quinta-feira, 23 de setembro de 2010

M 300 - JOGOS DE FUTEBOL ÚNICOS - Parte Dois

UMA FOTOGRAFIA COM HISTÓRIA
A MALTA DO CABEÇO EM 1975…
Em dia de grandes dores de cabeça no País…voltamos ao “Cabeço”…
Para memória futura ficam aqui registadas as “dores de cabeça” do País por estar em risco a aprovação do próximo “orçamento”. O partido do governo (PS) e o PSD desentenderam-se e adivinhem quem se vai tramar!?
Não tem nada que saber:-a malta do “Cabeço” ,os seus filhos e netos e ...mais alguns milhões!
Posto isto, e porque finalmente temos legenda para os 44 “futebolistas” da fotografia do Juvenal Amado, actualizamos o texto da nossa postagem “291”, de 30 de Agosto último.
(…)
«Os jogos do Cabeço – num campo pelado que tinha erva por todo o lado e que se situava na saída de Alcobaça a caminho do Casal Pereiro…tinham regras únicas. Jogava toda a malta .Dez contra dez, quinze contra quinze, vinte contra vinte ou mais. Mesmo com o jogo a decorrer quem chegava ao Cabeço…jogava.
O jogo iniciava depois de uma “primeira” escolha com a malta ainda toda de camisola. Quem sofria o primeiro golo tirava a camisola e passava a jogar de tronco nu… Na fotografia que ilustra o texto há situações de pais e filhos, que era mais uma singularidade destes jogos especiais que duravam toda a manhã. Começavam às 9.00 e acabavam …quando não restava mais ninguém em campo.
Gente conhecida há muita.
Ainda com alguns pontos de interrogação (?) segue a legenda da “fotografia com história”.
1 – Carlos ;2 – Calisto ;3 – Jero; 4 – Barrão; 5 – “Casa Velha”?; 6 – Raínho (falecido) ;7 – Palma Rodrigues ;8 – Luís Mourão; 9 – Nobre (BPA); 10 – João Manuel Hermano; 11 – Venâncio (falecido; 12 – Zé Lourenço(ex-Beco do Grilo); 13 – Nando? ;14 – Dr. Jaime?; 15 – Zé Teodoro; 16 – Fernando ;17 – Jorge Rito ;18 – Helder Raimundo; 19 – Victor Rito ;20 – Dr.Basílio Martins ;21 – Dr. José Pedrosa ;22 – Zé Pedrosa (filho); 23 – Carlos (Paraquedista); 24 – Luís Correia; 25 – Ramiro Enf.º; 26 – António Eduardo ;27 – Américo ;28 – Martinho; 29 – Manuel ;30 – Anacleto Raimundo; 31 – Victor “Pisão” (falecido); 32 – Mário; 33 – Miguel Magalhães; 34 - Juvenal Amado; 35 – Mário Bernardes; 36 – Pacheco (CGD); 37 – Mário Paquim (CGD); 38 – Nabais ;39 – Amaral; 40 – Diamantino Faustino; 41 – Monteirinho; 42 – Carlos Helder; 43 – Teopisto (filho) e 44 – “Catatau”.
São devidos especiais agradecimentos ao Diamantino Faustino que com a sua prodigiosa memória identificou a maioria dos “retratados”. Também o Juvenal Amado deu umas preciosas ajudas.
E depois à Liliana Rebelo da Silva Neto que fez o tratamento informático da fotografia.
Falta nesta fotografia um dos mais célebres jogadores de todos os tempos do Cabeço, que foi o António Gerardo, mais conhecido pelo “Cuco”.Jogava a ponta de lança “fixo” em cima da linha de golo da baliza dos “outros”.Marcava que se fartava…
Juntamos um pequeno apontamento de uma foto do Diamantino em que aparecem o Gerardo(à esquerda) e o “americano” Américo Monteiro, ao tempo empregado na Crisal.
"Americano" porque foi trabalhar para os States "long long ago"...
Esta última parte é em estrangeiro!
Nos jogos do “Cabeço” a arbitragem era de cariz popular e feita sem grandes interrupções.
E... não havia foras de jogo.
A malta estava lá para jogar a bola.
Seleccionador não havia.O dono da bola é que era importante porque "jogar sem bola" não dava "pica" nenhuma...Que grandes tempos…
JERO



terça-feira, 21 de setembro de 2010

M 299 - MEMÓRIAS DE ANGOLA

UMA (LONGA) NOITE A CONDUZIR…A MORTE

De seu nome José Peça Figueiredo foi conhecido nos seus tempos de militar como o “Alcobaça”.Vá-se lá saber porquê!
Recolhi a história que hoje vou contar em diversos tempos…
Num primeiro tempo …hesitei em contá-la pela tremenda carga de dramatismo que contém.
Num segundo tempo – impressionado pela morte recente de uma familiar – telefonei ao Zé Peça ,que daqui a pouco mais de um mês vai entrar numa idade ingrata – os 70 menos 1, e disse-lhe:
Eh pá ,qualquer dia “deixamos de fumar” e fica por escrever a tal história da tua noite a caminho do Ambrizete…
Falámos ao fim da tarde de hoje, 20 de Setembro de 2010, em casa do Zé.
Somos amigos desde há muitos anos e sei que é…” boa praça”. Não engana. Discreto, palavroso como profissional (foi um excelente vendedor de automóveis) mas extremamente recatado quando toca a falar de si.
Foi portanto um José Peça Figueiredo tenso e particularmente sério que me (re)contou a história de uma das noites mais longas e dramáticas da sua vida militar.

