sexta-feira, 1 de julho de 2011

M - 362 OS MELHORES VINHOS DO MOSTEIRO

O Vinho do Mosteiro de Alcobaça

Deve-se à Ordem Cisterciense o desenvolvimento da cultura mediterrânica da vinha e o aperfeiçoamento dos métodos de fabrico do vinho. O vinho dá o sustento ao corpo, mas os excessos podem enlouquecer os homens, tirar-lhes a razão e a regra, para evitar este perigo, ao longo da Idade Média, os vinhos eram quebrados com água. Mas este princípio moral que adulterava a essência do vinho foi-se tornando caduco e o vinho passou a ser apreciado com a natureza do seu espírito.
Falamos agora de Alcobaça, das maneiras de produzir e conservar os vinhos em terras cistercienses.
Os 23 lagares de vinho que o Mosteiro de Alcobaça explorava no século XVIII eram todos de pedra e a espremedura fazia-se sob o sistema de prensa de vara. As 18 adegas eram edificadas sem rumo certo, o que não beneficiava a conservação dos vinhos. Conhecemos a capacidade de armazenamento da adega da Quinta da Gafa, a maior propriedade de vinha do Mosteiro. Entre os 12 tonéis da sua adega e lagar compreendia 36 pipas.
O fabrico e a conservação dos vinhos do Mosteiro eram feitos integralmente em vasilhame de madeira. Nos inventários das suas adegas e lagares não encontrámos nenhuma referência a talhas e potes de receber vinhos. As vasilhas do Mosteiro eram de madeira de choupo, embora também se utilizassem recipientes de castanho. O uso do choupo nas vasilhas vinárias terá comprometido a conservação dos vinhos, mas esta madeira (à semelhança do pinho que se populariza por meados do século XIX) só deve ter sido utilizada para arrecadar vinhos débeis destinados, em grande medida, aos serviçais.
O apresto das vasilhas vinárias era crucial para o sucesso dos vinhos arrecadados. Como nos elucida Frei Manuel de Figueiredo, estes recipientes eram limpos e devidamente emechados.
O fabrico do vinho, na Comarca de Alcobaça, seguia, predominantemente, o método de bica aberta. A exclusividade desta técnica de vinificação não se pode dissociar do regime de monopólio imposto pelo Mosteiro. De facto, a restrição do serviço do lagar pelo espaço de 24 horas inviabilizava a feitura de vinhos de curtimenta, tendo o camponês de se sujeitar a lotar o branco com tintas para lhe conferir um pouco de cor.
As uvas tintas e brancas fermentavam à parte. Concluída a fermentação dos tonéis do branco e dada a primeira trasfega eram adicionadas as tintas de curtimenta para colorir os vinhos monásticos.
O historiador Jean-Louis Flandrin elucida-nos que os vinhos brancos e claretes estavam para o pão alvo como os retintos para o pão de segunda. A cor agia como indicador de posição social, sendo os vinhos retintos e adstringentes impróprios para as Ordens sociais elevadas. A própria cerimónia da Eucaristia pedia um vinho mais claro que o sangue do Senhor para não tornar ainda mais dramático o acto religioso.
Na comarca de Ourém, a vinificação seguia, de igual forma, o sistema de bica aberta. Por cada 20 almudes de branco, deitavam-se 5 almudes de tinta. Esta relação permite calcular a relação de castas brancas e tintas, o que não seria arbitrário extrapolar para a realidade alcobacense.
Quando os vinhos se toldavam, não obstante a acção da trasfega, o que era caso raro nos vinhos de bica aberta, aplicava-se uma colagem. Nas pipas e cascos vertiam sangue de boi e claras de ovos. De seguida, batiam os vinhos rolando os tonéis e aguardava-se o processo de decantação que os agentes de clarificação propiciavam. O sangue de boi (também se utilizava o de carneiro) tinha de ser fresco e as claras, numa média estimada de 24 por pipa, eram batidas previamente. Aglutinada a borra no fundo realizava-se uma nova trasfega.
Para temperar, fortalecer e aromatizar o vinho juntavam-lhes folhelho torrado, cascas de laranja e camoesas (que podiam ser assadas com açucar), casta de pequenas maçãs de aroma e gosto intenso, que conferiam a este licor um sabor frutado.
Os cistercienses também adicionavam arrobe aos seus vinhos. O arrobe, produto já utilizado pelos gregos, cartagineses e romanos, era obtido a partir do mosto de uva fresco que era fervido em lume brando até evaporar cerca de metade a dois terços do líquido. Para além de adubar os vinhos, tinha a função de os conservar, daí constituir uma prática obrigatória arrobar os vinhos que tinham de ser embarcados. Por tonel (equivalente a duas pipas ou superior) acrescentava-se meio almude de arrobe no período em que decorria a fermentação tumultuosa. O arrobe subsistiu nas artes vinárias até a aguardente ocupar o seu espaço. Segundo Frei Manuel de Figueiredo, em toda a Comarca não se chegava sequer a produzir uma pipa de aguardente. De facto, os vinhos só deixam de ser arrobados quando a indústria da destilação fornece aguardentes em quantidade para acudir aos vinhos, o que só se verifica durante a primeira metade do século XIX.
Os vinhos recebiam ainda uma determinada quantidade de sal para impedir a colonização por bactérias.
Os melhores vinhos do Mosteiro eram produzidos nas encostas de Aljubarrota, na Gafa... O palhete cisterciense era um vinho graduado, frutado e aromático que cativava os convivas do Mosteiro.
A história da vinha e do vinho da região de Alcobaça merece ser contada e vivida. O Museu do Vinho, o único Museu que Alcobaça possui, está hoje encerrado. Aguardamos com expectativa que este belo núcleo museológico possa ser reactivado e musealizado para cumprir a missão não só de restituir a memória e dar cimento à identidade regional, como potenciar o turismo cultural, filão que continua a ser minimizado numa época de tantas necessidades.

António Valério Maduro

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