domingo, 23 de junho de 2013

M - 450 MEMÓRIAS DAS FESTAS DA REGIÃO DE ALCOBAÇA DOS ANOS 40-50-60

AS FESTAS FAMILIARES E OS CONVÍVIOS D'OUTROS TEMPOS
Recorrendo e memórias pessoais recordo 3 tempos distintos.
1-A memória mais distante tem a ver com deslocações aos Capuchos, com obrigatório “passeio pedonal” dado que as distâncias a percorrer eram curtas: cerca de 2 Kms. para cada lado. Deveria ter os meus 8 ou 9 anos e o que tenho mais presente na minha cabeça era “o frete” de ter que ir …Ninguém me perguntava se gostava ou não. A família ia e eu tinha que alinhar. (ponto final). Recorda-me de uma das vezes, na viagem de retorno, me ter adiantado ao “pelotão” e ter feito o percurso à frente de toda a gente aí uns bons 30 metros ! Foi a maneira de demonstrar o meu desagrado, sem abusar muito da paciência dos meus pais… Birras de miúdo. Em relação à festa e aos Capuchos o que me lembra ? Muito pouco. Socorrendo-me de alguma documentação do tempo realço o seguinte:-
«… Por trás do Parque de Merendas, fica o antigo Convento que deu nome ao lugar e que foi fundado pelo cardeal D. Henrique em 1566. Perto do convento havia instalações agrícolas que provavelmente datam do séc. XIII e estavam ligadas a uma quinta que o Mosteiro explorou nessa época.

Capela da Senhora dos Aflitos -Das construções religiosas, só resta esta Capela, que tem sobre a porta um brasão bipartido com estrelas em aspa e um leão rompante. Por timbre tem um leão virado á esquerda. Conservava restos de azulejos da fábrica do juncal, que infelizmente com o passar dos tempos desapareceram. Actualmente só resta na capela, o átrio forrado de azulejos.»
2- Da memória do meio tenho bem presente os piqueniques em Chiqueda, em dia de Espiga. Já andava no Colégio do Dr.Cabrita e recordo com nitidez – reforçada por algumas fotografias do tempo – os belos fins de tarde que davam direito a excelentes merendas na pedrosa encosta perto dos “Olhos de Água” do rio Alcoa. Havia muitas famílias de Alcobaça e uma figura “única”: o “Ti Gavião”, fotógrafo “à la minuta”.
 A apanha da espiga, era feita a caminho de Chiqueda e fazia-se um ramo de papoilas, espigas de trigo, oliveira e um malmequer.
Juntavam-se vários grupos que iam a pé levando um farnel para comerem quando chegassem. Chiqueda era assim o local do grande encontro.
O ramo era guardado e uma vez chegados a casa punha-se a secar atrás da porta, sendo renovado todos os anos para que não faltasse pão (espigas de trigo), azeite (oliveira), alegria (papoilas), e sorte (malmequer).

3- Senhora dos Enfermos
 Aqui as minhas recordações passam obrigatoriamente pelo mestre Arnesto (ERNESTO JOAQUIM COELHO ) , “maestro vitalício” da Banda da Festa da Senhora dos Enfermos. Era um dia especial, de grande paródia, em que toda a gente confraternizava e trocava iguarias de bem recheados farnéis, sem prescindir do consumo de muito e bom vinho tinto. Nas últimas actuações do dia a banda do mestre Arnesto trocava algumas notas mas a “Marcha do Vapor” chegava sempre à margem…Nem que fosse a cambalear !!!

Socorrendo-me também de alguma documentação do tempo, nomeadamente de Manuel Vieira Natividade relembro que «…a Romaria da Senhora dos Enfermos era uma verdadeira festa das colheitas, uma celebração agrícola com origens pré-cristãs.Era uma festa alegre, com direito a estrear novas roupas e que servia para marcar o tempo.
Celebrada no Domingo de Pentecostes, cinquenta dias depois da Páscoa, não era exactamente um festejo mariano. Antes, pentecostal, com rituais que a aproximavam das festas do Espírito Santo. De notável, por comparação com as festas das demais aldeias da região, tinha o círio, abundância de fogaças e os favores da pequena burguesia alcobacence que nesse dia ia ver de perto os serranos, fazer pic-nics nos arvoredos que circundavam o arraial e, talvez, comprar no leilão alguma fogaça.
Este costume, manteve-se, aliás, por muito tempo e, durante anos, a Banda do Mestre Ernesto era animador imprescindível do arraial.
A grande quantidade de gente, alguns divertimentos que, como o jogo do frango, hoje seriam, simplesmente, proibidos pela sua barbaridade, o vinho que corria em abundância e os bailes, propiciavam frequentes desacatos. Por isso, a festa de Nossa Senhora dos Enfermos era, naquele tempo, a única com policiamento permanente.

