domingo, 19 de junho de 2011

M - 361 O CAMISOLA VERMELHA

FILHO D’ALGO

As frases que se seguem pertencem a uma carta de um responsável por uma paróquia próxima da cidade do Porto e expressam um apelo para alguém em dificuldades.
«É um caso quiçá estranho…a pessoa referenciada está a “morar” numa barraca nas imediações de uma praia…está só…parece culto e educado…diz que o pai …era capitão… ele mesmo parece ter servido como militar na guerra colonial … terá colaborado noutras iniciativas de perfil militar… fala no General Humberto Delgado…diz que teve mas não tem neste momento qualquer pensão…»
«Uma colaboradora da paróquia…tem dado alimento há mais de 2 semanas a este homem.»
Na carta que reproduzimos parcialmente consta ainda uma fotocópia do B.I..
O signatário da carta estranha que o homem da “barraca da praia” tenha um pai com um nome de fidalgo. Ao nome próprio seguem-se sete (!) apelidos.
«A filiação “revela” ser “filho d’algo».
«Diz ter uma irmã e um irmão perto da terra da sua naturalidade.» 
( algures na região de Leiria).
«Informou ter filhos nas Canárias(!!!)».
«Parece estar desligado, completamente, da família…talvez queira viver sozinho…mas esta situação preocupa-nos».
A carta foi-nos mostrada com a esperança de que conhecêssemos - por sermos da mesma idade - o “misterioso” homem da barraca da praia.
Bastou-nos ler uma só vez a carta para “ver-mos” um colega de uma escola primária que ficava junto da antiga praça do peixe. Era o “camisola vermelha”, que fugia da escola durante o intervalo e que nós ajudávamos a “capturar” para voltar de novo à sala de aula. Obviamente que a iniciativa desta “caça” ao garoto “vinha de cima”.Mas passados mais de 60 anos ainda nos custa bastante recordar este episódio pouco “educativo” da nossa meninice.
O “camisola vermelha” voltava sempre à força e levava algumas reguadas para não repetir a façanha.
Se bem me recorda esta “cura e castigo” não resultava por muito tempo. E a cena ia-se repetindo ao longo da 1ª. classe do ano de 1946.
No final desse ano fui para outro professor e para outra escola e perdi de vista o irreverente rapaz, que se escapulia das aulas à “má fila”.
Tenho uma ideia vaga do seu Pai e da casa onde a família vivia mas…estão passados muitos anos!
Sei onde vive actualmente um seu irmão (mais velho) e um sua irmã (mais nova)...mas mais de 200 kms. os separam, o que não ajuda a que esta estranha história possa vir a ter um final feliz.
Entretanto um novo capítulo desta história misteriosa pode ainda vir a ser escrito, se for possível aproximar o homem só …dos seus familiares.
Até lá tenhamos esperança que a generosa benfeitora da paróquia do norte …continue a dar alimento por mais algumas mais semanas ao “filho do capitão”.
A vida prega-nos muitas vezes partidas e ser fidalgo ou “filho d’algo” nem sempre se revela uma “mais valia”!.
JERO













sábado, 11 de junho de 2011

M - 360 NO RIO ALCOA ...POR SER MAIS LINDO DE VER

NO RIO ALCOA… PONTE D’e VERÃO



Inevitavelmente quando se fotografa este rio recordamos Silva Tavares , que o imortalizou na sua poesia.
«Quem passa por Alcobaça
Por mais que tente e que faça,Ninguém se pode esquecer,Das margens do Rio Baça,Nem do Alcoa que passa,Por ser mais lindo de ver.»
Tarde quente…junto à Biblioteca…aguardando uma sessão de trabalho da Comissão Executiva do Congresso Internacional Mosteiros Cistercienses.
Que vai ter lugar de 14 a 17 de Junho de 2012 em terras de Cister.
Com temas e comunicações que preencherão um congresso que decorrerá em torno de :
História de Cister,Economia e Sociedade,Arte e Arquitectura e
Espiritualidade Cisterciense.
Com grandes nomes a fazer parte da Comissão de Honra e da Comissão Científica.
Uma hora e meia depois de batida esta chapa saímos da sessão de trabalho da Biblioteca:
Ana Margarida Martinho,
António Valério Maduro,
José Albuquerque Ribeiro,
José Amílcar Coelho,
 José Eduardo Oliveira e
 Rui Rasquilho
 da Comissão Executiva,
que desde há meses põe de pé o Congresso Internacional MOSTEIROS CISTERCIENSES
Passado, Presente,Futuro.
ALCOA florido ...para daqui a um ano...em Junho de 2012...voltar a recordar.
JERO









sexta-feira, 10 de junho de 2011

M - 359 PASSADO SEMPRE PRESENTE

Sempre presente...o passado

 «Há dentro de nós um poço, no fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos».
Virgílio Ferreira, escritor (1916-1996).

