TEMPO DE VIVER
Corre-me o tempo
por entre os dedos da mão.
Solta-se-me a vida,
num sopro,
num suspiro do coração.
Faz-se-me pensamento,
uma qualquer louca ideia,
trazida por um qualquer vento.
Abre-se-me o sorriso,
talhado por machada aguçada,
sobre os meus lábios fechados.
Encontra-me a paz,
num perfeito,
e prolongado abraço,
porque já pude escrever,
o que me foi no coração,
em noites de não saber,
se me feria o bruto aço,
de recordação magoada,
ou a memória esquecida,
do que não queria esquecer.
Mas será que perceberam,
que eu já andei perdido,
à procura do meu nada,
em noites de terrível insónia,
a suar o já suado
medo que me atormentava,
num tão recente passado,
feito de longas esperas,
atrás de árvores deitado,
de alguém que por ali passasse
apenas para ser “acabado”?
Mas será que entenderam,
as horas amargas passadas,
em matas que não conhecia,
e que nada tinham a ver,
com o Pinhal de Leiria?
Mas será que compreenderam
que coisa medonha é a guerra,
que se agarra ao nosso ser,
toma-nos conta da vida,
faz parte do nosso dormir,
chora-nos quando acordados,
e persegue-nos para sempre,
até nos darmos à terra?
Eu sei que é muito difícil
a quem não viveu assim,
perceber o medo entranhado,
vencido pela coragem,
que mais parece loucura,
do que atitude segura,
que nos imprime uma marca,
tão invisível,
mas presente,
que faz os outros pensarem
o que fez tão louca,
esta gente!
Que linguagem é esta,
que brota dos nossos lábios,
incompreensível aos outros.
As palavras são as mesmas,
mas têm um significado
que só nós podemos entender.
E por vezes,
oh, coisa estranha,
vem misturadas com outras,
palavras “arremedadas”,
dum português africano,
precisas para perceber,
aqueles que connosco estiveram,
lá longe, tão longe,
que já não os podemos ver.
Tens que te adaptar,
força-me a vida,
julgando ser fácil esquecer,
aquilo que não quero lembrar.
Ou talvez queira,
sei lá eu bem,
nesta vida em turbilhão,
em que não me reconheço,
perdido na multidão.
Fecho as mãos,
fecho os dedos,
com força,
até doer,
para que o tempo não escape,
ao tempo que ainda tenho,
e que tenho de viver,
pelo menos numa homenagem,
àqueles que “vi” morrer.
JOAQUIM MEXIA ALVES
Depois da Guiné, à procura de mim
Monte Real, 2 de Agosto de 2010
Joaquim Mexia Alves
O tempo presente (1)
In blog "Luis Graça e Camaradas da Guiné"-Postagem 6961.
Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 6 de Setembro de 2010:
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