Foi no dia 5 de Junho de 1963. Passava pouco do meio dia. À distância do tempo recorda esse dia …ao minuto. Era Soldado Condutor (condutor auto rodas) da CCS do Batalhão 400 (BART 400).*
Pediram nessa altura “voluntários” para ir ajudar uma coluna do "392" ,de Baca,que estava a ser atacada quando vinha a meio caminho em direcção a Bessa Monteiro .
O Zé Peça ficou no quartel sentindo-se na obrigação de me explicar que “na tropa aprendeu cedo que não se devia ser voluntário” para nada. Saiu uma coluna comandada pelo Capitão Moura Borges para "ir dar uma mão" à tropa do "392", ajuda que tinha sido pedida por rádio.
Por volta das 3 da tarde soube o que tinha acontecido.
A cerca de 12 kms. de Bessa Monteiro, num local em que a “picada” estreitava devido a uma “garganta” da montanha a segunda viatura da coluna da CCS rebentou uma mina anti-carro e não tinha conseguido chegar ao local da emboscada da "392". Tinham-se registado diversos mortos e feridos.
Lembra-se dos mortos terem chegado “feitos aos bocados”. Havia a lamentar 3 mortos da CCS, entre os quais o Capitão Borges.
E também havia mortos em Baca da CART 392.Constava que eram 4.
O “Alcobaça” ajudou no que lhe foi possível e ainda assarapantado pela confusão do momento lembra-se de passado algum tempo ter sido chamado pelo Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Alberto Ferreira de Freitas Costa.
“Alcobaça” vai jantar e depois levas os mortos a Ambrizete”.
Nesta parte da narrativa o Zé Peça esclarece-me de algumas dúvidas.
Destino Ambrizete porquê?
Ambrizete ficava a 200 kms. mas tinha cemitério e uma Igreja, onde se podiam fazer os funerais.
Teria que fazer o percurso onde tinha ocorrido o rebentamento da mina e passar por Baca para transportar ,para o mesmo destino, os outros mortos.
Entre diversos pormenores macabros em relação aos mortos da CCS o Zé Peça lembra-se ainda do que comeu na altura: “bacalhau com batatas”! Porque se lembra deste pormenor ?Porque que era um "prato" de que muito gostava e não tinha conseguido "tocar na comida".
Algum tempo depois apresentou-se com a sua “GMC” junto ao Comando e carregaram-lhe, em maca, os 3 mortos.
O Ten. Coronel entregou-lhe os galões do Capitão Borges e disse-lhe em voz baixa que os voltasse a colocar no corpo do Oficial quando tivesse chegado ao seu destino.
-E quem vai comigo , meu Comandante?
-Ninguém.Vais sozinho pois já chega os mortos que tivemos. Se houver outra mina só teremos mais uma baixa e não duas.
O Zé Peça, que sabia que o Comandante de Batalhão tinha estima por si, sentiu um aperto "mitral" mas nada disse e subiu para a viatura. Pôs o motor a trabalhar e arrancou, seguido por duas viaturas com duas(??) secções.Lembra-se que uma das secções era comandada pelo Furriel Tavares.
Eram umas seis da tarde.
Ainda havia luz de dia mas pouco depois começou a escurecer.
O “Alcobaça” não acendeu os faróis mas ligou os “olhos de gato” da “JMC”.Em marcha lenta, pois nalguns troços da “picada” os homens do Furriel Tavares seguiam apeados, chegaram ao local onde tinha rebentado a mina.
Foi muito difícil ultrapassar o "buracão" , dificuldades que pouco depois aumentaram quando encontraram duas árvores abatidas na "zona de morte" da emboscada que a malta do "392" tinha sofrido.
Os “abatises” tiverem que ser serrados e removidos para a berma para a pequena coluna continuar o seu caminho.
Foram horas de angústia que se prolongaram pela noite dentro. Chegaram a Baca por volta das 4 da manhã. Aí o Zé lembra-se de ter comido alguma coisa.Uma espécie de pequeno almoço.
Tinham sido precisas cerca de 10 horas para percorrer 22 quilómetros!
Foram carregados os mortos da “392”- eram 3 e não 4 -  e a coluna “funerária” seguiu a caminho de Ambrizete.
Só, na sua cabine, nem uma vez o Zé Peça olhou para trás, para a sua”carga”. Sentia um cheiro a morte e um zumbido de moscas… Foram horas e mais horas até Ambrizete. Só, com os seus pensamentos, o Zé Peça olhava para a “picada” atento a qualquer coisa … As sombras da noite foram clareando e quando o amanhecer chegou o seu ânimo melhorou um pouco…
Eram 5 da tarde quando chegaram a Ambrizete.
Tinham passado cerca de 23 horas desde que tinham saído de Bessa Monteiro!
Os corpos começaram a ser descarregados e o “Alcobaça” apressou-se a pôr os galões no cadáver que lhe pareceu ser o do Capitão Borges. Os corpos estavam inchados, cobertos de pó, de moscas e…irreconhecíveis. O Zé Peça teve dúvidas mas…não conseguia olhar mais tempo os mortos.
Perguntei-lhe se os corpos estavam identificados, se tinham as chapas metálicas de identificação que todos os militares traziam ao peito? Em consciência não se lembra …nem sabe responder.
Tinha que sair dali bem depressa e foi para a “Pensão do Moço”. Conhecia o dono e lembra-se que foi para a cama bem cedo. Caiu na cama mas não conseguiu dormir nada de jeito. Teve pesadelos e viu, vezes sem conta, os “seus” mortos numa noite longa…que parecia não ter fim.
No dia seguinte atestaram-lhe a sua GMC com géneros. Carregou sacos de arroz, feijão, grão, batatas, conservas e barris de vinho.
O Zé Peça lembra-se que sentia algum “conforto” com o carrego que ia transportar. Carregava a tonelagem máxima e se “encontrasse” uma mina anti-carro talvez não saltasse muito!
Não houve problemas no regresso a Bessa Monteiro.
Quando chegou ao aquartelamento pensava que ia encontrar a malta toda em lágrimas.
Foi recebido com gritos de satisfação. Olha o “Alcobaça”!
Num grupo tocava-se acordeão e dançava-se…
Parecia que nada de anormal se tinha passado 2 dias antes.
O “Alcobaça” percebeu que a guerra é mesmo assim.
Ai dos que partem!
Quem fica …come, bebe ,brinca...convencido que a acontecer alguma coisa de mau acontecerá aos outros
Fez o relatório verbal ao seu Comandante  e não ocultou as dúvidas que teve quando colocou ao galões do Capitão…num corpo que poderia não ser o “certo”.
O seu Ten.Coronel não o recriminou e explicou-lhe as razões da tal ordem cruel:
«Segues sozinho porque já me chegam os mortos que tivemos.»
O Zé Peça compreendeu e seguiu para a sua vida no quartel. Onde fazia tudo…ou quase tudo.
Mal sabia ele que ainda estavam para acontecer outros acontecimentos bem trágicos por ali…
Em 6 de Setembro de 1964 é abatido um pequeno avião de reconhecimento onde seguiam dois oficiais do BArt. 400:
O Ten.Coronel Alberto Ferreira de Freitas Costa e o Capitão Carlos Alberto Boura Ferreira morreram nesse dia aziago.
O Zé Peça termina a sua história com a voz rouca.
Peço-lhe algumas fotografias do seu tempo de Angola que, com a ajuda da sua mulher, encontra passado algum tempo.
Quando me preparava para me despedir o “Alcobaça” conta-me mais um capítulo da sua vida.
Dois anos e 65 dias depois de ter rumado a Angola regressou a Portugal e à “nossa” Alcobaça na Primavera de 1965. Empregou-se nas “Termas da Piedade” onde, passado pouco tempo, com a sua habilidade nata para fazer tudo…fazia quase tudo!
Quando alguma coisa urgente o justificava deslocava-se de carro a Alcobaça – a 2 Kms. das Termas – para tratar do que fosse necessário e dava a boleia a quem precisava de vir à vila.
No Verão desse ano de 65 transportou três pessoas e na conversa “de ocasião” uma senhora falou da morte do seu marido,que tinha sido militar em Angola .Quando ouviu falar de Angola o Zé Peça meteu-se na conversa e perguntou qual era patente do militar que tinha morrido. A senhora disse-lhe que o seu marido tinha sido o Comandante do Batalhão 400.O Zé Peça respondeu-lhe de olhos arregalados que esse oficial – o Ten.Coronel Freitas Costa – tinha sido o seu Comandante de Batalhão.Mais contou que tivera com ele uma relação respeitosa mas de muita amizade. E recordou emocionado à senhora (de que não recorda o nome) que o seu Comandante quando esteve de férias em Portugal (em 1964 ??) tinha passado por Alcobaça e lhe tinha levado pêssegos da sua região.Os melhores pêssegos do mundo.Nessa altura dissera ao Zé onde os tinha comprado e  "que quem passa por Alcobaça não passa sem lá voltar".Quando esta conversa aconteceu, recorda o Zé Peça, que nem um ano tinha passado sobre a morte do seu Comandante.
A viuva do seu Comandante recordava-se da compra desses pêssegos.
Fez com a senhora uma grande amizade, que recorda com muita saudade.
Como o mundo é pequeno !
Pequeno mas habitado por muita gente.
Com dias aziagos e… noites longas.
Passar uma noite a conduzir…a morte…marcou-lhe a vida.
Para sempre!
JERO