Além de M. Vieira Natividade, também José Diogo Ribeiro, in Turquel Folclórico (1928), dedicou atenção a esta romaria, registando, designadamente, os seguintes versos que o círio dedicava à santa:

Ó Senhora dos Enfermos
Aqui vimos, aqui estemos
Pro ano, se formos vivos,
Ainda cá tornaremos.

Ó Senhora dos enfermos
Cá vos vimos visitar.
Pro ano, se formos vivos,
Havemos de cá tornar.

 Relativamente à festa de Nossa Senhora dos Enfermos grande parte do texto  reproduzido é da autoria de José Quitério e foi  publicado em 29 de Maio de 2012 no seu blog "Ataíja de Cima".

Pela recolha JERO



sexta-feira, 7 de junho de 2013

M- 449 MEMÓRIA DE UM REGRESSO ...

3 de Maio de 1966

Esta memória que agora recupero tem 47 anos!

Tem a ver com a minha chegada a Lisboa depois de cumprir 2 anos de serviço militar na Guiné.
O desembarque aconteceu em 3 de Maio de 1966.

Dos 5 dias da viagem de regresso quase nada recordo.
O que recordo como mais marcante foi o momento em que entrei dentro do «UÍGE» ainda no Cais de Bissau.

Nesses tempos entre o Cais e o navio havia umas boas dezenas de metros a percorrer, distância que era feita numa pequena lancha a motor. 
Terei sido dos últimos a embarcar às voltas com um caixote que trazia com coisas pessoais .
O caixote era grande, difícil de transportar e, devido à ondulação, quase me caiu à água quando finalmente consegui agarrar a escada do portaló, que nos permitia subir a bordo do navio.
Lembro-me do grande alívio que senti quando finalmente entrei no navio e «pisei» terreno seguro.
Depois… segue-se um vazio na minha cabeça que, não é total, porque tenho fotografias desses tempos.
Quando tempos depois organizei o meu álbum de fotografias coloquei na mesma página uma foto à partida e uma foto do regresso. Foi impressionante constatar como dois anos tinham mudado tanto os traços fisionómicos da nossa gente. Miúdos à partida e homens feitos na viagem de regresso.
E não regressaram todos. Faltaram o Soldado Ap. Met. Augusto Gonçalves (morto em 29.Julho.1964), o Fur Mil .Atirador Álvaro Mesquita (morto em 28.Dezembro.1964) e o Soldado Atirador João Nunes do Nascimento (morto em 30.Julho.1965).
Devido a ferimentos graves também nos tinham precedido na viagem de regresso 8 militares evacuados, em datas diferentes, para o Hospital Militar Principal, de Lisboa:- o 1º.Cabo Craveiro e os soldados Bessa, João Santos, António Filipe, João Alexandre, Carlos Coelho, Severino Dias e o “Caldas” (Joaquim Lopes Henriques).
No dia 3 de Maio de 1966 Lisboa estava à vista e… a ponte sobre o Tejo já estava quase concluída!

O «UÍGE» aproximava-se lentamente dos cais, apinhado de multidão mantida a alguma distância por elementos da P.M.
Ali estava eu, com as mãos apoiadas na amurada do navio, que finalmente acostava ao Cais de Alcântara.
Tinha esperado por aquele momento dois anos, dois longos anos.
E… não sentia nada do que tinha esperado!
Vamos lá entender o Mundo, as pessoas… se eu próprio me custava a entender!
Estava no final de uma longa «viagem à guerra», já tinha descortinado entre a multidão do Cais os que me tinham ido esperar e… nada. Ou melhor dizendo… muito pouco.
Afinal o que se passava comigo!?
Ainda hoje, a quarenta e tal anos de distância, tenho dificuldade de explicar o que se passou !
Sei que estava parado, quase apático, sem vontade de correr para a saída!
Terei sido dos últimos da minha Companhia a desembarcar.
Cheguei junto dos meus e recordo especialmente o abraço da minha mãe.