No dia 5 de Novembro (de 1964) à noite, apareceu a C. Art. 732 que, a 5 km do local onde nos encontrávamos, sofrera duas fortíssimas emboscadas quase seguidas, cada qual a mais feroz, e que provocaram um morto e vários feridos.

Vinham de cabeça perdida... e o estômago a “dar horas”; oferecemos-lhes o nosso jantar e demos-lhes ânimo, para enfrentar outros dias difíceis que ainda iriam surgir durante a longa comissão. De manhã, pareciam outros!
Partiram para sul”.

“Testa de Ponte”/Belmiro Tavares/Alf. Mil. da C.Caç. 675 (Lisboa, Abril de 2011)

O texto alusivo a 5 de Novembro de 1964 passou-se no Norte da Guiné, junto a Farim, durante a guerra do Ultramar.
Estão passados quase 47 anos.
Parafraseando Virgílio de Ferreira há de facto dentro de nós um poço, meio cheio com memórias do passado que, por vezes, nos perturbam e chegam à superfície de rompante, obrigando-nos a lutar para afastar fantasmas que afinal, ao longo do tempo, nunca deixaram de nos acompanhar…
Sob as ordens do Alferes Belmiro Tavares eu estava lá e foi na qualidade de Furriel Enfermeiro que ajudei ,com outro militar da “675” ,a retirar de uma viatura o corpo do militar da C.Art. 732,envolto numa lona, que tinha sido ferido de morte poucas horas antes.
Os homens da “732” estavam a viver o seu primeiro dia no “mato” (leia-se “guerra a sério”) e estavam autenticamente em estado de choque.
Deu para perceber pouco depois que eram autênticos novatos(“maçaricos” na gíria militar) que não sabiam “armar” as suas “G-3”. Já tinham passado por duas emboscadas e não sabiam meter a bala na câmara das suas armas a cheirar a massa de quarteleiro!Só um 2º.Sargento do "quadro" tinha ripostado ao fogo inimigo com uma metralhadora pesada. Tinham tido um morto e só por milagre não tinham sofrido mais baixas.
Passados todos estes anos vim agora a saber ,pela consulta de um livro respeitante aos mortos em Campanha do Estado Maior do Exército (8º Volume – Tomo II, Guiné –Livro I, a pgs. 80), que o militar morto perto de Farim era um jovem soldado atirador nº. 107/64,de Selmes-Vidigueira, de nome João António Beijinho Sardinha. O registo do E.M.E.refere que está sepultado no Cemitério Municipal de Évora.
À distância no tempo recordo ainda com nitidez o desnorte dos militares da ”732”, onde vim a encontrar um amigo e camarada dos meus tempos do Hospital Militar de Lisboa: o Furriel Enfermeiro Albino, por alcunha o “Six”, que me contou com algum pormenor os maus bocados desse longo e penoso dia (*).
O medo dava-lhes às faces uma lividez impressionante e estavam esfomeados. A comida das nossas marmitas foi para eles um manjar dos deuses.
E depois transmitimos-lhes ânimo. Estávamos no “mato” há apenas 4 meses mas tínhamos já na pele umas dúzias de operações com muitas vitórias pessoais e colectivas. E éramos uma grande Família. Unidos como irmãos.
Tinham que superar aquele dia de infortúnio.
Afinal já Virgílio Ribeiro o tinha dito:
“Há dentro de nós um poço …A fonte do que nos enriquece no em que somos humanos”.
Partiram para Sul poucas horas depois.
Agradeceram-nos vezes sem conta.
Da “testa de ponte” de 19 de Outubro a 6 de Novembro de 1964 é o que de mais marcante me ficou.
O passado mais uma vez me invadiu o presente.

Vindo do Rio Cacheu,
frente a Farim,
 passando por Binta
até hoje,
 relembrando a escuridão da noite,
 o cacimbo da madrugada
que tornava ainda mais desconfortável
o descanso,
 nos “colchões” improvisados .
Sempre com os mosquitos por perto.
Picando,
sugando o nosso sangue,
no pescoço,
nas mãos,
na nuca,
nos tornozelos,
na cabeça,
na alma...