Nota final
Guerra do Ultramar
info: LC123278
Mortos do Batalhão de Artilharia 400 Angola 1962 / 1965
NOME freg (naturalidade) concelho Posto Un. OP Data PU loc sepultura.
Os nomes assinalados a vermelho dizem respeito ao relato do Zé Peça.
13.Março.1963
HORÁCIO DOS SANTOS OLEIRO Arrabalde - Vilar Cadaval Sld CArt393/BArt400 13-03-1963 A † Ajuda (Lx)
5.Julho.1963
1-CARLOS JOSÉ DE MOURA BORGES Campanhã Porto Cap BArt400 (CCS) 05-07-1963 A † Entre-os-Rios
2-FERNANDO DOS SANTOS BORGES Rio Torto Valpaços 1Cb BArt400 (CCS) 05-07-1963 A † Ambrizete
3- JOÃO CLÁUDIO FERNANDES Lourinhã Lourinhã Sld BArt400 (CCS) 05-07-1963 A † cemit concelhio
4-JOSÉ FREITAS ESTEVES Cascais Cascais Sld CArt392/BArt400 05-07-1963 A † cemit concelhio
5-SERAFIM FRANCISCO RIBEIRO Souto Santa Maria da Feira Sld CArt392/BArt400 05-07-1963 A † freg nat
6-VIRGÍLIO FERREIRA Reriz Castro Daire Sld CArt392/BArt400 05-07-1963 A † Ambrizete
15.Agosto.1963
ARTUR FLORIANO COELHO MENDES (???) (???) 1Cb CArt393/BArt400 15-08-1963 A
JOSÉ FERNANDO BARBOSA DE ALMEIDA Rio Tinto Gondomar Sld CArt393/BArt400 15-08-1963 A † Ambriz
9.Setembro.1963
JOÃO ANDRELINO VALERIANO CEBOLA Sé e São Pedro Évora 1Cb CArt391/BArt400 09-09-1963 A † Ambrizete
JOSÉ DA MOTA FONSECA Perozelo Penafiel 1Cb CArt391/BArt400 09-09-1963 A † freg nat
9.Novembro.1963
JOSÉ ANTÓNIO DA LUZ Nossa Senhora do Pópulo Caldas da Rainha Sld CArt391/BArt400 09-11-1963 A ‡ ñ rec
28.Novembro.1963
MANUEL ANTÓNIO IGREJAS FERNANDES Angueira Vimioso Sld CArt393/BArt400 28-11-1963 A
6.Setembro.1964
CARLOS ALBERTO BOURA FERREIRA Sanfins do Douro Alijó Cap BArt400 (CCS) 06-09-1964 A † freg nat
ALBERTO FERREIRA DE FREITAS COSTA Sé Nova Coimbra TCor BArt400 06-09-1964 A † Guia (Cascais
24.Fevereiro.1965
ANTÓNIO MANUEL LOPES Padornelo Paredes de Coura Sld BArt400 (CCS) 24-02-1965 A † Alto de São João (Lx)

* OS GATOS (Bessa Monteiro, Baca, Quibala Norte, Ambriz, Ambrizete, Quimbumbe etc)








 





domingo, 19 de setembro de 2010

M 298 - O POVO QUE ACLAMA É O POVO QUE REPUDIA...

