segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

M - 405 A LEI DA VIDA E A POLÍTICA DA MORTE

A SOLIDÃO NA TERCEIRA IDADE

O tempo passa a correr e um dia percebemos que se nos acontecer alguma coisa que possa ser “notícia” seremos referidos por “sexagenários”. Ou pior ainda por “idosos”.


Idoso caiu desamparado na rua e foi conduzido ao hospital…
Sexagenário vítima de conto do vigário…


Quem tem a sorte de chegar ao “estatuto de avô”, alem de ser “sexagenário” ou “septuagenário” poderá mentalmente preparar-se para voltar a aprender a andar vendo os seus netos a fazê-lo enquanto crescem…
Porque aos 2 anos o sucesso dos nossos netos passa por andar sem cair, aos 4 anos não fazer xixi nos calções,
aos 12 anos ter amigos,
aos 16 anos namoriscar,
aos 23 anos terminar o curso,
aos 25 anos sair de casa e fazer-se à vida…


É um dado adquirido que a esperança de vida aumentou, o que nem sempre quer dizer que tenhamos a garantia que a qualidade de vida se mantenha.


E é aqui que entra – ou poderá entrar – a solidão que é uma terrível componente da vida para a qual ninguém poderá dizer que está preparado.


Já conhecemos pessoas que diziam não ter medo da morte .Mas que não estavam preparados para suportar a dor física, que se poderá “eternizar” com a solidão.


Com o prolongar da longevidade a solidão acontece na terceira idade porque os filhos casam e fazem a sua vida.
 As relações próximas vão decaindo e chega-se a um momento em que os mais velhos se sentem sozinhos, passando dias sem ver ou conversar com alguém.


Com o decair das relações familiares a qualidade de vida também decai no sentido em que os idosos passam muito tempo à frente da televisão ou do rádio, sentados e muitas das vezes em casas com poucas condições.






Entretanto os avós,
serão mais “idosos”,
e só terão sucesso se aos 75 anos tiverem amigos,
se aos 80 anos não fizerem xixi nas calças. E,sucesso dos sucessos, se aos 90 conseguirem andar.
Até à casa dos filhos,
dos netos,
dos amigos.


JERO

(septuagenário)
(avô militante)
(com muitos amigos).















segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

M - 404 NO FINAL DO SÉCULO XVIII...

O RETÁBULO DE ALCOBAÇA

No final do século XVIII, no reinado de D.José I, o ministro Pombal enviou a Alcobaça e Coimbra o Engenheiro Guilherme Elsden para proceder a diversas e importantes obras.
O Abade de Alcobaça era D.Manuel de Mendonça, familiar de Pombal.
É então construído o Panteão Real em gótico revivalista de inspiração inglesa junto ao transepto sul, após a escadaria de acesso ao Colégio de Nossa Senhora da Conceição, demolido já no século XX, e também um esplêndido retábulo barroco na Capela Mor da Igreja Monástica que acrescentou o existente
Valerá a pena explicar que o retábulo se foi transformando e acrescentando desde sobretudo as novas disposições litúrgicas emanadas do Concílio de Trento após 1562.
A celebração da ceia do Senhor passa a ser partilhada pelos fiéis alcobacenses que, pouco a pouco, vão poder ter acesso às celebrações eucarísticas monásticas.
Desde 1667 que ,apoiados em novas colunas que antecediam as primitivas, Santos da Ordem e Papas Cistercienses em barro cozido envolviam a meia lua do altar completado com os anjos músicos, também em barro, e a imagem da Virgem com o Menino, como mostra a ilustração coroando o conjunto, tudo em brutesco e ouro.
A estas representações tão caras ao barroco junta-se em 1678 um enorme sacrário piramidal, apoiado em 6 anjos e encimado por um pelicano. A eucaristia conta agora com novas custódias e cálices para realçar a transubstanciação anunciada pelo sacerdote monge do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo. Trento determina a compreensão do sentido das sagradas escrituras e da Santa Igreja Mãe que guarda Cristo na Eucaristia. Compreende-se por isso o grande sacrário ,como um século depois se entenderá o grande globo e resplendor de Elsden que substituiu.
Em 1930 o retábulo é apeado, os altares e capelas do transepto também. Idem para o órgão e altares das naves laterais. O barroco da Igreja estava desfeito depois de haver sobrevivido às tropas francesas e inglesas.
Em 1716 são colocadas logo após o Arco Triunfal, ele também ornado com uma grinalda de talha dourada, duas imagens.
São Gabriel do lado do Evangelho, onde então se colocava o Novo Testamento, com os quatro livros sagrados com os ensinamentos de Cristo, escritos por S.Mateus, S.Marcos, S.Lucas e S.João. E a representação da Virgem do lado da epístola (à direita dos fiéis) onde, antes da leitura do Evangelho , se lia ou cantava uma das cartas dos Apóstolos que constam do Novo Testamento e eram originalmente dirigidas às primeiras comunidades cristãs.
 Hoje celebra-se a missa em Alcobaça numa Igreja reconduzida ao gótico original, e sem a presença da comunidade cisterciense que nos deixou em 1833.


Um bom ano com coragem e alegria.


Rui Rasquilho

domingo, 15 de janeiro de 2012

M - 403 AMIGOS COMO OS DA ESCOLA E OS DA TROPA...