Quase 47 anos depois …
o passado sempre presente.


JERO

(*)O meu amigo "Six", que já era a abreviatura de "six to five o laringe"(já não me lembra porquê) era um notável "baldas". Alfacinha de gema tinha uma lábia que nunca mais acabava. Trabalhava nas "Páginas Amarelas" e já como Cabo-Miliciano passava a vida a "desenfiar-se" para ganhar umas massas no seu emprego da "vida civil". Eu respondia por ele nas formaturas para o rancho e não só. Um dia telefonou-me para a en- fermaria onde era suposto prestar serviço(a Dermato-Sifligrafia) para na formatura da noite responder por ele.O cabo-tefefonista do HMP pediu-lhe a identificação antes de me passar a chamada e o "Six", armado em bom ,disse ser Alferes Miliciano e ordenou ao Cabo para se limitar a fazer o que lhe mandavam.O Cabo ficou desconfiado e ouviu a chamada.O "Alferes" pedia a um Cabo Miliciano para responder por ele na chamada da noite!?  Resumindo: o Cabo "lateiro" telefonista ameaçou que ia participar a ocorrência e tivémos que lhe ir pedir rapidamente desculpa no dia seguinte para evitar males maiores. Está claro que o "Six" continuou a desenfiar-se sempre que podia com a "cobertura" do seu amigo Oliveira, que chefiava a Enfermaria e tinha que fazer o seu trabalho e de mais uns tantos Cabos-Milicianos, que sabiam que o seu "Chefe" temporário não iria participar deles.
Enfim, sacanagens dos "verdes anos".









sexta-feira, 3 de junho de 2011

M - 358 UNIVERSITÁRIOS DA VIDA

TERESA ALMEIDA

Com apenas 18 anos de idade foi, da noite para o dia, mãe de 8 irmãos. Porque da noite para o dia lhe faleceu a sua mãe.E durante 10 anos da sua vida foi mãe/irmã.
Teresa Almeida que nasceu em Ribeira do Marete, Vimeiro, em 28 de Maio de 1943 conta esta primeira fase da sua vida com uma tranquilidade desconcertante. Mas com força, com vida, com autenticidade.
E só estamos ainda no princípio.
A T.A., iniciais com que assina as suas poesias, conta agora 67 anos de idade e é aluna aplicada da Universidade Sénior da Benedita.


Antes, muito antes deste dia em que conhecemos a “Titi”, como é também carinhosamente tratada pelos seus amigos, resolveu “desmamar”os seus meninos/irmãos e emigrou em 1971 para o Canadá.
Porquê?
«Precisava de viver a minha vida.»
Com 28 anos tinha apenas a 4ª. classe. Quando no Canadá completou 36 anos conseguiu acabar o 11º ano. Cursou enfermagem e foi “Enfermeira-Assistente”. Manteve sempre contacto com os seus irmãos e em 2.000 regressou.
“Ganhou” uma reforma antecipada graças a um “amigo”.
Um cancro.
Diz isto sem hesitações. Agarrada à vida. Autêntica. Determinada.
Venceu um, mas…tem outro.

Sem palavras olho-a nos olhos sem conseguir disfarçar a minha emoção e também a minha admiração.Olho a seu lado a sua directora e percebo porque me deu a ler as poesias da T.A.
Esta universitária da vida é de facto especial.
«Nem o Diabo me quer no Céu nem Deus me quer no Inferno. Enquanto não chegarem a acordo não posso morrer.»
-Posso publicar isto?
« Claro que pode. É verdade.»


Olhei-a com uma admiração imensa e pedi-lhe uma das suas poesias.


Que Grande Senhora conheci no dia 2 de Junho de 2011!
JERO


BIRRA e AFIRMAÇÃO
...

Criança bem comportada/Sempre limpa…ajuizada/É sonho ou é pesadelo?/ Que nunca salta nem grita/É aprumada e bonita/Não se faz…não há modelo


A criança que esperneia/Que faz birra volta-e-meia/ Está a testar o adulto/ Éo seu eu a se afirma/ E quem a deve educar/ Esteja atento…seja astuto


Porque o bebé perfeito/Não existe…não dá jeito/Não é um pré-fabricado/ Tem de aprender a viver/ Pra que nunca venha a ser/Um boneco articulado.


Excerto de uma poesia da T.A.