sexta-feira, 8 de outubro de 2010

M 304 -AINDA A PRIMEIRA REPÚBLICA...

Nascimento e morte da 1ª República

O pensamento republicano filia-se na corrente esquerdista do vintismo, na ideologia setembrista e como matriz na tríade da liberdade, igualdade e fraternidade proclamada pela Revolução Francesa.
A monarquia, nas palavras de Fernando Rosas, tinha-se tornado um regime inadaptado face às mudanças de finais do século XIX, nomeadamente a industrialização, a urbanização e a terciarização da sociedade.
O Ultimatum Britânico constituiu um momento de vexação colectiva e a partir deste episódio a monarquia constitucional só podia agonizar.
 A bem orquestrada campanha republicana acusava a Monarquia de todos os problemas da Nação: incapacidade de assegurar a integridade colonial, essencial, no seu entender, para o ressurgimento de Portugal; da bancarrota económica e financeira; da dívida externa; da balança comercial negativa; da fragilidade das forças armadas; do despesismo clientelar; da falta de educação da população (cerca de 80% de analfabetos), em suma do subdesenvolvimento gritante do país.
O sistema político-partidário (o célebre rotativismo) encontrava-se sem soluções governativas para os graves problemas nacionais.
Os republicanos contestavam o sistema censitário (baseado na tributação) que privava o cidadão comum de direitos políticos perpetuando o liberalismo oligárquico e a própria raiz anti-democrática da monarquia ao colocar hereditariamente no trono um cidadão superior pela dignidade do nascimento e unção divina.
Como bandeiras ideológicas o republicanismo abraça a secularização, o laicismo e o anti-clericalismo.
 As primeiras medidas são exemplificativas deste ideário. A ampliação e modernização das funções do Estado de direito provocam as primeiras fontes de litígio com a Igreja.
 É o caso da lei de Dezembro de 1910 que torna o casamento civil obrigatório e o Decreto de 18 de Fevereiro de 1911 que declara a obrigatoriedade do registo civil de nascimentos, casamentos e óbitos.
 Mas o diferendo maior verifica-se com a lei de 3 de Novembro de 1910 que estabelece o direito ao divórcio e a celebérrima lei da Separação do Estado das Igrejas de 20 de Abril de 1911.

 Com esta lei, Afonso Costa, entre outras medidas, nacionalizava a propriedade da Igreja, proibia o ensino religioso, instituía comissões cultuais a quem competia organizar e fiscalizar o culto, proibia o uso de vestes talares, procissões e outras manifestações religiosas que pudessem alterar a ordem pública... O radicalismo da primeira figura do PRP acaba por lançar o regime emergente em permanentes guerras intestinas.
A promessa tão aclamada do sufrágio universal cai por terra. A explicação republicana é simples. A concessão de voto ao povo iletrado da província dependente dos caciques monárquicos e da influência clerical consubstanciava uma forma de suicídio político para a jovem República. O decreto de14 de Março de 1911 (alargado em 5 de Abril), que revoga a Lei Eleitoral de 1901 (vulgo, a "Ignóbil Porcaria”) concede o direito de voto a todos os portugueses maiores de 21 anos (não especificando o sexo) que saibam ler e escrever, ou que, não o sabendo, sejam chefes de família há mais de um ano. Apenas uma mulher conseguiu romper o cerco e votar, essa mulher foi Carolina Ângelo, militante feminista e republicana.
Para Portugal poder escapar à vertigem da decadência tinha de reformar o seu sistema educativo, alfabetizar o povo e educar as elites. A crença republicana assentava arraiais no poder da Pedagogia e nas virtudes da escola gratuita, laica e obrigatória, como projecto messiânico e civilizacional. Só assim se podia produzir o cidadão e trazer dignidade à sociedade e à Pátria. Para o efeito, criam-se as Escolas Normais para formar professores primários, o ensino técnico, as Universidades de Lisboa e Porto e os Institutos de Agronomia e Veterinária.
A vertente social, a República concede o direito à greve, decreta o descanso semanal obrigatório ao Domingo para todos os assalariados, reduz o horário de trabalho, torna obrigatório (depois de muita discussão parlamentar) o seguro de acidentes de trabalho, o seguro social obrigatório na doença, invalidez e velhice, assim como fomenta a construção de bairros sociais, cozinhas económicas, jardins-escola, asilos.
Mas cedo o PRP envolve-se em lutas fratricidas levando ao seu posterior desmembramento. A separação de águas entre radicais e conservadores coloca a tensão política ao rubro mostrando, de forma nua e crua, que o cadinho republicano é diverso; ao afastamento e marginalização dos intelectuais republicanos desiludidos com a guerrilha político partidária e a abjecta partilha de lugares fazendo do público um direito privado, junta-se o afastamento dos heróis da Rotunda, como Machado dos Santos.
Por seu turno, os apoios conquistados na província vão sofrer uma forte erosão com o polémico decreto de 4 de Maio de 1911 sobre o imposto predial, gravame para a lavoura que leva a que José Eduardo Raposo de Magalhães abandone desiludido o cargo de Governador Civil do Distrito de Leiria.
A República delapida gradualmente a base social de apoio, utilizando punhos de ferro contra a mole de operários e os homens das artes e ofícios que deram o corpo e a alma pela revolução. Aos inimigos tradicionais (monárquicos e clericais) somam-se os republicanos conservadores que pugnam pela reposição da ordem social, o povo urbano que exige melhores condições de vida... A 1ª Grande Guerra vai constituir uma hecatombe e provocar a degenerescência política do regime. Os governos sucedem-se e os problemas sociais e financeiros acumulam-se.
A falta de credibilidade do regime que leva à solução militar e ao advento do Estado Novo. Não se pode falar de II República, como sustenta Amadeu Carvalho Homem, dado que os valores e princípios republicanos estão ausentes da doutrina salazarista ao defender soluções anti-liberais, anti-democráticas e anti-parlamentares, ao impôr o monolitismo das ideias, ao fazer do aparelho de Estado uma estrutura repressiva violando todas as liberdades fundamentais. Como defende Braga da Cruz, o Salazarismo foi na sua essência uma ditadura de governo, administrativa e burocrática.
A democracia plena só foi alcançada a partir do 25 de Abril de 1974. Mas estas conquistas têm obrigatoriamente de ser consolidadas para não vivermos num simulacro de democracia ou numa democracia oligárquica. A ética e valores da República são hoje mais do que necessários, num tempo em que os escândalos públicos se avolumam, as redes clientelares partidárias gangrenam a democracia e a descrença na bondade do regime começa a tomar conta dos cidadãos.