Mãe é mãe e sabia que tinha sido Ela a pessoa que mais tinha sofrido com a minha ausência de dois anos.
Para melhor a abraçar pousei no chão um pequeno saco de bagagem que trazia ao ombro.
 Neste saco transportava a máquina fotográfica e os últimos «souvenirs» de Bissau.
Quando acabou o abraço e me baixei para apanhar o saco ele já não estava lá…
Um amigo do alheio tinha-se aproveitado da confusão e tinha-o levado “por engano”…
Acalmei rapidamente as preocupações da minha mãe. Afinal eu ainda lá estava. Vazio, confuso mas…fisicamente presente.
Quanto ao ladrão isso que queria apenas dizer que… tinha regressado de novo à civilização!

Olhei mais uma vez para o mar.

Até sempre… Guiné!

domingo, 2 de junho de 2013

M -448 JOSÉ ARRUDA UM SER HUMANO ESPECIAL

REENCONTREI O ZÉ ARRUDA, PRESIDENTE DA A.D.F.A.

Há um bom par de anos corria habitualmente cerca de 40 minutos no areal de uma praia do litoral Oeste. Do cais até à foz do rio de Salir eram cerca de dois quilómetros.
Numa das minhas habituais sessões de jogging do mês de Agosto avistei um casal que corria em sentido contrário. Aproximaram-se rapidamente e pelo seu ritmo solto, com passada leve e bem ritmada, deu para perceber que eram corredores de “alta manutenção”, numa forma bem melhor que a minha.
O homem era alto, de cabelo grisalho e usava óculos escuros. Durante a corrida amparava com o braço direito o coto do outro braço, pois era amputado da mão esquerda. A senhora era um pouco mais nova e tinha no seu rosto bonito traços achinesados.


Corriam a par, muito próximos um do outro, e pareciam tocar-se com frequência ao nível de ombros e braços.
Fiz um esforço para acompanhar o seu ritmo e o par passou a trio. Falámos da beleza do local onde corríamos e pouco depois percebi, com espanto, que o meu companheiro de corrida era cego. Os óculos escuros escondiam dois olhos que há muito tinham deixado de ver.
Compreendi então a razão dos toques de ombros e braços do casal que serviam para orientar a corrida do homem de óculos escuros.
Com o devido cuidado tentei encaminhar a conversa para um tema que nos aproximasse.
-“É rapaz para que idade ? Andou na guerra do ultramar?”
Respondeu sem qualquer tipo de problemas.
Tinha menos 10 anos do que eu, que na altura já tinha passado dos 65, e tinha combatido em Moçambique, onde em 1974 tinha sido vítima de uma mina anti-carro. O seu rebentamento tinha-lhe causado ferimentos graves na cara, com a perda completa de visão dos dois olhos. A sua mão direita tinha ficado em tão mau estado que obrigou à amputação.
Já tinham passado mais de vinte anos e a bonita senhora de traços asiáticos era a sua companheira.
A partir desse momento a conversa não mais parou e quase se pode dizer que nesse dia falámos mais do que corremos.
A aproximação entre ex-combatentes, dos que “andaram por lá” e falam a mesma linguagem, rapidamente se torna fluida e arrebatada. Combinámos um encontro para o dia seguinte e repetimos a corrida e a conversa, que nos aproximou mais um pouco.
No final desse segundo dia parecia que já nos conhecíamos há anos.
Despedimo-nos com um amistoso e prolongado abraço.
O casal ia viajar no dia seguinte mas contava voltar dentro de 2 ou 3 semanas à praia do litoral Oeste, onde nos tínhamos conhecido.
Passaram 15 dias.
No final de uma manhã de praia, quando ia comprar o jornal, vi do outro lado da rua, a cerca de uns dez metros, o casal: o homem alto de óculos escuros e a senhora bonita de traços asiáticos.
Gritei-lhes com entusiasmo: - "Oh Zé Arruda, Zé Arruda, estás por cá outra vez?”
O homem de óculos escuros virou-se rapidamente e respondeu ao meu grito :- “JERO, és tu JERO, estás bom?!”.
Fiquei momentaneamente sem palavras . Tinham passado duas semanas e ele “identificou-me” numa fracção de segundo!
Trocámos um abraço apertado. “Grande Zé Arruda!”.
Nos dias seguintes voltámos a correr e a conversar. A conversar e a correr.
Acabou o verão e voltámos às nossas vidas.
O tempo passou e não mais encontrei o Zé e a sua bonita companheira, que lhe dava vista na vida.
De vez em quando via-o na televisão e recordava com a minha mulher a história do grito de São Martinho do Porto. Que me tinha ficado gravado na alma.
Ontem vi de novo o Zé na SIC, a ser entrevistado pelo jornalista Mário Crespo.
O José Arruda estava nos ecrãs da televisão na qualidade  de Presidente da ADFA - Associação de Deficientes das Forças Armadas e no final da entrevista anunciava aos seus pares a boa nova.

