A(s) Guerra(s)
A Guerra é, provavelmente, o alvo mais recriminado pelos Humanos; no entanto ela existe, prolifera e espalha-se intensamente por todos os cantos do mundo. Muitos a contestam, a detestam, a abominam... mas milhões a praticam todos os dias.
Uma coisa é matar para não morrer – uma inevitabilidade. Mais recriminável é matar aos milhares, cidadãos indiferenciados que nada de mal fizeram para que tal lhes acontecesse... apenas estavam no local certo (errado) à hora certa.
A Guerra é, digo eu, a mais antiga profissão do mundo!
Há quem defenda que a mais antiga é aquela outra actividade... a “da perna aberta” ou “à vela” que se praticava (pratica?) largamente na mata de Monsanto e continua abundantemente na margem de muitas estradas deste nosso rectângulo à beira mar plantado.
Os defensores desta são principalmente as “rachistas” que gostam muito de dizer coisas.
Eu, porém, continuo a defender a “minha dama” e apresento argumentos.
Vejamos!: Caím, em tempos bíblicos, talvez com um único pontapé, não se sabe bem onde – mas suspeita-se, - enviou o irmão, Abel, para o Jardim das Tabuletas.
Terá sido esta a guerra mais mortífera e a mais curta de que há memória; uma elevadíssima percentagem dos habitantes do planeta foi, naquele momento, prestar contas ao Criador. E nessa altura ainda não havia sido inventada aquela terrível arma devastadora a que se convencionou chamar “coup de poing”.
A arte de lutar, porém, evoluiu “rapidamente” durante os milénios que se seguiram. Mais ou menos sequencialmente, usaram-se pedras, facas (de madeira, antes e metálicas, depois) espadas, lanças e setas; no lado oposto apareceram os antídotos: os escudos (primeiro de couro... depois metálicos) elmos, capacetes e as pesadas armaduras que atingiram o auge na Idade Média. Surgem os castelos fortemente resistentes construídos em pontos estratégicos e/ou de difícil acesso.
A cavalaria foi durante séculos a implacável decisora de vitórias e derrotas.
Com a Guerra dos Cem Anos, em França, e a sua ramificação na Península Ibérica (a Luso Castelhana Guerra da Independência) a Infantaria passou a ser – defendem os Infantes – a rainha de todos as armas.
De facto quer em Poitiers e Azincourt quer em Aljubarrota e Valverde a Infantaria dizimou as fortíssimas cavalarias francesa e castelhana.
A evolução acelera com os canhões as espingardas os carros de combate (os substitutos das romanas catapultas) e os castelos passaram a ter interesse apenas para o turismo; aparece a aviação, as bombas atómicas e quejandas... e os mísseis; surgem outros antídotos: abrigos, bazucas, ati-aérias e os anti-mísseis.
Quando parecia que tinham sido já inventadas todas as belicosas armas mortíferas e os diferentes modos de as usar... eis que surgem outras variantes: a guerra fria, a psicológica (era a que meu pai – que Deus o tenha em bom lugar – usava comigo – só contarei a pedido) os movimentos autonomistas e emancipalistas que trazem consigo a guerrilha e por fim os homens-bomba. Será o fim? No mínimo é o fim dos que se fazem explodir. Isto não é guerra... é doidice!
É na guerrilha que vamos deter-nos; com ela todos convivemos cerca de dois anos. A guerrilha é mais uma maneira “legal” de matar em que pequenos grupos armados (bate e foge) militarizados ou não,substituem batalhões, divisões e exércitos numerosos.
Na nossa guerrilha não consta que houvesse homens-bomba mas havia minas e armadilhas, armas altamente perigosas e nada selectivas. A diferença é que aqui o seu autor, em princípio, não vai accioná-las.
Na guerrilha (talvez mais que nas guerras de numerosas gentes) a inteligência, a esperteza, a imaginação e o conhecimento do terreno são atributos da maior importância, ultrapassados, talvez e só, pela “posse” da população não combatente – como defendia Mao Tsé-Tung. Como afirmei em texto anterior, pertenci à C. Caç. 675 e pertencerei até ao fim dos meus dias.
O nosso capitão, além de “secreto” estudioso de Mao, era extremamente inteligente e sabia muito de guerrilha; ensinava-nos quanto podia; não seríamos tão bons receptores como ele era bom emissor; fazíamos o que podíamos.
Normalmente os nossos instrutores da E. P. (Escola Prática) sabiam apenas (ou quase) o que vinha no Guia Oficial Miliciano – creio que era este o nome. Mas também o(s) seu(s) autor(es) pouco mais seriam que aristarcos de outros aristarcos e nós... carne para canhão.
Se seguíssemos à letra o que vinha no livro, na Guiné não poderíamos montar emboscadas segundo aqueles cânones.
Sendo o terreno quase completamente plano (o ponto mais alto – cerca de 220m – chamava-se Cumtimaque significa colina do Norte.) não existiam os tais obstáculos na berma da estrada para evitar a fuga de quem era emboscado. Esquecendo as regras ensinadas na E.P. montaram-se muitas emboscadas bem sucedidas.