António Valério Maduro

2 comentários:

  1. A República (Uma outra visão)
    (continuação)
    A República fez com que Portugal se tornasse mais pobre porque o clima de instabilidade política e de violência assustou os industriais e os banqueiros, travando os investimentos e dizimando os poucos embriões de um Portugal moderno que existiam no princípio do século XX.
    Na segunda metade do século anterior o país tinha conhecido efectivamente um certo desenvolvimento, tendo surgido um grupo de industriais e banqueiros com espírito capitalista - Alfredo da Silva, Burnay, Sotto Mayor, etc. - que prenunciava a entrada de Portugal nos tempos modernos. Ora estes embriões de um país desenvolvido foram dizimados no tempo da I República, levando o país a andar para trás.
    Perante um quadro tão negro, Salazar, quando subiu ao poder, tinha tudo para vencer. Bastava-lhe fazer exactamente o contrário do que fizera a República, ou seja: restabelecer a ordem pública e a autoridade do Governo, equilibrar o Orçamento, normalizar as relações com a Igreja. Salazar só não restaurou a Monarquia porque, embora sendo monárquico, viu que isso não era decisivo e ia criar uma polémica desnecessária.
    Além disso, Salazar percebeu que, à falta de uma classe empresarial, tinha de concentrar no Estado o desenvolvimento do país. Finalmente, substituiu o internacionalismo republicano, assente em ideias importadas de fora, por um nacionalismo intransigente.
    Com estas ideias e uma grande eficácia na acção, Oliveira Salazar teve logo de início um apoio popular enorme. O que se percebe. No próprio ano em que assumiu a pasta das Finanças (1928) equilibrou as contas públicas e recusou um empréstimo da Sociedade das Nações, considerando as condições humilhantes para Portugal. Por isso foi designado o mago das Finanças.
    E rapidamente restabeleceu a ordem pública, tornando Portugal de facto um país de brandos costumes. É certo que o fez à custa de uma Polícia Política execrável, da proibição dos partidos, da censura à imprensa e do mais que sabemos. Mas, para termos uma ideia comparativa, durante o período que durou o Estado Novo foram mortos ou morreram na prisão 50 militantes do PCP (o partido mais fustigado pela PIDE). Isto, note-se, em 48 anos. Ora este número de mortos era frequentemente alcançado numa só noite, nas constantes revoltas que marcaram o tempo da I República.
    O prestígio de Salazar ainda aumentaria quando, no princípio dos anos 40, evitou a entrada de Portugal na II Grande Guerra. Aí, tornou-se um Santo. E, mais uma vez, fez o contrário do que tinham feito os republicanos: onde estes tinham mandado os soldados para a Flandres, mal equipados e pior armados, para servirem de carne para canhão, ele seguiu o caminho oposto - e não só optou pela neutralidade como convenceu o vizinho Franco a fazer o mesmo. E em plena guerra na Europa ainda arranjou forças para organizar em Lisboa a grande Exposição do Mundo Português (1940).
    Da fugaz I República ficaram pois, quase exclusivamente, as boas intenções. A intenção de educar o povo, de proteger o povo, de contar com o povo. Mas esse mesmo povo abandonou a República no primeiro momento, talvez pensando que de boas intenções está o Inferno cheio.
    Isto também explica que a República tenha durado uns escassos 16 anos, enquanto o período seguinte (1926-74, dominado por Salazar entre 1928 e 1968) durou uns longos 48 anos, ou seja, três vezes mais.
    Tudo somado, pode dizer-se que a I República não deixou saudades. E se hoje se comemora com tanto fervor é mais por razões ideológicas - e porque no poder está o partido que herdou a tradição republicana, o Partido Socialista - do que pelas virtudes que mostrou.

