sexta-feira, 7 de junho de 2013

M- 449 MEMÓRIA DE UM REGRESSO ...

3 de Maio de 1966

Esta memória que agora recupero tem 47 anos!

Tem a ver com a minha chegada a Lisboa depois de cumprir 2 anos de serviço militar na Guiné.
O desembarque aconteceu em 3 de Maio de 1966.

Dos 5 dias da viagem de regresso quase nada recordo.
O que recordo como mais marcante foi o momento em que entrei dentro do «UÍGE» ainda no Cais de Bissau.

Nesses tempos entre o Cais e o navio havia umas boas dezenas de metros a percorrer, distância que era feita numa pequena lancha a motor. 
Terei sido dos últimos a embarcar às voltas com um caixote que trazia com coisas pessoais .
O caixote era grande, difícil de transportar e, devido à ondulação, quase me caiu à água quando finalmente consegui agarrar a escada do portaló, que nos permitia subir a bordo do navio.
Lembro-me do grande alívio que senti quando finalmente entrei no navio e «pisei» terreno seguro.
Depois… segue-se um vazio na minha cabeça que, não é total, porque tenho fotografias desses tempos.
Quando tempos depois organizei o meu álbum de fotografias coloquei na mesma página uma foto à partida e uma foto do regresso. Foi impressionante constatar como dois anos tinham mudado tanto os traços fisionómicos da nossa gente. Miúdos à partida e homens feitos na viagem de regresso.
E não regressaram todos. Faltaram o Soldado Ap. Met. Augusto Gonçalves (morto em 29.Julho.1964), o Fur Mil .Atirador Álvaro Mesquita (morto em 28.Dezembro.1964) e o Soldado Atirador João Nunes do Nascimento (morto em 30.Julho.1965).
Devido a ferimentos graves também nos tinham precedido na viagem de regresso 8 militares evacuados, em datas diferentes, para o Hospital Militar Principal, de Lisboa:- o 1º.Cabo Craveiro e os soldados Bessa, João Santos, António Filipe, João Alexandre, Carlos Coelho, Severino Dias e o “Caldas” (Joaquim Lopes Henriques).
No dia 3 de Maio de 1966 Lisboa estava à vista e… a ponte sobre o Tejo já estava quase concluída!

O «UÍGE» aproximava-se lentamente dos cais, apinhado de multidão mantida a alguma distância por elementos da P.M.
Ali estava eu, com as mãos apoiadas na amurada do navio, que finalmente acostava ao Cais de Alcântara.
Tinha esperado por aquele momento dois anos, dois longos anos.
E… não sentia nada do que tinha esperado!
Vamos lá entender o Mundo, as pessoas… se eu próprio me custava a entender!
Estava no final de uma longa «viagem à guerra», já tinha descortinado entre a multidão do Cais os que me tinham ido esperar e… nada. Ou melhor dizendo… muito pouco.
Afinal o que se passava comigo!?
Ainda hoje, a quarenta e tal anos de distância, tenho dificuldade de explicar o que se passou !
Sei que estava parado, quase apático, sem vontade de correr para a saída!
Terei sido dos últimos da minha Companhia a desembarcar.
Cheguei junto dos meus e recordo especialmente o abraço da minha mãe.

Mãe é mãe e sabia que tinha sido Ela a pessoa que mais tinha sofrido com a minha ausência de dois anos.
Para melhor a abraçar pousei no chão um pequeno saco de bagagem que trazia ao ombro.
 Neste saco transportava a máquina fotográfica e os últimos «souvenirs» de Bissau.
Quando acabou o abraço e me baixei para apanhar o saco ele já não estava lá…
Um amigo do alheio tinha-se aproveitado da confusão e tinha-o levado “por engano”…
Acalmei rapidamente as preocupações da minha mãe. Afinal eu ainda lá estava. Vazio, confuso mas…fisicamente presente.
Quanto ao ladrão isso que queria apenas dizer que… tinha regressado de novo à civilização!

Olhei mais uma vez para o mar.

Até sempre… Guiné!

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