D.MIGUEL EM ALCOBAÇA


Alguns portugueses, talvez a maioria, adoram as figuras messiânicas ou mais prosaicamente preferem quem os conduza ou quem por eles decida.
Vamos com mais de oito séculos de história e muitos nos consideram fracos e sem alegria.
Tudo o que fazemos de bom, e é muito, é quase ignorado pela maioria. Vivemos sobre uma linha ténue entre o orgulho de ser e a recriminação vulgar.
A propaganda faz de nós o que quer sem interrupções.
“(…) Aclamado em todo o lado por imenso povo que chegou a romper as grades da da Igreja do Mosteiro de Alcobaça”.É com estas palavras que a Gazeta de Lisboa de 28 de Agosto de 1830 relata a visita a Alcobaça do Rei D.Miguel no dia 8 de Agosto desse ano.
O Rei desmontou do seu cavalo em frente à escadaria do patim e subiu os degraus com estudada lentidão sob um palio para receber os cumprimentos das autoridades civis e monásticas.
À direita da entrada Alcaide, Juiz, Oficiais de Polícia; forças vivas à esquerda a congregação tendo à sua frente o Abade, miguelista convicto.
O povo de Alcobaça e dos Coutos descontrola-se sob a escadaria e envolve o Soberano. Procura trocá-lo , olhá-lo nos olhos.
Os mais grados, após o Te Deum, virão beijar-lhe a mão numa sala preparada na hospedaria da Ala Norte.
D.Miguel ,como refere Armando Malheiro da Silva, deslocava-se pelo Reino com “aparato festivo”. Em Alcobaça pintou-se o casario da vila, limparam-se as ruas, ergueram-se no Rossio arcos festivos.
Distribuiu o Rei esmolas, determinou a libertação de presos. A imagem messiânica do Rei Absoluto esculpia-se nestas decisões, sendo o beija-mão um quadro importante do cultivo da imagem do Rei, que terminara com o devaneio constitucional.
Visitar Alcobaça se por um lado sublinha a religiosidade do Soberano significa também o alinhamento com a herança de D.Afonso Henriques.
D.Miguel é um Rei que governa. Dissolveu as Cortes apresentando-se perante os Deputados com os atributos simbólicos do Absolutismo: a coroa, o ceptro e o manto. A imprensa está ao seu serviço e o Rei circula mostrando-se ao povo num momento em que a guerra civil iria estalar no Porto.
Os rituais perante o desastre iminente davam legitimidade ao Soberano, uniam o Rei ao povo.
O Rei visitara o novo edifício da Biblioteca no seu esplendor. A grande sala com galeria sob um tecto decorado a estuque, com pinturas ingénuas orientalizantes nos vãos das janelas, debruçadas sobre o Jardim do Obelisco. O Cartório, sob a grande sala merece ,também a visita do Rei.
Para o Cenóbio a visita do Rei Miguel significava o regresso do Antigo Regime, o afastamento das doença liberal, a recuperação da ordem hierárquica.
Quando o Rei sabe que algum povo de Aljubarrota derrubara o Arco da Memória em conflito com o Mosteiro, após a revolução de 1820,manda reerguê-lo assinalando o gesto com lápide apropriada.
O povo que aclama é o povo que repudia. Aplaudiram o liberalismo. Aplaudem agora o Absolutismo.
Em grupo o povo derrubou o Arco. Em grupo o povo aclama a reconstrução.
Três anos depois a Congregação abandona o Mosteiro antes da extinção das Ordens. A Coroa procurará evitar o pior do abandono.
Valendo-se da cláusula da Carta de Doação de Afonso Henriques à Ordem de Cister, que impunha a restituição da Doação ao Rei em caso de abandono ,o Governo Constitucional do Reino chamou a si o grande Mosteiro, procurando evitar vandalismos de monta.

Rui Rasquilho

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

M 297 - ATÉ SEMPRE AUREA DA MATA

HOMENAGEM À NOSSA QUERIDA AMIGA

Em memória de Áurea da Mata (1951-2010)
6 de Setembro: Dia triste para a história de Turquel.

Áurea da Mata vista pelo pintor António Aboim Sales




Carta a uma amiga que partiu
Olá Áurea !
Minha querida amiga e colega de tantos e tantos anos.
Não esperava que me surpreendesses assim tão definitivamente.
Deixaste tanta gente que te amava e partiste com o teu sorriso maroto.
O teu maior desejo era ver todos felizes, principalmente as crianças.
Sempre atenta às necessidades dos outros e agias sempre para prestar a ajuda necessária.
Deixaste tantos projectos para trás...
Os teus poemas que criavas com tanto talento e as tertúlias que organizaste...
As estórias contadas às crianças e as estórias e lendas de encantar contadas a todos os que gostavam de te ouvir.
As palhaçadas no Carnaval e não só.
O dia do teu aniversário, nunca conheci ninguém que celebrasse a vida assim com tanta alegria.
Os teus jovens da catequese e as campanhas que sempre faziam no natal sempre para auxiliar alguém que precisasse.
As nossas horas de almoço, lá na sala a descansar e a crochetar para as nossas netas.
Tínhamos ainda tanta coisa para partilhar.
Mas tu partiste e agora fisicamente não te poderei mais encontrar e dizer olá sorrindo.
Mas tu partiste subitamente para o plano espiritual e agora estás em paz e tranquilamente nos observas atenta.
Descansarás um pouco até te habituares à tua nova vida eterna.
Logo encontrarás o que fazer; dar a mão às crianças e fazer uma canção de roda, algum jogo ou uma corrida bem animada.
depois virás em sonhos confortar os teus amados e encaminhá-los neste vale de lágrimas.
Se puderes passa por aqui, gostava tanto que me pudesses visitar em sonho, será que é pedir muito?
Dá beijinhos aos nossos meninos e amigos que te receberam aí, o Tó Zé, a Carina o Frederico, a nossa amiga Jú e todos os que contigo privarem.
Fica em paz amiga e não te esqueças de nós.
Beijinho da "Guiga"
Margarida Bogalho