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  2. A República (Uma outra visão)
    Os republicanos não faziam a menor ideia do que era governar, criando todas as condições para o aparecimento de um Messias.
    As comemorações do primeiro centenário da República, em que esta é apresentada como a salvação de um país envolto no mais negro obscurantismo, criarão nos espíritos menos avisados a ideia de que a I República foi um mar de rosas.
    Ora não pode haver ideia mais enganadora.
    O regime republicano, em lugar de salvar Portugal, mergulhou-o numa crise profundíssima, criando todas as condições para o aparecimento de um Messias.
    Os republicanos e os seus sucessores detestam Salazar. Ora Salazar não surgiu do nada. A subida de Salazar ao poder e o seu longuíssimo consulado explicam-se pelo estado desgraçado e caótico em que a I República deixou o país.
    Do ponto de vista económico, do ponto de vista financeiro, do ponto de vista da ordem pública, do ponto de vista do prestígio do Estado, em suma, de quase todos os pontos de vista, a República foi uma autêntica calamidade.
    Comecemos por um tema pouco abordado, até por ser incómodo: a violência.
    A partir de meados do século XIX, a violência parecia definitivamente afastada da vida política portuguesa. Depois das desgraças da guerra civil e dos tumultos militares da primeira metade do século, Portugal parecia ter entrado na rota da acalmia e do progresso. Mas a República, de mãos dadas com a Maçonaria e a Carbonária, trouxe a violência de volta. A coisa começou em 1908, com o assassínio do Rei e do príncipe herdeiro. O 5 de Outubro nem foi violento - e a Monarquia caiu quase sem sangue. Mas a partir de 1915 é que foram elas. Nesse ano deu-se a revolta que depôs Pimenta de Castro e fez mais de 100 mortos, depois foi o atentado contra o chefe do Governo João Chagas, os assaltos aos estabelecimentos em Maio de 1917 que provocaram mais de 50 vítimas, a Leva da Morte, o assassínio de Sidónio Pais, a Noite Sangrenta com as suas rondas da morte e o massacre de alguns fundadores da República desiludidos com o regime como António Granjo, Machado Santos e Carlos da Maia - isto sem contar com um sem-número de revoltas que provocaram mortos e feridos e em certos períodos atingiram um ritmo semanal.
    E, como ponto alto deste período marcado pela violência civil e militar, temos a famosa carnificina da Flandres, que custou ao país 15 mil mortos de jovens na flor da idade, mandados para a frente de combate pelo fervor ideológico de Afonso Costa e seus companheiros.
    Perante este quadro negro, o movimento militar de 28 de Maio e a ocupação do poder pela tropa, e sobretudo a subida de Oliveira Salazar à chefia do Governo, seis anos depois, foram recebidos com um suspiro geral de alívio. Finalmente o país tinha paz!
    A República fundou-se em duas ideias, ambas erradas: que as causas do atraso de Portugal estavam, em primeiro lugar, na existência de uma Monarquia, e em segundo lugar na influência da Igreja Católica.
    Ora, que a existência de uma Monarquia não impedia o progresso, provava-o o facto de países avançados como a Inglaterra, a Bélgica ou a Holanda não precisarem de depor a Coroa para se desenvolverem.
    Mas os republicanos só tinham olhos para França e acreditavam piamente que Portugal era atrasado porque tinha um Rei - o qual protegia os padres, que tinham uma influência nefasta sobre o povo.
    Assim, a primeira coisa que os republicanos fizeram, depois de deporem a Monarquia, foi perseguir a Igreja, confiscar-lhe os bens, acabar com o ensino religioso e, de uma forma geral, afastar a Igreja Católica da área do poder e influência.
    Só que, depois de terem feito tudo isso, os republicanos concluíram com angústia que o país não se desenvolvia, pelo contrário, definhava. Ou seja, verificaram que o país não era atrasado por causa do Rei e dos padres mas por outras razões.

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