sexta-feira, 4 de novembro de 2011

M 384 GEORGE

UM AMIGO CHAMADO GEORGE
A tarde de Outono, com temperaturas ainda a recordar o Verão, que o calendário já tinha transposto, convidava ao sossego e a “carregar baterias”.Na esplanada do “Parque dos Monges” estava-se bem…
Lia a revista do Expresso – passe a publicidade – quando a conversa da mesa ao lado me começou a fazer a olhar para as páginas sem as ler.
O tom de voz do casal que falava com um homem que parecia já andar por volta dos 70 era perfeitamente audível, percebendo-se pelas respostas do interlocutor aparentemente mais velho, que este era emigrado. O seu português tinha algumas deficiências na conjugação dos verbos e algumas expressões do tipo “yaa” ou “yes”davam para entender que devia ser um português já com muitos anos de “americano” ou “canadiano”.
Na sua vida tinha já mais anos fora de Portugal do que “dentro” mas, apesar de tudo, conseguia ultrapassar todas as dificuldades para vir passar umas duas ou três semanas na terra onde tinha as suas raízes. Vinha sozinho e cumpria religiosamente uma rotina que desde há muito impunha a si próprio. Ia à missa e depois ia visitar os seus pais no dia de “Todos os Santos”, para pôr flores nas suas campas e “falar com eles”. E ao longo dos anos a pergunta continuava a ser a mesma.
 «Porquê ?».
Não o referiu expressamente mas deu para entender que os seus pais, trinta e tal anos antes .tinham decidido a sua vida sem lhe pedirem opinião. Já estava casado e com dois filhos pequenos e um dia entregaram-lhe “papéis” para imigrar, “papéis” esses que tinham sido tratados à sua revelia.
As razões? Para bem de todos era melhor sair de casa, pois os tempos estavam maus e emigrar "é que estava a dar”.
Emigrou “à força” e durante os primeiros anos comeu “o pão que o Diabo amassou”.
Lavou pratos , milhares de pratos, e durante um largo período da sua vida ficou ligado à restauração.
A sua mulher e os dois filhos portugueses juntaram-se-lhe e a família aumentou com um nascimento de mais um rapaz já no “seu” novo País.
Os anos passaram e chegaram netos.
Mudou de “carreira” e nos últimos anos tem uma vida financeiramente mais equilibrada mas que obrigou a alguns sacrifícios em termos familiares.
 A família está mais longe.
Perto , fisicamente, só a sua mulher com quem não fala muito.E vice versa...
 Não é só o tempo por lá que é frio…
Nessa tarde de Outono, com temperaturas ainda a recordar o Verão, falava com particular entusiasmo do George, um amigo especial.

Só passado um bocado percebi que era um cão!

Os meus vizinhos de esplanada levantaram-se e saíram.
Fiquei mais um bocado e pousei a revista do “Expresso”.
 As árvores sem folhas reflectiam-se no céu.

O “porquê” amargurado do “emigrante à força” ainda estava bem presente no silêncio que me rodeava.
Como devia ser importante para ele, nesta fase da sua vida, o George!
De quem comecei a gostar a partir daquele momento.
Porquê?
 Porque…afinal ainda não tenho as pilhas carregadas…
Vou ter de ficar por aqui.


JERO

Hello, George!






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