Memória de um dia com uma longa noite…
José Peça
Figueiredo nasceu há cerca de 71 anos em Bemposta-Alcobaça e, em termos
profissionais, divide a sua vida em 2 tempos: trabalhou 20 anos nas Termas na
Piedade e nos 21 anos seguintes na Acessor, firma ligada ao ramo automóvel.
Nos seus tempos de militar era
conhecido pelo “Alcobaça.
O dia 5 de Julho de 1963 foi o dia mais longo da sua vida. À distância do tempo recorda esse dia… ao minuto. Era Soldado Condutor do Batalhão 400 em Angola.
O dia 5 de Julho de 1963 foi o dia mais longo da sua vida. À distância do tempo recorda esse dia… ao minuto. Era Soldado Condutor do Batalhão 400 em Angola.
A cerca de 12 kms. de Bessa Monteiro uma viatura
da coluna militar do seu Batalhão rebentou uma mina anti-carro, registando-se
diversos mortos e feridos.
O “Alcobaça” passado algum tempo foi chamado
pelo seu Comandante , Ten. Coronel Freitas Costa.
-“Alcobaça” vai jantar e depois levas os mortos
a Ambrizete”.
Ambrizete ficava a 200 kms. mas tinha cemitério
e uma Igreja, onde se podiam fazer os funerais.
Algum tempo depois apresentou-se com a sua “GMC”
junto ao Comando e carregaram-lhe, em maca, os 3 mortos.
O Ten. Coronel entregou-lhe os galões do Capitão
Borges e disse-lhe em voz baixa que os voltasse a colocar no corpo do Oficial
quando tivesse chegado ao seu destino.
- E quem vai comigo, meu Comandante?
- Ninguém. Vais sozinho pois já chega os mortos
que tivemos. Se houver outra mina só teremos mais uma baixa e não duas.
Pôs o motor a trabalhar e arrancou, seguido por
duas viaturas com uns 12 militares comandadas por um Furriel. Eram umas seis da
tarde.
Ainda havia luz de dia mas pouco depois começou
a escurecer.
O “Alcobaça” não acendeu os faróis mas ligou os
“olhos de gato” da “GMC”. Em marcha lenta, pois nalguns troços da “picada” os
homens do Furriel Tavares seguiam apeados,
chegaram a Baca por volta das 4 da manhã.
Tinham sido precisas cerca de 10 horas para percorrer
22 quilómetros!
Foram carregados os mortos da outra Companhia “392”- que eram 3 - e a coluna “funerária”
seguiu a caminho de Ambrizete.
Só, na sua cabine, nem uma vez o Zé Peça olhou
para trás, para a sua ”carga”.
As
sombras da noite foram clareando e quando o amanhecer chegou o seu ânimo
melhorou um pouco…
Eram 5 da tarde quando chegaram a Ambrizete.
Tinham passado cerca de 23 horas desde que
tinham saído de Bessa Monteiro!
Os corpos começaram a ser descarregados e o
“Alcobaça” apressou-se a pôr os galões no cadáver que lhe pareceu ser o do
Capitão Borges. Os corpos estavam inchados, cobertos de pó, de moscas
e…irreconhecíveis. O Zé Peça teve dúvidas mas… não conseguia olhar mais tempo
os mortos.
No dia seguinte atestaram-lhe a sua GMC com
géneros. Carregou sacos de arroz, feijão, grão, batatas, conservas e barris de
vinho.
Não houve problemas no regresso a Bessa
Monteiro.
Quando chegou ao aquartelamento pensava que ia
encontrar a malta toda em lágrimas.
Foi recebido com gritos de satisfação. Olha o
“Alcobaça”!
Num grupo tocava-se acordeão e dançava-se…
Parecia que nada de anormal se tinha passado 2
dias antes.
O “Alcobaça” percebeu que a guerra é mesmo
assim.
Ai dos que partem!
Passar uma noite a conduzir… a morte… foi uma
amarga experiência. Quase a meio século de distância o dia 5 de Julho de 1963
foi o dia mais longo da sua vida.
JERO
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