As voltas que a vida dá !
Quando saímos de
Binta, no norte da Guiné, tivemos direito a lágrimas de saudade dos que
ficaram.
Tínhamos sido importantes para eles e para nós próprios .
Tínhamos sido importantes para eles e para nós próprios .
O último ano em Binta aconteceu n’outro mundo! Quase que tínhamos esquecido o mundo para onde regressámos em Maio de 1966!
Quando regressámos à Metrópole e à vida civil chocámos com um mundo onde a nossa importância anterior rapidamente se esbateu.
Já estava tudo feito - éramos apenas um pequeno parafuso de uma máquina gigantesca que girava sem cessar – e à nossa volta já não tínhamos a malta da Companhia. Todos tinham partido para as suas vidas. Para longe.
Nos primeiros meses corríamos sempre há chamada de cada camarada que se casava. Viajávamos de norte a sul do País para nos voltarmos a encontrar.
Naquelas horas que estávamos juntos voltávamos lá! E o nosso Capitão normalmente estava por perto!
Depois tínhamos que voltar ao mundo dito normal , onde ninguém falava a nossa linguagem!
Que tempos amargos. Trabalho. Mais trabalho. E – falo por mim - solidão.
E os anos iam
passando. Uma vez por ano a malta da Companhia reunia para um convívio, onde
começámos a levar os filhos, que entretanto tinham chegado às nossas vidas. As
estórias do nosso tempo da guerra voltavam inevitavelmente nesses dias
especiais com velhas discussões em relação à emboscada de Caurbá, ou de
Cansenhe, no caminho de Farim, ou perto de Guidage… E muitos anos depois havia
camaradas que chegavam à conclusão que se tinham abrigado do fogo inimigo “à
frente” de uma árvore e “não atrás”, como conviria…
Todos esses
convívios anuais começavam com uma missa onde eram recordados os camaradas que
“tinham ficado” na Guiné e os que entretanto, pela lei da vida, nos tinham já
deixado. Dos 170 que tinham pertencido inicialmente à CCaç. 675 já não estavam
entre nós cerca de quarenta!
E quando os “cabelos
brancos” chegaram uma “comissão de camaradas de boa vontade” passou a reunir-se
uma ou duas vezes por ano para visitar as campas dos camaradas que já tinham
partido para honrar a sua memória e deixar na “última morada” uma lápide com o
seu nome e com o emblema da Companhia.
O tempo passa
depressa, muito depressa, e, felizmente, que a “idade do condor” trás também
algumas coisas boas. Um camarada e sua dama chegam às Bodas de Ouro” e convidam
a malta da Companhia para estar
presente.
E vamos à Missa de acção de
graças e ao Copo de Água para aconchegar os estômagos e a “memória do
casamento”.
Tudo a rigor e com uma programa festivo que nos dá a conhecer uma
família numerosa que canta e dança em volta dos “noivos”, rodeados de filhos,
genros, netos e netas.
Um autêntico espanto.

Estávamos a saborear
o prato de peixe – bacalhau com broa – quando
um grito numa mesa próxima me fez quase saltar da cadeira. Porque o grito de
aflição tinha o meu nome: “Oliveira”.Dirige-me
à mesa onde estava o Rodrigues, correspondendo ao apelo da mulher do Cravino, que
via ainda em mim o enfermeiro que eu tinha sido na vida militar cinquenta anos
atrás.
O Rodrigues, que eu
sabia, que estava a meio de um tratamento
Felizmente aproximou-se um jovem, que era enfermeiro a sério e “dentro do
prazo”, que deu uma ajuda. Dois ou três minutos depois o Rodrigues voltou a si.
A côr voltou-lhe a
face e falou com a mulher e comigo sem se lembrar que tinha estado alguns
minutos em colapso. Na fase mais preocupante tínhamos pedido que se chamasse o
INEM. O Rodrigues recusou de imediato a ideia e como parecia estar de facto
melhor anulou-se a “urgência”.
Passado mais uns minutos levantou-se e
dirigiu-se para fora do restaurante, pedindo para ir para o seu carro e voltar
para casa. O filho estava por perto e sentou-se ao volante. Momentos antes
tinha sabido que o Sporting do meu amigo Rodrigues estava a ganhar por 2 a zero
ao Paços de Ferreira. Nunca antes que me lembre – sou benfiquista desde os
bancos da escola – tive tanta satisfação em dizer a um camarada “em azar” que
os “lagartos estavam a ganhar ao intervalo. E o seu sorriso de satisfação valeu
a pena e tornou mais leve o “meu sacrifício”…
Entre o grito da
mulher do Cravino e a entrada do Rodrigues no seu carro para regressar a casa
com a sua mulher e filho, decorreu cerca de meia hora. O meu prato de bacalhau
há muito que tinha arrefecido e já não o comi. Enquanto andei “armado” em enfermeiro
não pude deixar de reparar que a maioria dos convidados das “bodas de ouro” não
perdeu o apetite e fez as honras ao prato de peixe do “copo de água”…sem
interromper uma garfada que fosse!
Depois a festa
continuou com os familiares dos “noivos” a cumprirem um animado e bem pensado
programa em honra da Luísa e do Carlos, que tinham contraído património há
cinquenta anos atrás em 5 de Abril de 1964 na Basílica da Estrela.
Um mês e
pouco depois –em 8 de Maio – o Carlos embarcou para a Guiné, integrado na
Companhia de Caçadores 675.
Quando então saímos
do cais da Rocha de Conde de Óbidos, em Lisboa, tivemos direito a lágrimas de
saudade dos que ficaram.
Recriámos esse tempo
de despedida na noite do “encontro” dos eternos namorados de há 50 anos nas
Bodas de Ouro de 5 de Abril de 2014.
Meio século depois de Binta numa época em que o vagomestre nos ”matava a fome” com “ciclistas”(feijão frade presente em todas as refeições).
Que recordo com um sorriso.
Meio século depois de Binta numa época em que o vagomestre nos ”matava a fome” com “ciclistas”(feijão frade presente em todas as refeições).
Que recordo com um sorriso.
O que, sinceramente, a partir
de agora não vai acontecer quando me apresentarem “bacalhau com broa”.
Ao almoço
ou ao jantar.
Nem lhe vou tocar…
As voltas que a vida dá !
JERO