«O Governo tinha decido manter sem cortes todos os subsídios dos deficientes das Forças Armadas, levando em conta as “entregas” já feitas no passado de olhos, braços, pernas, mãos e pés… em nome da Pátria.”
Gostei muito de ver o Zé. Está igual.
É claro que nunca mais vou esquecer o seu grito: ”JERO, és tu JERO.”
Sou, e esse grito é uma das “condecorações” da minha vida de ex-combatente. Está no meu coração. Para sempre.
Zé Arruda, mando-te um grande abraço de Alcobaça.
Que Deus te guarde.
JERO
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Reencontrei o Zé Arruda na inauguração na Praça da Associação de Deficientes das Forças Armadas, em Alcobaça, junto à Rotunda da Fundação Maria e Oliveira (26 de Maio de 2013).
E recordei-lhe a história do nosso encontro em São Martinho do Porto. «És tu Jero? Estás com quantos anos?
Falámos 2 minutos porque havia muita gente à volta dele. Mas foi , para mim, um grande prazer. O Zé Arruda é um ser humano à parte! Diferente…para melhor !
JERO


sábado, 1 de junho de 2013

M-447 SERVIÇO DE URGÊNCIAS

Os homens e mulheres de ”bata branca” também choram…
A história de vida que se segue nunca antes foi contada em jornais.
A enfermeira Lucília Assunção já não recorda nomes. Passaram muitos anos. Mais de trinta.
Mas uma noite de gritos, de choros lancinantes, de lágrimas no Serviço de Urgências do Hospital de Alcobaça ainda continua presente num recanto da sua memória.
Vivia os seus primeiros tempos de enfermeira.
 Estava de serviço, nas “Urgências”, com o Dr. José Pedrosa.
Chegou uma ambulância. Três macas deram entrada no “Banco”. Um miúdo de uns 8 ou 9 anos e dois idosos, seus avós, eram já cadáveres. Confirmados os óbitos os corpos seguiram para a morgue, que ficava perto.
Logo a seguir, num veículo ligeiro, chegou um casal jovem. Os pais do miúdo. Confrontados com a situação ficaram estarrecidos. Desesperados, inconsoláveis.
Perante tal perda que dizer e que fazer àqueles pais !?
A enfermeira Lucília recorda que eram pessoas do norte do País. De que vila ou cidade já não se consegue lembrar. O avô seria Juiz de Direito.
O pai do miúdo tinha estado algum tempo fora de Portugal e a sua família tinha vindo esperá-lo ao aeroporto de Lisboa.
 Depois dos abraços e da alegria do reencontro tinham encetado a viagem de regresso em dois carros.
 Os avós e o neto num carro e o jovem casal noutro.
Quando passavam na região de Alcobaça um dos carros despistou-se e bateu violentamente contra uma árvore (!?).
Os bombeiros foram chamados e trouxeram as vítimas para o Hospital.
Seguiu-se o reencontro do jovem casal com os seus familiares. O médico e a enfermeira fizeram o que sabiam  - e não sabiam – para os acalmar e confortar.
A certa altura enfermeira Lucília Assunção não aguentou mais e saiu momentaneamente da sala. Foi chorar para trás de um biombo. O médico apareceu-lhe pouco depois e disse-lhe:« Então senhora enfermeira? A chorar? Preciso de si lá dentro . E sem lágrimas.»
A enfermeira voltou. E continuou a tratar dos vivos. Foi uma noite longa.
 Quando terminou o serviço e voltou a sua casa não conseguiu dormir um minuto.
No dia seguinte conversando com a mulher do Dr. Pedrosa, que também trabalhava no hospital, esta comentou. “Ontem foi mesmo um dia trágico. Nunca vi chegar a casa o meu marido assim. Quando chegou disse-me logo. Nunca mais os nossos filhos vão viajar noutro carro que não seja o nosso. Não pregou olho toda a noite.”
O tempo passou. E muitas noites de “urgências” se seguiram. Mas tão dramática como aquela em que o seu “chefe” a tinha chamado à atenção por estar a chorar…não voltou a acontecer.
Mas de uma coisa tem a certeza … que os homens e mulheres de ”bata branca” também choram.
 Mas tentam não o fazer à vista dos que necessitam dos seus serviços.
 Porque faz parte do seu trabalho evitar as lágrimas dos outros.
 As suas…ficarão sempre para outro ...
De preferência…sem ninguém por perto !
JERO