Poema de despedida
Morreste e bem antes dessa nefasta hora
eu o adivinhava aqui ontem, como agora
numa aurora sentida longe de Belém.


Morri também por ti um pouco, fiquei fora,
voz embargada, rouco, chorei
e por ti, mais triste, menos eu


Mataste-me a esperança de noites lindas,
agora simples breu,
divididas
por todos os que tu carregavas
como um feliz fardo
morreu-me por ti meu bardo,
pesou-me nesta hora a vida,
como um fardo.


Amor de todos
felicidade a rodos
de quem com tanto orgulho,
te contemplava
e nestes versos brancos
te procuro, em soluços,
em arrancos de lava,
tento aligeirar tua mortalha
faço teu luto, com o peso abrupto
de saber-te, Deus me valha,
longe de nós
e de não mais poder ver-te,
ouvir a tua voz,
talvez lá longe nas alturas do Olimpo,
em nuvens de dourados pós.


Longe, perdida em nevoeiros de uma outra vida
ou em Céu azul de nuvens limpo
quero que vivas para todo o sempre
e honrar, aqui na terra, tua glória,
Áurea tão querida em mim presente.


Não nos disseste Adeus,
nunca me despedirei de ti
e eu jasmim que sou,
não poderei da rosa
da felicidade em verso,
da alegria em prosa
com que a todos nos brindaste,
com que brincaste
amorosa
minha Áurea. Poalha dourada
desta silvestre estrada,
nunca de ti me despedirei,
nunca o farei, minha querida.


Áurea Benedicta sejas em tua glória
Que o teu exemplo floresça
entre todos os que de ti beberam
que por ti foram, aconteceram, amanheceram,
e em tuas asas mais livres voaram.
Por ti Áurea, muitos, melhores ficaram.


Que em vez de um simples templo,
de um monumento,
de um lúgubre lamento,
nasça o teu exemplo,


Cantemos a tua vida a tua historia,
honremos teu cristalino pensamento
como a festa do amor mais alto acontecida
que a todos deste,
em que em tua vida te perdeste.

Cansando-te em estrada cheia e agreste
zombando de honrarias de que te rias
e despindo-te de luzes, em sonora gargalhada
carregavas cruzes e chagas de amor


Áurea minha mais rica e alegre Rosa!
Levantemos agora e sempre teu acreditar
ajudemos todos os que sem ti ficaram
a voltar a sonhar! Oremos a todos os Santos!


Ajudemos agora nós,
com menos prantos
Todos e tantos
que por tua perca ficaram sós,
te choraram e tão pobres ficaram


Saibamos ser sua nova voz,
o que sempre quiseste, ser,
seremos nós
num florido amanhecer
uma gloriosa esperança agora acontecida,
honrando o azul Celeste da tua vida!
António Sales


Brincar com coisas sérias como ela sempre fazia
Áurea, mulher e esposa, mãe galinha,
Áurea, educadora, e conselheira,
Áurea, catequista, com fé e linha,
Áurea, animadora, sã cantadeira.


Áurea, poetiza, contadora,
Áurea, dirigente patinagem,
Áurea, humilde, simples, lutadora,
Áurea, doente, mulher coragem.

Deste muito, talvez até demais,
Boa amiga, colega, a ninguém lesa,
Gratos são, miúdos, jovens e pais.

Desta vida exemplar, um senão!
P’ro Céu alma tão grande, aos anjos pesa,
Disso, por certo..., terás o perdão.
Augusto Luís


Despedida desta vida
(dedicada á memória da amiga Áurea da Mata)


Quando nasce uma pessoa,
Seja má ou seja boa,
Traz o destino consigo.


Nesse destino estava marcado,
Levando-te para outro lado,
Todos vamos ter contigo.


No dia 06 de Setembro,
Bem triste que bem me lembro,
No ano de dois mil de dez.


Partiu Áurea Fernandes da Mata,
Que muita gente lhe é está grata,
Por muito bem que lhes fez.

Com cinquenta e nove anos de idade,
Partiu para a eternidade,
Deixaste esta peregrinação;


Esta terra e a tua vida,
Toda a gente que te é querida,
Mas que te guarda no coração.


Ó Áurea nossa amiga,
Na boca sempre uma cantiga,
Com uma graça também.


Mas quis então o destino,
Que em Turquel tocasse o sino,
E fosses para a Virgem Mãe.


Tu amavas as crianças,
Elas são nossas esperanças,
Para o futuro de amanhã,
Ensinavas-lhe boas maneiras,
Com regras e brincadeiras,
Para terem uma vida sã.


Tantas te passaram pela mão,
Te trazem no coração,
Algumas já são mães e pais,
Elas nunca se esqueceram,
Do quanto contigo aprenderam,
Ainda hoje queriam mais.


Mas isso não aconteceu,
Alguém te chamou lá do Céu,
Quis a tua companhia.
Aceitamos com amor,
É a vontade do Senhor,
Só nos resta a nostalgia.


Até sempre a amiga:
Sofia Francisco


Até à vista Áurea


Áurea minha colega e amiga,
Muitos anos de convívio,
Que tivemos nesta vida,
São muitas recordações que esquecê-las não consigo.