“A noite acabou e o dia começou”

Amigos como os da escola e como os da tropa não há.
Está claro que, ao longo da vida , se encontram pessoas especiais com quem fazemos amizade e que aumentam o nosso património de afectos.
Mas amigos como os da escola… amigos como os da tropa...
Atrevo-me até a dizer que os “patamares” são um pouco diferentes porque os amigos da vida militar vieram um pouco mais tarde…do que os da escola.
 E quando refiro a vida militar estou a pensar especialmente nos amigos com quem convivemos durante a guerra do ultramar.
 Normalmente dois anos, que significaram mais de 700 dias. E dias com muitas horas…
De forma um pouco diferente vivi recentemente, em dois tempos, o que atrás referi.
Refiro dois tempos porque sendo “amigos da guerra” convivi com eles em situações diferentes.
A primeira situação teve a ver com um ex-capitão miliciano que está na vida civil há cerca de 40 anos. Graças a um blog de ex-combatentes da Guiné conheci-o há cerca de 2 anos. Mas as nossas vivências comuns, com convívios mensais na “Tabanca do Centro” ,estreitaram laços. Que “estremeceram” devido à preocupação que uma recente e delicada intervenção cirúrgica a que foi submetido causou.

A importância que a amizade daquele homem tinha para mim
 (e para outras camaradas) ficou patente na preocupação que transmitimos uns aos outros com a troca de e.mails e telefonemas sem que o destinatário “final” soubesse. E quando soubemos das suas melhoras e da possibilidade de o visitarmos em sua casa… “a noite acabou e o dia começou”.


A segunda situação tem a ver com um capitão do “quadro”, nos dias de hoje Ten. General aposentado, que foi o “meu capitão” da Guiné em 1964-65.
Fez no dia 14 de Janeiro corrente 76 anos. Na véspera contei as horas e os minutos para, em cima da meia noite, lhe enviar um e.mail .
Além dos parabéns enviei-lhe uma “espécie” de poesia que há muito é “palavra-chave” em momentos especiais.


MEMÓRIA
À distância no tempo... recordo sons!
Numa selva de imagens
recordo militares agitados...
Lembro a floresta, o caminho estreito.
À distância no tempo... os ruídos esbateram-se!
Ficaram imagens...
Deitado na viatura da "Breda" está ferido o capitão,
Pálido, de camuflado rasgado... mas comandando.
Ordens e gritos... Militares disparando...correndo,
lutando à voz do seu capitão exangue...
Saindo da floresta
que para trás ficava de novo silenciosa!
Na distância do tempo... volto a ouvir
Algures vindo do céu, antes da vista o ter visto,
O barulho inconfundível das pás, das hélices do helicóptero.
O sangue deixou de correr,
a palidez das faces atenua-se,
e aparecem os primeiros sorrisos.
Estão nítidos na minha memória
os companheiros
que ficaram para a vida, toda a vida.






«Quando a meio de uma estrada, recordares um rosto de um amigo e o associares à memória dos teus…a noite acabou e o dia começou».


Amigos como os da escola e como os da tropa…


JERO









segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

M - 402 NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO (NAO) NÃO, MUITO OBRIGADO

Sambaro, o Dicionário e o Afecto

Agora que tenho tempo tornei-me um caminheiro. Logo pela manhã abalo pela cidade. Travessas, calçadas, pátios, becos, vilas, percorro devagar essa Lisboa escondida, quase invisível. Foi num desses passeios que encontrei Ansumane.


Um negro velho e calvo, que entre a Travessa da Lua e o Beco das Estrelas, arengava em crioulo.


Dei-lhe os bons dias e ele apresentou-se:
- Ansumane Baldé, segurança.
- Segurança? Foi militar?
- Soldado de Artilharia, Número Mecanográfico 82062962, Guileje, com os Alferes… e desfiou uma lista de nomes.
- Eu estive na Guiné. Era o Alferes Cabral do Pel Caç Nat 63.


- Ah! O Alfero Bigodes!
- Sim usava um grande bigode. Mas como sabes? Estive sempre no Leste, em Fá e Missirá!

- Quando fugimos para o Senegal iam muitos soldados dos Pelotões Nativos.
Do teu, foi o Sambaro, que já morreu. Morávamos na mesma Tabanca e muitas vezes falávamos de vocês todos.
 Sambaro, o homem da bazuca.
Talvez quarenta anos, forte, sério, três mulheres, muitos filhos.
Queria ser cabo e estudava, estudava para ir fazer o exame da 3ª classe a Bambadinca.
Quando voltei de férias ofereci-lhe um Dicionário. E que contente ficou! E leu e releu a dedicatória: “Para o Sambaro que é quase Cabo e ainda há-de chegar a Sargento. Com Afecto”.
- Alfero o que é Afecto? (ele lia o “c”)
- Procura no Dicionário, Sambaro. Que é para isso que ele serve.

Isto passou-se em Fevereiro de 1971. O Sambaro, além da bazuca, passou a carregar o dicionário. Ainda me lembro de o ver no Mato Cão a folheá-lo…
Disse-me o Ansumane, que os filhos e os netos do Sambaro vivem para as bandas de Sonaco. E que será feito do dicionário?
Imagino um dos netos a procurar nele a palavra afecto;
- Olha, Sambaro Neto, se te disserem que agora é afeto, não acredites. Ninguém lhe pode tirar o “c” de coração.


Jorge Cabral


Além de professor de direito penal, agora reformado, é conhecido por ser um escritor lusófono que diz não ao NAO (Novo Acordo Ortográfico)

Respigado do blogue LUIS GRAÇA &CAMARADAS DA GUINÉ
(Postagem 9304, de 3 de Janeiro de 2012).


Com particular estima e apreço/JERO



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