sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

M- 454 «FECHEM A PORTA QUE ESTÁ FRIO»

O TIBÚRCIO
À distância no tempo recordo um “homem feito” que dormia na rua e que fazia a sua higiene matinal numa “fonte” situada aos pés da estátua de São Bernardo, na Praça da República.
Na então vila de Alcobaça o Tibúrcio era muito conhecido. Por variadas razões mas principalmente por estar sempre na rua...e por todo o lado!
Na aldeia onde nasceu poucos tinham o que precisavam e o caso dele não foi exceção. Pior do que isso, o Tibúrcio saltou para a vida sem as defesas suficientes e rapidamente se integrou nos desprotegidos da sorte. E deu tanto “nas vistas” que alguém, bem-intencionado, o meteu num asilo de mendicidade.
 “Ajuda” que não resultou.
Como “ave de campo não quer capoeira”, logo ao segundo dia, o Tibúrcio fugiu para bem longe, só regressando alguns meses mais tarde, depois de lhe terem garantido que não teria de voltar para o que considerava ser pior do que a cadeia.
Pelo tempo fora, foi vivendo incertamente, amigo dos gatos e dos  cães, com os quais partilhava escassos pães ou minguadas sopas que algumas almas generosas lhe  abonavam.
Trabalho ou ofício fixos nunca teve porque não aceitava cumprimento de horários. Mas não era preguiçoso. 
Chegou mesmo a montar caixa de engraxador  junto à Farmácia Campeão. Por vezes, acontecia que um ou outro cliente saía com peúgas e sapatos engraxados por igual… E, vá lá saber-se porquê, esse “bónus” não agradava à generalidade das pessoas. Encerrou esses “negócio” e optou por fazer recados. 
Porque o Tibúrcio não mendigava, limitava-se a oferecer a sua força de trabalho.
Quando a paga era boa, ala para o Beco do Grilo, onde numa tasca “à maneira” matava velhas sedes, até ficar um pouco zonzo.
Numa noite invernosa foi surpreendido pela chuva e como estava perto do Hospital refugiou-se na casa mortuária, onde terá entrado por a porta estar mal fechada… Aconchegou-se a um canto e adormeceu.
Altas horas da madrugada duas auxiliares de enfermagem - de apoio ao banco de urgências - tiveram a desagradável incumbência de transportar a vítima mortal de um acidente para a casa mortuária. Carregaram o cadáver numa maca até ao local. Abriram e porta e um grito inesperado vindo do fundo da sala quase as matou: «fechem a porta que está frio». Fugiram esbaforidas… e o Tibúrcio teve que se levantar mais cedo.
 À distância no tempo, já um pouco desvanecido na bruma da distância, não o esqueço.
 É só passar pela “fonte” situada aos pés da estátua de São Bernardo… e lá está ele!

JERO

2 comentários:

  1. Caro JERO
    Não há melhor título que este para comemorar o reviver deste teu blogue, "Fechem a porta que está frio"... É que eu até pensava, com esta paragem prolongada, que o blogue tinha ficado congelado!...
    Abraço. Miguel Pessoa

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  2. Obrigado Miguel. Está de novo aberto...para o que der e vier.Grande abraço.JERO

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