Desde o trabalho à poesia,
E outras tantas actividades,
Tantas coisas que fazer,
Que sinto já as saudades.

Quero prestar homenagem,
Com esta minha mensagem,
De carinho, ternura e amor.

Desejo de meu coração,
Que os anjos te levem pela mão,
E te receba Nosso Senhor.


Soneto dedicado à amiga Áurea da Mata de autoria de:
 Sofia Francisco


Sentida Homenagem Para Ti Querida Amiga


Mais uma flor
Que Deus veio buscar
Estamos todos aqui para
A última homenagem te prestar
Adeus Áurea, estamos aqui
Com todo o nosso coração
Que os anjos te guardem no céu
E te ofereçam protecção

É com muita tristeza
E dor no coração
Que estamos junto de ti
Nesta celebração


Estão aqui todos os teus amigos
Com muito carinho e amor
Pedindo aos anjos que te levem
Para junto do Senhor


Neste momento de dor
E de grande sofrimento
Entregamos-te ao Senhor
Que Ele, tome conta de ti a cada momento


Partiste querida irmã
Sem dizer nada a ninguém
Agora descansa em paz
Na Eternidade também


Aos teus familiares
Eu desejo do coração
Que aceitem com Amor
A tua separação


É para nós muito doloroso
Ver partir alguém de quem gostamos
Mas faça-se a vontade do Senhor
Porque nós não mandamos

Numa graNde doença
Ou num acidente repentino
Todos temos que pela morte passar
Quis assim o destino

Juntos todos em oração
Neste momento de dor
Rezemos pela nossa irmã
Que partiu para junto do Senhor

Adeus Áurea até um dia ?

Elaborado por Maria Rosa Marques

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

M 296 - À DISTÂNCIA NO TEMPO...TEMPO DE VIVER...

TEMPO DE VIVER

Corre-me o tempo
por entre os dedos da mão.
Solta-se-me a vida,
num sopro,
num suspiro do coração.
Faz-se-me pensamento,
uma qualquer louca ideia,
trazida por um qualquer vento.
Abre-se-me o sorriso,
talhado por machada aguçada,
sobre os meus lábios fechados.



Encontra-me a paz,
num perfeito,
e prolongado abraço,
porque já pude escrever,
o que me foi no coração,
em noites de não saber,
se me feria o bruto aço,
de recordação magoada,
ou a memória esquecida,
do que não queria esquecer.


Mas será que perceberam,
que eu já andei perdido,
à procura do meu nada,
em noites de terrível insónia,
a suar o já suado
medo que me atormentava,
num tão recente passado,
feito de longas esperas,
atrás de árvores deitado,
de alguém que por ali passasse
apenas para ser “acabado”?


Mas será que entenderam,
as horas amargas passadas,
em matas que não conhecia,
e que nada tinham a ver,
com o Pinhal de Leiria?

Mas será que compreenderam
que coisa medonha é a guerra,
que se agarra ao nosso ser,
toma-nos conta da vida,
faz parte do nosso dormir,
chora-nos quando acordados,
e persegue-nos para sempre,
até nos darmos à terra?


Eu sei que é muito difícil
a quem não viveu assim,
perceber o medo entranhado,
vencido pela coragem,
que mais parece loucura,
do que atitude segura,
que nos imprime uma marca,
tão invisível,
mas presente,
que faz os outros pensarem
o que fez tão louca,
esta gente!


Que linguagem é esta,
que brota dos nossos lábios,
incompreensível aos outros.
As palavras são as mesmas,
mas têm um significado
que só nós podemos entender.
E por vezes,
oh, coisa estranha,
vem misturadas com outras,
palavras “arremedadas”,
dum português africano,
precisas para perceber,
aqueles que connosco estiveram,
lá longe, tão longe,
que já não os podemos ver.


Tens que te adaptar,
força-me a vida,
julgando ser fácil esquecer,
aquilo que não quero lembrar.
Ou talvez queira,
sei lá eu bem,
nesta vida em turbilhão,
em que não me reconheço,
perdido na multidão.


Fecho as mãos,
fecho os dedos,
com força,
até doer,
para que o tempo não escape,
ao tempo que ainda tenho,
e que tenho de viver,
pelo menos numa homenagem,
àqueles que “vi” morrer.
JOAQUIM MEXIA ALVES


Depois da Guiné, à procura de mim
Monte Real, 2 de Agosto de 2010
Joaquim Mexia Alves
O tempo presente (1)

In blog "Luis Graça e Camaradas da Guiné"-Postagem 6961.
Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 6 de Setembro de 2010:

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

M 295 - CEM ANOS DEPOIS ... UMA ANÁLISE ECONÓMICA DA IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA


O distrito de Leiria nas vésperas da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910