Lembro aqui um alferes, meu instrutor em Mafra, que, quando chegou à Guiné, em Janeiro de 1966, me perguntou, no QG de Bissau, como reagíamos, lá às emboscadas.
Resposta directa:
- Tal como me ensinaste em Mafra! Lembras-te?!
Ao que ele retorquiu:
- Lá, cada um “largava a posta” como podia!
- Havia muitas maneiras de “largar a posta” e tu não respeitavas sequer os teus subordinados, o que molestou muita gente.
De seguida, no café do Bento, contei-lhe como na C. Caç. 675 reagíamos às emboscadas e outras coisas de interesse... e logo ali o diferendo ficou sanado.
Há varias maneiras de fazer guerra segundo a imaginação e o saber de cada um:
A - Guerra “amorosa” e respeitosa
Um dia aprisionámos uma mulher de 30/40 “chuvas” (esta veio connosco). Dias depois o “capitão, com a necessária e prestimosa ajuda do nosso guia, perguntou-lhe se preferia continuar junto da tropa ou regressar ao mato. Desculpa atrás de desculpa... manifestou vontade de voltar ao seu “chão”... por causa da família.
O capitão ofereceu-lhe cerca de uma arroba de arroz e uns “panos” – manga de ronco – e transmitiu-lhe o seguinte recado:
- “Vais dizer ao pessoal que retire as abatises entre Banhima e o rio Buborim (limite oeste de nossa zona); caso tal não aconteça destruirei os vossos acampamentos “e não há mais arroz nem panos para ninguém “!
Este vosso escrevinhador foi incumbido de transportar a “prisioneira” (ex) até à primeira abatis. Lembrei-lhe ali o recado do capitão e imformei-a que não podia levá-la mais além porque as viaturas não podiam passar.
Uns dias mais tarde voltámos àquela zona e já não havia obstáculos na estrada; como não podiam retirar as árvores... queimaram-nos no local.
Até Abril de 1966 não houve mais abatises na estrada... mas eles abandonaram a zona.
A isto chamamos “Respeito”!... É bonito!
B – Avisar o Inimigo
Pode fazer-se guerra (não convencional) avisando amável e amigávelmente o In dos reais perigos que pode encontrar em determinado local.
A cerca de 7km de Binta, na estrada de Bigene, havia uma pequena ponte de madeira; os independentistas queimaram-na. Sempre que por ali nos deslocávamos (o que era frequente) usávamos pranchas de madeira e/ou as vigas em “U” metálicas das Mercedes para cruzar o ribeiro. Com aquele “toma a viga”, “coloca a viga” e “recolhe a viga” perdia-se muito tempo e, com o ruído dos motores, acordávamos o Infora de horas.
Os independentistas, eram muito sensíveis! Por vezes amuavam e até faziam “birra” porque não podiam dormir a sono solto.
Era urgente mudar de rumo.
O capitão incumbiu-me de fazer ali uma ponte para que sem dificuldades acrescidas, pudéssemos visitar os “turras” nos seus “aposentos” (covis dizia o Alf. Mendonça) enquanto iam permanecendo (por pouco mais tempo) naquela zona.
Como escrevi em texto anterior, na vida militar, especialmente em campanha, éramos “pau para toda a colher”; Desta vez saiu-me na rifa ser engenheiro e empreiteiro de pontes... sem direito a apresentar a conta ao dono da obra.
Mandei rebaixar o piso da estrada cerca de 20cm nas duas margens; derrubámos cinco palmeiras; cortámos os troncos à medida e com a ajuda do unimog, colocámo-los sobre o ribeiro; e qualquer das nossas viaturas já podia passar em segurança e sem mais delongas.
Aqueles troncos eram demasiado pesados para serem removidos à mão.
Na berma da estrada coloquei uma placa de “sinalização” com a seguinte informação com letra garrafal e a vermelho: “Atenção! – há armadilhas!” E desenhei toscamente dois ossos e uma caveira – sinal de explosivos.
Armadilhei apenas a placa com uma granada de mão instantânea de fabrico nacional e outra com retardador, de fabrico canadiano.
O In passou por ali; achou graça àquela informação... real e sincera; arrancou a placa e... pum-pum... a armadilha funcionou.
Inicialmente não acreditaram na veracidade do aviso mas convenceram-se que haveria ali mais explosivos porque nunca mexeram naquela ponte rústica e obtusa construída por um engenheiro improvisado.
Como se depreende, do que atrás foi dito, a guerra pode ser feita com carinho e respeito – 1º caso e pode ser um aviso de forma quase lúdica – 2º caso.
Nota: quase quarenta anos depois soube por um guineense (tinha naquela época 7/8anos) que os habitantes de Binta (os naturais e os “retornados” do mato e/ou do Senegal) me apelidaram de “olho de gato” porque as minhas armadilhas funcionavam sempre.
Cumpre informar que eu não tinha o “curso de minas e armadilhas” que era ministrado a um oficial por companhia durante 3 ou 4 horas de instrução. Pensem nisto! Era mesmo assim!A guerra é mesmo a mais antiga profissão do Mundo!
Sexta, 15 de Janeiro de 2010
Belmiro Tavares
Ten. Mil
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