou.
Como “ave de campo não quer
capoeira”, logo ao segundo dia, o Tibúrcio fugiu para bem longe, só regressando
alguns meses mais tarde, depois de lhe terem garantido que não teria de voltar
para o que considerava pior do que a cadeia.
O que, diga-se em abono verdade, não era
mentira nenhuma.
Pelo tempo fora, foi vivendo incertamente, amigo dos
gatos e dos cães, com os quais
compartilhava escassos pães ou minguadas sopas que algumas almas generosas lhe abonavam.
Trabalho ou ofício
fixos nunca teve porque não aceitava cumprimento de horários .Já referimos que
não era ave de capoeira…
Mas não era
preguiçoso .
Chegou mesmo a montar caixa
de engraxador junto a uma Farmácia da
vila (a Farmácia Campeão) mas, por vezes, acontecia que um ou outro cliente saía com peúgas e
sapatos engraxados por igual… E, vá lá saber-se porquê, esse bónus não agradava
à generalidade das pessoas. Optou pois por fazer recados.
Porque o Tibúrcio não
mendigava, limitava-se a oferecer a sua força de trabalho.
Também não explorava ninguém, porque não
fazia preço aos serviços que prestava, aceitando sempre, com um sorriso, a retribuição,
em espécie ou dinheiro, que lhe fosse dada.
Quando a paga era boa, ala para o Beco do Grilo, onde numa
tasca “à maneira” matava velhas sedes, até ficar um pouco zonzo. Depois,
deambulava pelas ruas, fazendo confidências às paredes, quando não calhava
arguir asperamente uma porta mais inchada de riquezas .
«Era habitual o Tibúrcio passar pelo meu local de
trabalho para saber se eu precisava de
tabaco. Por vezes, encomendava-lhe um maço que me trazia de
imediato, o troco sempre certo. A paga era um cigarro, quase sempre acompanhado
duma moeda. Por vezes, em dias de maior generosidade, pedia-lhe que trouxesse
um pacote e dava-lhe um dos maços. Com um sorriso, mas sem subserviência, com a
consciência de quem recebia o justo pagamento do seu trabalho, agradecia e ia
embora, sem lamúrias.
Numa das suas visitas que
coincidiu com a véspera de Natal, encomendei-lhe um pacote de maços de SG Gigante. Quando o Tibúrcio chegou, abri
cuidadosamente o pacote, tirei um maço,
abri-o, separei dois cigarros, acendi um para mim e dei-lhe o outro,
acendendo-lho também, enquanto lhe fazia sinal para que se sentasse um pouco.
Depois de algumas palavras sobre o tempo, o Natal e a vida, abri a carteira,
tirei uma nota de cinquenta escudos e, com palavras de circunstância, que não
recordo, entreguei-lhe a nota e o pacote com todos os restantes dezanove maços
de tabaco.»
O Tibúrcio não contava com
tamanha generosidade e terá sentido ali um pouquinho da amizade de que precisava
para respirar.
Então, começou a soluçar e, de imediato, chorou copiosamente,
sem recear estragar o contentamento que o invadira.
« Depois, retomando a pouco e
pouco a tranquilidade, durante uma hora diferente e boa, contou-me a longa
história da sua vida, uma vida de gente habituada às pequenas coisas, humildes
e silenciosas.»
Viveu ainda alguns anos.
«Nunca deixou de ser quem era mas
a mim encheu-me de contentamento o convívio com ele, até que, finalmente,
chegou o seu dia e descansou. »
Aquilo que perdemos nunca mais
nos é devolvido.
« Quando perdi o Tibúrcio senti que também perdia aquele
Natal.»
À distância no
tempo , já um pouco desvanecido na bruma da distância, não o esqueço . É só
passar pela “fonte” situada aos pés da estátua de São Bernardo… e lá está ele!
JERO
(com a
devida vénia ao meu amigo Timóteo de Matos, o homem dos 19 maços de SG Gigante, que me contou grande parte da História conVida do Tibúrcio)
Serve apenas para ensaiar...
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