REENCONTREI O ZÉ ARRUDA, PRESIDENTE DA A.D.F.A.
Há um bom par de anos corria habitualmente cerca de 40 minutos no areal
de uma praia do litoral Oeste. Do cais até à foz do rio de Salir eram cerca de
dois quilómetros.
Numa das minhas habituais sessões de jogging do mês de
Agosto avistei um casal que corria em sentido contrário. Aproximaram-se
rapidamente e pelo seu ritmo solto, com passada leve e bem ritmada, deu para
perceber que eram corredores de “alta manutenção”, numa forma bem melhor que a
minha.
O homem era alto, de cabelo grisalho e usava óculos escuros. Durante a
corrida amparava com o braço direito o coto do outro braço, pois era amputado
da mão esquerda. A senhora era um pouco mais nova e tinha no seu rosto bonito
traços achinesados.
Corriam a par, muito próximos um do outro, e pareciam tocar-se com
frequência ao nível de ombros e braços.
Fiz um esforço para acompanhar o seu ritmo e o par passou a trio.
Falámos da beleza do local onde corríamos e pouco depois percebi, com espanto,
que o meu companheiro de corrida era cego. Os óculos escuros escondiam dois
olhos que há muito tinham deixado de ver.
Compreendi então a razão dos toques de ombros e braços do casal que
serviam para orientar a corrida do homem de óculos escuros.
Com o devido cuidado tentei encaminhar a conversa para um tema que nos
aproximasse.
-“É rapaz para que idade ? Andou na guerra do ultramar?”
Respondeu sem qualquer tipo de problemas.
Tinha menos 10 anos do que eu, que na altura já tinha passado dos 65, e
tinha combatido em Moçambique, onde em 1974 tinha sido vítima de uma mina
anti-carro. O seu rebentamento tinha-lhe causado ferimentos graves na cara, com
a perda completa de visão dos dois olhos. A sua mão direita tinha ficado em tão
mau estado que obrigou à amputação.
Já tinham passado mais de vinte anos e a bonita senhora de traços
asiáticos era a sua companheira.
A partir desse momento a conversa não mais parou e quase se pode dizer
que nesse dia falámos mais do que corremos.
A aproximação entre ex-combatentes, dos que “andaram por lá” e falam a
mesma linguagem, rapidamente se torna fluida e arrebatada. Combinámos um
encontro para o dia seguinte e repetimos a corrida e a conversa, que nos
aproximou mais um pouco.
No final desse segundo dia parecia que já nos conhecíamos há anos.
Despedimo-nos com um amistoso e prolongado abraço.
O casal ia viajar no dia seguinte mas contava voltar dentro de 2 ou 3
semanas à praia do litoral Oeste, onde nos tínhamos conhecido.
Passaram 15 dias.
No final de uma manhã de praia, quando ia comprar o jornal, vi do outro
lado da rua, a cerca de uns dez metros, o casal: o homem alto de óculos escuros
e a senhora bonita de traços asiáticos.
Gritei-lhes com entusiasmo: - "Oh Zé Arruda, Zé Arruda, estás por
cá outra vez?”
O homem de óculos escuros virou-se rapidamente e respondeu ao meu grito
:- “JERO, és tu JERO, estás bom?!”.
Fiquei momentaneamente sem palavras . Tinham passado duas semanas e ele
“identificou-me” numa fracção de segundo!
Trocámos um abraço apertado. “Grande Zé Arruda!”.
Nos dias seguintes voltámos a correr e a conversar. A conversar e a
correr.
Acabou o verão e voltámos às nossas vidas.
O tempo passou e não mais encontrei o Zé e a sua bonita companheira, que
lhe dava vista na vida.
De vez em quando via-o na televisão e recordava com a minha mulher a
história do grito de São Martinho do Porto. Que me tinha ficado gravado na
alma.
Ontem vi de novo o Zé na SIC, a ser entrevistado pelo jornalista Mário
Crespo.
O José Arruda estava nos ecrãs da televisão na qualidade de
Presidente da ADFA - Associação de Deficientes das Forças Armadas e no final da
entrevista anunciava aos seus pares a boa nova.
«O Governo tinha decido manter sem cortes todos os subsídios dos
deficientes das Forças Armadas, levando em conta as “entregas” já feitas no
passado de olhos, braços, pernas, mãos e pés… em nome da Pátria.”
Gostei muito de ver o Zé. Está igual.
É claro que nunca mais vou esquecer o seu grito: ”JERO, és tu JERO.”
Sou, e esse grito é uma das “condecorações” da minha vida de
ex-combatente. Está no meu coração. Para sempre.
Zé Arruda, mando-te um grande abraço de Alcobaça.
Que Deus te
guarde.
JERO
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Reencontrei o Zé Arruda na inauguração na Praça da Associação de Deficientes das Forças
Armadas, em Alcobaça, junto à Rotunda da Fundação Maria e Oliveira (26 de Maio de 2013).
E recordei-lhe a história do nosso encontro em
São Martinho do Porto. «És tu Jero? Estás com quantos anos?
Falámos 2 minutos porque havia muita gente à
volta dele. Mas foi , para mim, um grande prazer. O Zé Arruda é um ser humano à
parte! Diferente…para melhor !
JERO
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