Um relativo consenso historiográfico situa na 2ª metade do século XIX as causas do atraso da economia portuguesa, relevando a sua incapacidade em acompanhar os ritmos de modernização tecnológica e de competição nos mercados internacionais. As explicações do fracasso filiam-se tanto em razões de natureza exógena, como nas características endógenas ou estruturais do país. Encontram-se na nefasta relação comercial com a Inglaterra que leva a uma orientação exclusiva da economia para o sector primário, nomeadamente a produção vinhateira, o que obstaculiza o arranque industrial têxtil; na localização periférica do país face à Europa industrializada; no espírito aristocrático das classes dominantes com um grande grau de rejeição do investimento produtivo e da inovação; na mundividência pré-capitalista da sociedade portuguesa; na estrutura fundiária e regime de exploração da terra, acentuando a dificuldade e lentidão das transformações jurídicas e da inovação do sistema produtivo; na escala da economia, nomeadamente a debilidade do mercado interno e do poder de compra das populações; na sangria demográfica para as Américas, em virtude de um mercado de trabalho incapaz de cativar os migrantes rurais; na exiguidade ou subexploração dos recursos naturais, nomeadamente matérias-primas e combustíveis; na falta de oferta de crédito ou numa política de juros incomportavelmente elevada; na má condução da esfera política e, não menos importante, no fraco índice de escolaridade da população (cerca de 75% de analfabetos à entrada da República), entre outros argumentos.
Não obstante os esforços industrializadores que podem ser constatados nos Inquéritos Industriais de 1881 e 1890, no dealbar da 1ª Guerra Mundial 60% da população activa trabalhava na agricultura e a riqueza produzida por este sector duplicava a da economia industrial.
A industrialização era incipiente e ancorava-se em sectores da 1ª vaga. Em 1881, a indústria têxtil representava 55% das unidades fabris e manufactureiras, 53,8% dos operários e 67,6% da energia obtida através da máquina a vapor.. A potência total instalada estava então calculada em 7.052 (CV).
A indústria apresenta-se concentrada em Lisboa e no Porto e nalguns pólos tradicionais, como a Covilhã e a Marinha Grande…, mas a pulverização do tecido industrial constitui a norma. A energia obtida pelas rodas hidráulicas continua a fazer frente à máquina a vapor e a fábrica embora ganhe primazia no ramo industrial vê ainda a produção oficinal e doméstica ocupar 90% da mão-de-obra operária. É verdade que o esforço da Regeneração tinha garantido as acessibilidades e a mobilidade com uma rede de estradas, pontes e ferrovias, facilitado as comunicações com o telégrafo, a livre criação de sociedades anónimas (1867) que contribuíram para reduzir o risco dos investidores, a emergência de um corpo de novas indústrias de 2ª vaga (adubos químicos, em 1884; tintas e vernizes, em 1888; cimentos, a partir da década de 90), uma taxa de crescimento industrial superior à agrícola (2,5% ao ano contra menos de 1% ao ano entre 1851 e 1913). Mas a competitividade nos mercados internacionais estava condicionada ao sector das cortiças (com maior peso em Lisboa e Évora) e conservas de peixe (em Setúbal, Espinho, Ericeira e no Algarve) e o estrangeiro dominava ¼ da renda comercial e industrial. Portugal não conheceu uma revolução industrial à boa maneira inglesa, pautando-se por um arranque tímido e um crescimento difícil.

