quinta-feira, 18 de outubro de 2012

M - 435 DUAS VEZES OITO = 88


Mais uma HISTÓRIA ConVIDA

José Canha dos Santos, nasceu em Chaqueda,( freguesia de Prazeres de Aljubarrota) em 4 de Novembro de 1924 , sendo o filho mais novo de uma família de 7 irmãos.
 Fez a instrução primária com a Professora Maria Ilídia Figueiredo, em Chaqueda,  e começou a trabalhar aos 11 anos de idade “na barbearia de seu irmão Manuel, no Rossio, em Alcobaça.»
 Viveu e trabalhou sempre em Alcobaça.
 Casou com 30 anos de idade em Lisboa, na Igreja da Graça, com Maria Augusta.
 Desse casamento nasceu a sua única filha, a Maria João, que conta agora 53 anos. Tem 2 netos – o João, com 22 anos e o António, com 17 anos, que são estudantes. 
Sempre viveu para o trabalho mas arranjou algum tempo para ser columbófilo e praticar cicloturismo.
Mas também ofereceu a si próprio  viagens a Inglaterra, Espanha, Brasil, Argentina e Paraguai.
À beira de completar a invejável idade de 88 anos surpreende pela sua memória, qualidade de vida, interesses diversos e por continuar a trabalhar na sua profissão de cabeleiro, que iniciou por conta própria em Alcobaça ,no Hotel Galinha, às Portas de Fora, em 1952.»
Vive desde há uns anos a esta parte em Alfeizerão onde faz de tudo para ocupar o seu tempo  – carpinteiro, pedreiro, jardineiro – e desloca-se 3 dias por semana – 4ª.,5ª. e sextas feiras - ao seu salão de cabeleiro em Alcobaça para atender algumas clientes muito antigas e dedicadas, que o continuam a preferir. 
Já trabalhou 6 dias por semana mas infelizmente as suas clientes foram envelhecendo e morrendo, o que o levou a reduzir o seu horário de trabalho. 
O seu segredo para a longevidade ?
« Estar ocupado e fazer o que se gosta. Fiz muito desporto , incluindo natação no Rio Alcoa, em Chaqueda, onde cheguei a ter um barco. Como cicloturista fiz milhares e milhares de quilómetros.»
 Mostra-nos jornais portugueses e espanhóis onde são referidas essas façanhas desportivas, que ocuparam uma parte importante da sua vida. Tem no seu salão um expositor com troféus dessa modalidade, de columbofilia e de automóveis antigos.
 Tem um automóvel que é preciosidade – um “Datsum 1600” – com 41 anos de idade e que trabalha como “um relógio”. É um dos seus orgulhos, que fez questão em nos mostrar. «Daqui bocado, por volta das 5 e meia da tarde lá vou no meu “espada” para Alfeizerão».

E que diz do actual “estado da nação” ? Nunca paguei tantos impostos. Não me lembro de uma coisa assim! Vou trabalhar mais algum tempo no meu salão mas já não compensa. Mas não me vou sentar a ver o tempo passar. Sei fazer de tudo. Não me vou aborrecer. Sempre gostei de viver.»
Em 4 de Novembro próximo vai fazer, se Deus quiser,  88 anos. Uma bonita idade.
JERO






domingo, 7 de outubro de 2012

M - 434 INSTANTES QUE PASSAM...


ESQUINAS DA VIDA

Se existe uma idade para a gente ser feliz, uma época na vida em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-las a despeito de todas as dificuldades e obstáculos…é quando se anda por volta dos 20 , 20 e poucos anos.
Nessa idade de encanto com a vida desfruta-se tudo com toda intensidade sem medo, nem culpa de sentir prazer. 
É a fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida, à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores. 
É o tempo de entusiasmo e coragem em que todo o desafio é mais um convite à luta 
que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo de novo, quantas vezes for preciso. 
Essa idade tão fugaz na vida chama-se presente e pode ter a duração do instante que passa.
Aconteceu recentemente com o João Pedro Dinis que, depois de um almoço em família, se sentiu mal e teve uma paragem cardíaca.
Socorrido de imediato chegou sem vida ao hospital da sua terra. Tinha festejado 24 anos na semana anterior. Concluíra pouco tempo atrás o curso de engenheiro agrónomo e iria partir dentro em breve para um estágio de 2 meses na Universidade de Berlim.
 Tinha jogado futebol no clube da sua terra e parecia vender saúde. Mantinha uma actividade física regular na sua Universidade e era vice-presidente da Associação de estudantes do Instituto Superior de Agronomia.
Durante um instante que passa… deixou a vida.
 E uma imensa saudade aos seus familiares e amigos. Que quiseram estar por perto no seu funeral, que constituiu uma enorme manifestação de pesar.
 Na igreja da sua freguesia nunca se tinha visto tanta gente.
 Uma colega, depois da homilia, fez-lhe um emocionado testemunho de despedida, que a todos fez chorar.