Migramos agora para o distrito de Leiria.
A dominância do mundo agrário é sufocante.
 A agricultura assume-se como a forma dominante de investimento, de criação de riqueza, de trabalho e as elites regionais continuam a encarar a propriedade como uma fonte de reconhecimento social.
O regime de exploração da terra insiste em privilegiar os contratos de aforamento/arrendamento em detrimento da exploração directa e a maioria destes contratos alicerça-se na longa duração.
 Nota-se ainda uma lentidão extrema na transição das pensões em géneros para moeda (o que demonstra a deficitária monetarização da economia), permanecendo os foros a ser pagos em cereais e vivos.
 Mas não são apenas estes os problemas que tocam a agricultura do distrito.
A deficiência da gestão agrícola materializa-se na promiscuidade e tradicionalismo cultural, na carência de adubação e mobilização do solo, na má regra de plantação e compasso, na dificuldade de aquisição de máquinas e alfaias modernas, em suma, uma agricultura diminuída nos métodos e técnicas, na questão complexa da posse e dimensão da propriedade e dos foros, na capacidade de inovação e na relutância em abraçar o modelo capitalista de exploração da terra.
A revolução liberal e as políticas económicas daí decorrentes não provocaram mudanças substantivas nas relações materiais de produção dos campos.
 É certo que se verificou um relativo desafogo com o desmantelamento gradual das estruturas senhoriais. No relatório da “Sociedade Agrícola do Distrito de Leiria (1856) ” afirma-se que, a partir de 1834, se deu um incremento significativo da cerealicultura no distrito, o que lhe faculta a exportação de aproximadamente um décimo da colheita.
 Este progresso é atribuído pelos lavradores avisados ao seguinte corpo de razões:
“1º Extinção dos dízimos;
 2º Venda dos bens nacionais e sua divizão;
 3º Remissão dos foros;
 4º Aumento da população;
 5º Liberdade e o socego que os povos tem governado com o acabamento da guerra civil”.
Mas aprofundemos a análise.
 A partir da segunda metade do século XIX são tomadas medidas de política agrária que afectam a coabitação de incultos com as áreas de produção.
 A lei de desamortização dos baldios (1869) acelera a destruição da propriedade comunitária, o que no distrito se traduz quer num fenómeno de concentração da propriedade, quer na democratização de acesso à propriedade plena da terra.
 Mas a perda dos baldios traduziu-se em grandes dificuldades para a lavoura campesina que dependia destes espaços para fertilizar as terras de cultivo, conduzindo a atrasos na emancipação global do pousio e opção por novos afolhamentos, levando a quebras acentuadas de produtividade do solo...
Mais ainda, estas terras marginais não eram aptas a culturas cerealíferas revelando um esgotamento precoce.
Articulada com a lei de desamortização temos a abolição do compáscuo decretada com o Código Seabra de 1867, o que limitou o pastoreio itinerante salvaguardando o superior interesse do proprietário como bem mandava a cartilha liberal, mas, em contrapartida, acentuou a fragilidade económica do mundo campesino.
A escassez de pastos naturais e de recursos forraginosos, a fragmentação acentuada da propriedade e a dedicação do solo para amanho travaram a empresa pecuária.
 O distrito não dispunha de criação de gado equino e bovino, o que colocava problemas no fluxo de cargas, na força de tracção disponível e tinha reflexos na dieta alimentar.
 Sem estrumes animais e vegetais o índice de produtividade das terras conhecia um declínio.
O parque florestal vai também conhecer importantes modificações com o termo do Antigo Regime e o advento da sociedade liberal a floresta sustentável dá paulatinamente lugar à floresta industrial.
Verifica-se o declínio das matas de folhosas (arroteamentos agrícolas, derrotes para construção e carvoaria) e altera-se o sistema de exploração (de alto fuste para talhadio).
 Cresce a área de pinhal com maior expressão no litoral e as madeiras de pinho servem de combustível à indústria têxtil, vidreira e cerâmica, exportando-se por via marítima ou através do comboio os excedentes produtivos.
 A indústria de resinagem conhece um importante incremento no distrito (no ocaso do século XIX sangraram-se 400.000 árvores nos concelhos de Alcobaça e Leiria).
No domínio da cerealicultura a novidade aporta com o prolífico arroz.
O arroz (cultivavam-se as variedades carolino e galego) impõe-se por meados do século XIX como uma cultura de matriz capitalista, desestruturando as tradicionais relações entre proprietário e rendeiro.
 A cultura do arroz (a par da amoreira) é considerada como uma bênção celestial pelo governador civil de Leiria (1854) face à crise do oídio nas vinhas.
 Verifica-se, então, um notável incremento orizícola nos campos de Leiria, de Alfeizerão e Cela (Alcobaça).
Mas as sezões palúdicas (malária) que atingem os trabalhadores e povoados limítrofes dos arrozais não autorizam a manutenção da cultura. Os arrozais por falta de condições técnicas e de salubridade são proibidos no distrito em 1871.
A propriedade explorada sobre administração directa privilegia o olival e a vinha.
A cultura extensiva do olival é predominante na província da Estremadura (aliás, era nesta província que o olival tinha maior expressão, seguindo-se-lhe as Beiras e o Alentejo).
 No distrito de Leiria a mancha de olival ocupa a Serra de Aire e Candeeiros (o que faz dos concelhos de Alcobaça e Porto de Mós, os maiores produtores).
O olival representa uma das principais fontes de abastança do distrito. Não é por acaso que o Governador Civil D. António de Sousa Macedo declara em 1854 que “um bom anno de azeite produz isto tudo, augmenta os bacelos, acrescenta os lagares, multiplica as charruas, alarga as sementeiras, desenvolve a indústria, emprega a mão-de-obra, dá salário aos trabalhadores".
 Mas este fácies cultural altera-se radicalmente na economia de guerra da primeira confrontação mundial.
A necessidade de combustíveis conduz ao derrote exaustivo de grandes áreas de olival, mas a conjuntura de guerra não é a única responsável pela delapidação deste património.
Também a senilidade das explorações (falta de renovo e de culturas de consociação) conduziam a uma quebra irreversível da produtividade, a que acresce a carência e aumento de custo da mão-de-obra em virtude da emigração.
A vinha vai assumir-se ao termo do século XIX como um sector de inovação e motor da lavoura.
 Mas recuemos um pouco no tempo.
 Ao longo do período da Regeneração a vinha é atingida por sucessivas doenças responsáveis directa e indirectamente por uma verdadeira revolução neste sector.
 O oídio começa a fazer estragos no distrito a partir de 1852 com quebras abruptas na produção.
 Ultrapassada esta crise na década de 60 a cultura vinhateira dispara e os vinhos do distrito passam a abastecer a França que se deparava, a partir de 1863, com a praga da filoxera a devastar a totalidade das vinhas.
 Em 1867 o Douro vinhateiro é atingido, mas o distrito de Leiria só conhece o primeiro foco de infecção em 1882.
 O repovoamento da vinha europeia sobre os bravos americanos faz-se de forma quase imediata no distrito, enquanto no Douro insistiu-se no sulfureto e na replantação de castas europeias.
A filoxera implicou uma verdadeira revolução que se pode sintetizar nos seguintes aspectos: substituição total da vinha de pé-franco pelas americanas; implantação da vinha em solos de várzea; novas regras de compasso, alinhamento e mobilização; exclusão das culturas de consociação; primado da enxertia; importação de castas francesas; adopção de novas alfaias vinhateiras; adubações e tratamentos.
 Os resultados materializaram-se em ganhos de produtividade de cerca de 1/3.
Por seu turno, o fabrico do vinho conhece uma profunda revolução química e mecânica.
 A vinha pós-filoxera ganha grande incremento e o vinho abastece o Brasil e as colónias africanas.
Os mercados europeus nomeadamente o inglês e francês recusam os vinhos portugueses que por serem aguardentados exibem um teor alcoólico demasiado elevado.
Naturalmente, os investimentos de replantação, renovo da maquinaria vinária e o capital de conhecimentos para produzir vinho afastam os camponeses da produção de mercado.
Excluindo as explorações vinhateiras a tecnologia agrícola marca passo. Os lagares de azeite mantêm o arcaísmo tecnológico, com as prensas de vara e os moinhos ultrapassados, o período de entulhamento excessivo, problemas de salubridade, erros de produção (queima e salga do azeite, junção dos azeites das espremeduras...), o que leva à recusa do azeite português no mercado europeu.
A debulha mecânica do trigo divulga-se timidamente nas primeiras décadas do século XX, enquanto no Alentejo as debulhadoras já eram vulgares na década de 80 do século XIX.
 A própria tracção das alfaias continua a ser entregue ao gado bovino. No sul de Portugal, o cavalo já se encarregava desta tarefa a partir do último quartel do século XIX.
Na indústria salva-se o precioso pólo vidreiro da Marinha Grande e a resinagem graças à floresta de pinho.
 O distrito possui todavia unidades de fiação e tecidos (Castanheira de Pêra e Alcobaça), louças (Caldas da Rainha), curtumes, cerâmica, conservas de frutas...
 Nas indústrias extractivas temos em Alcobaça as minas do asfalto, na Batalha as de carvão, e no concelho de Leiria minas de carvão, de lenhite, de ferro, de gesso e de cimento.
Os trabalhos e os dias das populações do distrito de Leiria e a força da economia continua dependente da agricultura, imagem que não destoa do todo nacional.


António Valério Maduro