O seu caixão, quando saiu da igreja, foi transportado por 6 jovens amigos. Seguido pelos seus familiares mais próximos, passou por cima das capas negras do seus colegas de Agronomia.
 Os pais seguiam-no.
 E logo a seguir o avô, que parecendo atingido por raio, caminhava com dificuldade e olhava para o céu perguntando, sem palavras, o porquê do seu neto partir e ele…ficar.
A multidão ,que saía da Igreja parou momentaneamente, e só prosseguiu depois de as capas negras terem sido retiradas do pavimento pelos colegas do João Pedro Dinis.
Seguiu-se um longo cortejo a caminho do cemitério. Onde ficou o João. A poucas centenas de metros casa dos seus familiares.
Regressámos a casa. 
Passámos pela florista para pagar um ramo de flores que tinha ficado nas mãos de um tio do João, devido à dificuldade em chegar até à campa.
 A florista que ,além de nossa vizinha é pessoa amiga, confidenciou-nos que durante horas e horas tinha feito arranjos de flores para o funeral do jovem. Tinha parado à pouco. Quando se preparava para ir beber um café apareceu mais um cliente.
Queria um bouquet de flores bonito e bem colorido para uma senhora de idade. Quantos anos faz perguntou, por curiosidade a florista.
-Faz hoje 100 anos.
Fiquei sem palavras.
 E voltei a (re)ver a imagem terrível do avô do João Dinis a caminhar tropegamente atrás do caixão do seu neto.
 A questionar,
 mudo,
 o céu.
 Nas esquinas da vida presente que pode ter a duração do instante que passa.
Mas a vida continua.
Momentos antes alguém tinha levado um bouquet de flores bonito e bem colorido para uma senhora de idade.
Que fazia nesse dia 100 anos.

São as esquinas da vida.
Insondáveis.Inacessíveis.
Inexplicáveis.


JERO



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

M - 433 INTERVENÇÕES NO MOSTEIRO DE alcobaça


INTERVENÇÕES
O Claustro da Hospedaria, que foi prisão em rudes tempos patrimoniais, esteve longos anos ao abandono.
No ano 2000, intervenções arqueológicas levaram, entre outras descobertas, ao aparecimento do portal gótico que até ao sec. XVI servia de ligação entre o Claustro de D.Dinis e o terreiro, servido nessa altura por uma escadaria que atenuava o desnível entre um e outro.
Curiosamente as autoridades patrimoniais continuam lamentavelmente a ignorar que o Claustro do Palácio não é de “D.Afonso VI” e o da Hospedaria não se denomina de “Cadeia”.
 Um dia o bom senso científico prevalecerá sobre os lapsos.
O Claustro da Hospedaria foi recuperado (1º.piso) em 2005 no que respeita a janelas, paredes exteriores, tectos de madeira e paredes interiores.
No piso térreo, os paramentos, devido a saída da cadeia continuavam picados e não havia revestimento de piso. Alguém terá pintado as cantarias de amarelo.
Por volta de 2005 a AMA-Associação de Amigos do Mosteiro de Alcobaça apresentou um projecto de recuperação deste espaço pois considerava que o Claustro da Alta Renascença do Palácio Abacial, construído no tempo do Abade Comendatário D.Henrique, e a Portaria muito alterada e o Claustro da Hospedaria, construído no sec. XVII, deviam integrar o circuito de  visita ao Monumento.
A Sala de Conclusões foi então limpa (aí funcionou a Repartição de Finanças até 1986)  e pensou-se poder aí instalar a nova loja, ligada directamente à Praça 25 de Abril.
 Bem que o actual director desejava cumprir este projecto. Mas…
Acontece que em dado momento, creio que haverá cerca de um ano, o IGESPAR resolveu seguir as recomendações dos Amigos do Mosteiro e rebocar paredes e tetos à base de cal e lajear o solo.
Tudo bem, mas houve um desastre, o vão, da tal ligação medieval do Claustro do Silêncio ao Terreiro.
 Com a decisão de construir “um desenho sóbrio e contemporâneo”, cobriram o que estava à vista do vão gótico e os silhares de pedra do arranque da porta medieval.
Não entendeu o decisor que poderia ter conciliado o vão mais antigo e o vão menos antigo e vai daí tirou tudo com o argumento usado na arqueologia horizontal – tapa-se. E assim conserva-se.
Alexandra Gesta disse um dia: transformar não implica destruir nem reproduzir. Foi o que se fez em 1980 na Casa dos Bicos, em Lisboa. Afirma a citado arquitecta(*) que é necessário produzir novos valores a partir dos existentes.
O novo “valor” da ligação citada, foi o apagamento da memória, considerando-se esta “requalificação” uma intervenção moderna do vão.
Tenho pena que hoje em dia ninguém oiça ninguém quando intervém no terreno que mal conhece e amputa a leitura histórica, mesmo tendo tido à disposição imagens e relatórios que deveriam ter impedido o gesto de diluição, continuando afinal o erro que se fez no terreiro destruindo a escada no eixo do portal medieval com o desenho do novo terreiro.
Rui Rasquilho
Membro fundador do ICOMOS-Portugal.

(*)- Por lapso está referido que Alexandra Gesta é “arquitecta”, quando na verdade é uma especialista da área de salvaguarda do património com trabalhos feitos na cidade de Guimarães, onde foi responsável pela reabilitação do Centro Histórico.